Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
A crise que chegou a todos não é igual para todos
Os impactos da pandemia fizeram-se sentir de maneira diferente pela União Europeia. E isso também vai definir a resposta de cada país na fase de recuperação económica.
Desta vez foi diferente. A crise chegou a todos, ao mesmo tempo e com uma violência sem precedentes. Mas não tem os mesmos efeitos em todos os países. A Europa, que foi o segundo centro mundial do surto de covid-19 que começou na China, ainda tenta recuperar da queda histórica da atividade económica. Uma crise sem paralelo desde a II Guerra Mundial.
Nas últimas projeções avançadas pelo Banco Central Europeu o cenário para este ano melhorou ligeiramente, mas as economias do euro não devem escapar a uma contração de 8% do produto interno bruto (PIB), contra os anteriores 8,7%. Mas a incerteza ainda é muita. Tudo vai depender da severidade e duração da pandemia nos próximos meses até ser encontrada uma vacina ou um tratamento eficaz.
Olhando para os dados que já existem para o segundo trimestre do ano, a crise afetou os países de forma muito diferente com impactos heterogéneos nos setores de cada economia, dependendo da estrutura produtiva.
De acordo com os dados do Eurostat, o PIB da União Europeia registou um trambolhão de 13,9%, comparando com o segundo trimestre do ano passado, e na zona euro a contração foi ainda mais expressiva, atingindo uma variação homóloga de 14,7% do produto.
Numa análise individual das economias do bloco do euro – onde se encontram os principais clientes das exportações nacionais – é possível ter um retrato de como a economia reagiu, tendo em conta a estrutura em que assenta.
As economias com grande dependência do turismo, por exemplo, tiveram uma quebra mais acentuada do PIB. São os casos de Portugal, Espanha ou Itália. Na exportação de serviços – onde se inclui o turismo – as quebras homólogas foram acima de 50% e no caso de Espanha acima dos 60%.
Estas quebras estão ligadas ao confinamento e regras restritivas, com o encerramento das fronteiras e a limitação à livre circulação de pessoas. Comparando, por exemplo, com a Irlanda, que também assenta na exportação de serviços, a queda homóloga foi de apenas 3,7% do PIB. Mas os serviços vendidos ao exterior estão ligados às grandes tecnológicas norte-americanas que até cresceram durante a pandemia.
Portugal registou o quarto pior desempenho na União Europeia no segundo trimestre do ano, com uma queda homóloga do PIB de 16,3%. Pior só mesmo em Espanha (-22,1%), em França (-18,9%) e em Itália (-17,7%).
Nota-se uma diferença muito
Economias com grande dependência do turismo, como a portuguesa, sofreram quebras maiores.
marcada na intensidade com que as componentes do PIB são afetadas pela crise. “Isto implica que as modalidades do plano de recuperação [da União Europeia] devem ser específicas para cada país”, defende o diretor de Estudos Económicos do instituto francês de gestão, Eric Dor.
A dependência do turismo
Tem sido o grande motor das exportações portuguesas nos últimos anos, em especial desde 2013. O turismo foi, em 2019, responsável por mais de metade das exportações de serviços (52,3%) e por um quinto nas exportações totais (19,7%). E as receitas do setor tiveram um contributo de quase 9% para o produto interno bruto.
As exportações de bens também sofreram um grande embate com a crise e a paragem quase total da atividade nos principais parceiros comerciais, mas as quedas foram menos intensas. Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE) já apontam para alguma recuperação, apesar de a variação homóloga ainda se encontrar em terreno negativo no mês de julho (-7,3%). E se excluirmos os combustíveis, quase que estamos ao nível de 2019.
Ainda na atualização das perspetivas orçamentais divulgadas pelo Conselho das Finanças Públicas, na passada quinta-feira, “na sequência da contração económica verificada nos principais parceiros comerciais portugueses registou-se, após o mês de março, um declínio acentuado das exportações nacionais de bens com destino a Espanha, Alemanha e França”.
