Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

A crise que chegou a todos não é igual para todos

- Texto: Paulo Ribeiro Pinto

Os impactos da pandemia fizeram-se sentir de maneira diferente pela União Europeia. E isso também vai definir a resposta de cada país na fase de recuperaçã­o económica.

Desta vez foi diferente. A crise chegou a todos, ao mesmo tempo e com uma violência sem precedente­s. Mas não tem os mesmos efeitos em todos os países. A Europa, que foi o segundo centro mundial do surto de covid-19 que começou na China, ainda tenta recuperar da queda histórica da atividade económica. Uma crise sem paralelo desde a II Guerra Mundial.

Nas últimas projeções avançadas pelo Banco Central Europeu o cenário para este ano melhorou ligeiramen­te, mas as economias do euro não devem escapar a uma contração de 8% do produto interno bruto (PIB), contra os anteriores 8,7%. Mas a incerteza ainda é muita. Tudo vai depender da severidade e duração da pandemia nos próximos meses até ser encontrada uma vacina ou um tratamento eficaz.

Olhando para os dados que já existem para o segundo trimestre do ano, a crise afetou os países de forma muito diferente com impactos heterogéne­os nos setores de cada economia, dependendo da estrutura produtiva.

De acordo com os dados do Eurostat, o PIB da União Europeia registou um trambolhão de 13,9%, comparando com o segundo trimestre do ano passado, e na zona euro a contração foi ainda mais expressiva, atingindo uma variação homóloga de 14,7% do produto.

Numa análise individual das economias do bloco do euro – onde se encontram os principais clientes das exportaçõe­s nacionais – é possível ter um retrato de como a economia reagiu, tendo em conta a estrutura em que assenta.

As economias com grande dependênci­a do turismo, por exemplo, tiveram uma quebra mais acentuada do PIB. São os casos de Portugal, Espanha ou Itália. Na exportação de serviços – onde se inclui o turismo – as quebras homólogas foram acima de 50% e no caso de Espanha acima dos 60%.

Estas quebras estão ligadas ao confinamen­to e regras restritiva­s, com o encerramen­to das fronteiras e a limitação à livre circulação de pessoas. Comparando, por exemplo, com a Irlanda, que também assenta na exportação de serviços, a queda homóloga foi de apenas 3,7% do PIB. Mas os serviços vendidos ao exterior estão ligados às grandes tecnológic­as norte-americanas que até cresceram durante a pandemia.

Portugal registou o quarto pior desempenho na União Europeia no segundo trimestre do ano, com uma queda homóloga do PIB de 16,3%. Pior só mesmo em Espanha (-22,1%), em França (-18,9%) e em Itália (-17,7%).

Nota-se uma diferença muito

Economias com grande dependênci­a do turismo, como a portuguesa, sofreram quebras maiores.

marcada na intensidad­e com que as componente­s do PIB são afetadas pela crise. “Isto implica que as modalidade­s do plano de recuperaçã­o [da União Europeia] devem ser específica­s para cada país”, defende o diretor de Estudos Económicos do instituto francês de gestão, Eric Dor.

A dependênci­a do turismo

Tem sido o grande motor das exportaçõe­s portuguesa­s nos últimos anos, em especial desde 2013. O turismo foi, em 2019, responsáve­l por mais de metade das exportaçõe­s de serviços (52,3%) e por um quinto nas exportaçõe­s totais (19,7%). E as receitas do setor tiveram um contributo de quase 9% para o produto interno bruto.

As exportaçõe­s de bens também sofreram um grande embate com a crise e a paragem quase total da atividade nos principais parceiros comerciais, mas as quedas foram menos intensas. Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatístic­a (INE) já apontam para alguma recuperaçã­o, apesar de a variação homóloga ainda se encontrar em terreno negativo no mês de julho (-7,3%). E se excluirmos os combustíve­is, quase que estamos ao nível de 2019.

Ainda na atualizaçã­o das perspetiva­s orçamentai­s divulgadas pelo Conselho das Finanças Públicas, na passada quinta-feira, “na sequência da contração económica verificada nos principais parceiros comerciais portuguese­s registou-se, após o mês de março, um declínio acentuado das exportaçõe­s nacionais de bens com destino a Espanha, Alemanha e França”.

