Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Regra europeia poria salário mínimo português nos 663 euros
Retribuição mensal garantida está hoje 28 euros aquém da referência que está em estudo em Bruxelas para um salário mínimo europeu: 50% da remuneração média.
O valor do salário mínimo português está a 28 euros de cumprir um dos critérios em estudo por Bruxelas para a fixação dos valores de retribuição mensal mínima garantida no quadro da União Europeia: o de que o salário mínimo dos Estados-membros seja de, pelo menos, metade da remuneração média nacional. Em junho, o salário médio português estava nos 1326 euros, o que colocaria o valor de referência nos 663 euros.
O projeto de salário mínimo europeu foi retomado nesta semana pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, no discurso anual do Estado da União. A preocupação manifesta é a de assegurar a adoção de um salário mínimo nos países onde este ainda não existe, nem haja tradição de negociação coletiva para o fixar setorialmente. Nos restantes países, Bruxelas pretende também garantir critérios estáveis e claros para definir a retribuição mínima legal, já que há uma grande variedade de regras dentro do bloco.
Até aqui, as discussões sobre o salário mínimo europeu têm estado focadas em duas referências possíveis: garantir que os trabalhadores ganham no mínimo 50% do salário médio dos seus países ou 60% da remuneração mediana. Esta última foi, aliás, uma proposta do vice-presidente da Comissão, Frans Timmermans, enquanto candidato socialista à presidência do executivo europeu – sendo então apoiado por Portugal. A maior organização europeia de trabalhadores, a Confederação Europeia de Sindicatos, defende que ambos os indicadores devem ser impostos na regulamentação europeia. E pede que não sejam apenas indicativos, mas vinculativos.
Se no que respeita ao primeiro indicador, tendo por base a remuneração média atual em Portugal, o salário mínimo de 635 euros não atinge o patamar mínimo desejável, o mesmo não acontece quando se tem em conta a remuneração mediana. Aqui, Portugal é um dos dois únicos países europeus que atingem a fasquia de 60%, em conjunto com França.
Segundo o relatório anual sobre a evolução do salário mínimo, da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, a Eurofound, Portugal e França superavam ligeiramente a referência de 60% da mediana de rendimentos em 2018. O salário mínimo português fez, aliás, progressos substanciais: encontrava-se abaixo dos 50% da mediana salarial em 2008.
Na UE, Bulgária (salário mínimo nos 312€), Croácia (546€), República Checa (575€), Eslováquia (580€) e Espanha (1108€) têm já debatido planos para a determinação de um rácio de salário mínimo em torno destas percentagens. Fora do bloco, o Reino Unido (1760€) também quer alcançar os 60% da mediana salarial.
Em Portugal, não se discutiu até aqui publicamente a possibilidade de incluir estes indicadores na ponderação. O governo, que legisla o salário mínimo após ouvir os parceiros sociais, tem à mão indicadores mais ou menos quantificáveis para decidir: “As necessidades dos trabalhadores, o aumento de custo de vida e a evolução da produtividade, tendo em vista a sua adequação aos critérios da política de rendimentos e preços”, diz o Código do Trabalho.
O que há, para já, é um valor-meta, no programa do governo: alcançar os 750 euros em 2023. A ideia ainda é chegar lá com um acordo de rendimentos, que as Grandes Opções do Plano para 2021 mantiveram em cima da mesa apesar da pandemia. E que se guia por um indicador específico: o peso da massa salarial no PIB, e a sua aproximação à média europeia. Ficou em 44,7% no ano passado (47,5% na UE27). Excluindo contribuições para a Segurança Social, os salários valem 34,9% da riqueza anual (37,8% na UE27).
Para 2021, é esperada nova subida no salário mínimo. Mas esta terá à partida menor fôlego do que a deste ano, que elevou a retribuição dos 600 para os 635 euros. Será, segundo o ministro das Finanças, João Leão, um aumento “com significado” mas contido pelo efeito da covid nas empresas. Ainda não há data para a discussão.
Bulgária, Croácia, República Checa, Eslováquia e Espanha debatem já rácios em linha com os que estuda Bruxelas.
Estudo conclui que remunerações mais baixas são “trampolim” para aumentos. Vantagem de Portugal é curta
Para quem está no fundo só resta subir, mas há alguns países onde é mais difícil fazê-lo, e entre eles está Portugal. Segundo a Comissão Europeia, quem está na base das remunerações tem por regra um “trampolim” mais rápido na evolução salarial. Mas o impulso é curto para quem ganha o salário mínimo português, que está entre os que garantem menor progressão de rendimentos a curto prazo no bloco europeu, ficando apenas atrás dos de Luxemburgo, Itália (sem salário mínimo legal, mas com acordos coletivos de retribuição mínima) e Roménia.
Nos cálculos do relatório anual de Bruxelas sobre os desenvolvimentos sociais e no emprego nos Estados-membros, publicado nesta última semana, a probabilidade de um trabalhador português que recebe o salário mínimo ser aumentado significativamente (em 25%) num período de dois anos é apenas 5 pontos percentuais superior à de qualquer outro trabalhador. Já em Espanha, a vantagem alcança os 37 pontos percentuais. Este é o país da União Europeia onde a retribuição mínima mensal garantida mais surge associada a uma etapa inicial, e transitória, da vida de trabalho.
O documento de revisão, do comissário europeu do Emprego, Nicolas Nicolas Schmidt, argu
menta contra a ideia de que o salário mínimo tende a estagnar remunerações. É antes um “trampolim”, com os cálculos da Comissão a oferecerem uma visão maioritariamente benigna num momento em que Bruxelas propõe regras para um salário mínimo europeu.
“Quando consideramos a progressão salarial de quem recebe o salário mínimo frente a outros trabalhadores na distribuição de salários, a nossa análise chega à conclusão de que aquele que recebe o salário mínimo tem uma probabilidade superior em 11,8 pontos percentuais de melhorar significativamente o vencimento no curto prazo à de outros trabalhadores”, afirma o documento.
Os cálculos de Bruxelas têm por base as percentagens de trabalhadores com e sem salário mínimo que, nos diferentes países, tiveram subidas importantes nas remunerações entre os anos de 2016 e 2017. Nesse período, mais de metade dos espanhóis que recebiam a retribuição mínima tiveram aumentos da ordem dos 25%.
Já no Luxemburgo – com o salário mínimo mais elevado na UE, nos 2142 euros – verifica-se o oposto: é mais provável outros trabalhadores serem aumentados do que aqueles que recebem o salário mínimo. O mesmo sucede em Itália (caso em que a Comissão tem em conta as retribuições mínimas definidas em negociação coletiva). Na Roménia, à semelhança de Portugal, há ainda vantagem, mas é marginal. Não vai além de um ponto percentual.
Já entre os países onde o salário mínimo mais reflete a ideia de “trampolim” estão, a seguir a Espanha, Eslovénia, Finlândia e Suécia (os últimos dois sem salário mínimo nacional, mas negociado em convenção coletiva). Seguem-se Grécia, República Checa e Malta, todos países onde a vantagem relativa de quem ganha o salário mínimo supera os 30 pontos percentuais.