Só estes três países contam para metade das exportações totais do país, segundo dados definitivos publicado pelo INE para 2019.
O plano europeu
A Comissão Europeia divulgou nesta semana as orientações gerais para os planos de recuperação que cada Estado-membro deve apresentar a partir do dia 15 de outubro, numa versão preliminar. São projetos “emblemáticos” enquadrados no Mecanismo de Recuperação
e Resiliência – NextGenerationEU. Em causa estão 672,5 mil milhões de euros para serem aplicados até ao final de 2026.
Bruxelas definiu sete grandes domínios centrados nas energias limpas, na eficiência energética, digitalização, modernização dos serviços públicos, transportes ou formação.
Para Portugal, está reservada uma fatia de 15 mil milhões de euros e o plano está a ser traçado tendo por base a Visão Estratégica de António Costa Silva, cuja versão final foi apresentada esta semana depois de ter recebido mais de mil contributos na consulta pública.
O Plano de Recuperação e Resiliência ainda vai ser discutido com os parceiros sociais e os partidos na semana que vem (a 21 e 22 de setembro), sendo debatido no dia seguinte na Assembleia da República. O documento, na sua versão preliminar, vai ser apresentado no dia 14 de outubro, poucos dias depois do Orçamento do Estado para 2021, e enviado para Bruxelas no dia seguinte.
A recessão mundial vai ser a mais profunda desde a II Guerra Mundial, mas um pouco menos do que as previsões iniciais. Pelo menos para a Organização para a Cooperação de Desenvolvimento Económicos (OCDE), que reviu as projeções de junho e melhorou os números para este ano. Em vez de uma queda de 6% para a economia mundial, a OCDE aponta agora para 4,5% e também reviu para alguns dos principais clientes das exportações portuguesas.
No relatório intercalar divulgado na quinta-feira, a organização sediada em Paris apenas apresentou previsões para as maiores economias mundiais e zona euro o que permite avaliar o comportamento de alguns dos principais destinos das vendas do país ao exterior.
A OCDE divulgou projeções para países como Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Estados Unidos, Brasil ou China e para estes destinos seguiram em 2019 quase 43% das vendas ao exterior, indicam os cálculos do Dinheiro Vivo. Significa que qualquer melhoria nestes mercados também pode beneficiar a economia nacional. Contudo, nestas projeções não está incluído o maior cliente: Espanha, que absorveu praticamente um quinto das exportações de bens e serviços, equivalente a 14,8 mil milhões de euros.
Os dados definitivos divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) neste mês de setembro indicam que para estes sete destinos, Portugal vendeu mais de 25,6 mil milhões de euros em bens e serviços.
Assumindo apenas os países com previsões atualizadas da OCDE, e por ordem decrescente, França surge como o segundo mais importante cliente das exportações nacionais, com uma quota de 13%. Segue-se a Alemanha com 12%, o Reino Unido (6,1%), os Estados Unidos (5,1%) e a Itália com 4,5%.
Exportações afundam
Uma previsão um pouco menos pessimista do que há três meses e meio pode representar uma boa notícia para as empresas exportadoras. O primeiro semestre do ano foi para esquecer em termos de vendas ao exterior.
Entre janeiro e junho deste ano, Portugal exportou o equivalente a 34,7 mil milhões de euros uma queda de 10,2 mil milhões de euros face aos primeiros seis meses de 2019, ou seja, um trambolhão de 22,8%, segundo dados da AICEP – a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal.
Numa amostra de 13 destinos das exportações nacionais, a maior razia foi registada nas vendas para o Brasil e o Reino Unido (-34% em cada um dos mercados), seguindo-se a Irlanda (-28,5%) e Angola (-28,4%). Para os Estados Unidos registou-se uma quebra de 26,6% face ao primeiro semestre de 2019.