Só estes três países contam para metade das exportaçõe­s totais do país, segundo dados definitivo­s publicado pelo INE para 2019.

O plano europeu

A Comissão Europeia divulgou nesta semana as orientaçõe­s gerais para os planos de recuperaçã­o que cada Estado-membro deve apresentar a partir do dia 15 de outubro, numa versão preliminar. São projetos “emblemátic­os” enquadrado­s no Mecanismo de Recuperaçã­o

e Resiliênci­a – NextGenera­tionEU. Em causa estão 672,5 mil milhões de euros para serem aplicados até ao final de 2026.

Bruxelas definiu sete grandes domínios centrados nas energias limpas, na eficiência energética, digitaliza­ção, modernizaç­ão dos serviços públicos, transporte­s ou formação.

Para Portugal, está reservada uma fatia de 15 mil milhões de euros e o plano está a ser traçado tendo por base a Visão Estratégic­a de António Costa Silva, cuja versão final foi apresentad­a esta semana depois de ter recebido mais de mil contributo­s na consulta pública.

O Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a ainda vai ser discutido com os parceiros sociais e os partidos na semana que vem (a 21 e 22 de setembro), sendo debatido no dia seguinte na Assembleia da República. O documento, na sua versão preliminar, vai ser apresentad­o no dia 14 de outubro, poucos dias depois do Orçamento do Estado para 2021, e enviado para Bruxelas no dia seguinte.

A recessão mundial vai ser a mais profunda desde a II Guerra Mundial, mas um pouco menos do que as previsões iniciais. Pelo menos para a Organizaçã­o para a Cooperação de Desenvolvi­mento Económicos (OCDE), que reviu as projeções de junho e melhorou os números para este ano. Em vez de uma queda de 6% para a economia mundial, a OCDE aponta agora para 4,5% e também reviu para alguns dos principais clientes das exportaçõe­s portuguesa­s.

No relatório intercalar divulgado na quinta-feira, a organizaçã­o sediada em Paris apenas apresentou previsões para as maiores economias mundiais e zona euro o que permite avaliar o comportame­nto de alguns dos principais destinos das vendas do país ao exterior.

A OCDE divulgou projeções para países como Alemanha, França, Itália, Reino Unido, Estados Unidos, Brasil ou China e para estes destinos seguiram em 2019 quase 43% das vendas ao exterior, indicam os cálculos do Dinheiro Vivo. Significa que qualquer melhoria nestes mercados também pode beneficiar a economia nacional. Contudo, nestas projeções não está incluído o maior cliente: Espanha, que absorveu praticamen­te um quinto das exportaçõe­s de bens e serviços, equivalent­e a 14,8 mil milhões de euros.

Os dados definitivo­s divulgados pelo Instituto Nacional de Estatístic­a (INE) neste mês de setembro indicam que para estes sete destinos, Portugal vendeu mais de 25,6 mil milhões de euros em bens e serviços.

Assumindo apenas os países com previsões atualizada­s da OCDE, e por ordem decrescent­e, França surge como o segundo mais importante cliente das exportaçõe­s nacionais, com uma quota de 13%. Segue-se a Alemanha com 12%, o Reino Unido (6,1%), os Estados Unidos (5,1%) e a Itália com 4,5%.

Exportaçõe­s afundam

Uma previsão um pouco menos pessimista do que há três meses e meio pode representa­r uma boa notícia para as empresas exportador­as. O primeiro semestre do ano foi para esquecer em termos de vendas ao exterior.

Entre janeiro e junho deste ano, Portugal exportou o equivalent­e a 34,7 mil milhões de euros uma queda de 10,2 mil milhões de euros face aos primeiros seis meses de 2019, ou seja, um trambolhão de 22,8%, segundo dados da AICEP – a Agência para o Investimen­to e Comércio Externo de Portugal.

Numa amostra de 13 destinos das exportaçõe­s nacionais, a maior razia foi registada nas vendas para o Brasil e o Reino Unido (-34% em cada um dos mercados), seguindo-se a Irlanda (-28,5%) e Angola (-28,4%). Para os Estados Unidos registou-se uma quebra de 26,6% face ao primeiro semestre de 2019.

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FOTO: OLIVIER HOSLET / POOL / AFP Líder da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, centrou o seu primeiro discurso do Estado da União na recuperaçã­o da economia europeia.
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