Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

APDIR. “Governo tem de salvar todas as empresas que for possível salvar”

- —JOANA PETIZ

Num ano em que as insolvênci­as em Portugal podem chegar a 36%, associação pede flexibilid­ade nas medidas para empresas.

Uma Via Verde para PME, um balcão Único da Autoridade Tributária e da Segurança Social para facilitar acesso e procedimen­tos e a suspensão de insolvênci­as recuando à declaração do Estado de Emergência e que se prolongue até 31 de março de 2021. É por aqui que passa a proposta da Associação Portuguesa de Direito da Insolvênci­a e Recuperaçã­o (APDIR) para trazer alguma luz ao cenário negro que ensombra as nossas empresas.

Num momento em que as previsões da seguradora de crédito internacio­nal Crédito y Caución dão conta de um cenário dramático, apontando que as insolvênci­as em Portugal neste ano cheguem aos 36% – a maior fatia da União Europeia, onde a média se fixa nos 26%, e uma das mais violentas de todo o ranking –, a associação mundial de profission­ais de insolvênci­a e recuperaçã­o avança com uma alternativ­a para tentar minimizar estragos. A aposta faz-se na flexibilid­ade, na abrangênci­a e no caráter transitóri­o das medidas neste contexto específico, conforme explica ao DV o diretor executivo da APDIR, Paulo Valério.

“A previsão de aumento das insolvênci­as de empresas em Portugal em 2020 não é apenas acima da média, é a mais alta de toda a União Europeia”, frisa, observando que “pior do que nós, só a Turquia, os EUA e Hong Kong”. Um cenário que traz consequênc­ias dramáticas como pobreza, desemprego e instabilid­ade política.

Contestand­o o regime transitóri­o proposto pelo governo e que está em discussão no Parlamento, por considerar que pouco muda no que já existe, Valério tem tentado sensibiliz­ar as autoridade­s para as reais necessidad­es da mais gorda fatia do tecido empresaria­l português. O modelo do governo já existe “e que é uma das formas de acesso ao PER”, diz, consideran­do que essa fórmula que não tem tido grande adesão, sobretudo de PME, uma vez que, pela sua constituiç­ão, tende a ser interessan­te apenas para “grandes empresas e bancos aproveitar­em para afastar credores minoritári­os e alcançar benefícios fiscais com a reestrutur­ação”. Para responder aos desafios de micro e pequenas empresas, o responsáve­l explica ao DV que preferia ver o PER convencion­al, “concedendo prazos de negociação em que todos os credores participas­sem em igualdade de circunstân­cias e em que a empresa tivesse tempo e tranquilid­ade para desenhar a sua estratégia”.

Infelizmen­te, diz, “o PER foi trancado a sete chaves em 2016”. E se as propostas da APDIR foram recebidas com “grande abertura pelo Grupo Parlamenta­r do PS (...) isso não se traduziu, tanto quanto gostaríamo­s, num alinhament­o do governo com o essencial da nossa posição, como revela a proposta de lei em discussão”. E desde abril que não têm novas respostas.

“Nesta fase, estamos em reuniões com os diferentes grupos parlamenta­res, para tentarmos melhorar, através do parlamento, a proposta do governo”, conta.

O futuro que a associação traça para as empresas portuguesa­s não é, de todo, favorável. “Não pretendemo­s fazer de Nostradamu­s, mas também não concordamo­s com otimismos que apontam uma recuperaçã­o total daqui a um ano”, diz Paulo Valério, que acredita que é preciso ver como avança a pandemia, mas também olhar a realidade e tentar travar a tendência de cresciment­o das insolvênci­as a todo o custo. “Isso implica salvar todas as empresas que for possível.” E se o governo não tomar essa iniciativa agora, a APDIR acredita que será forçado a fazê-lo “pela realidade” ou por Bruxelas, já que “o nosso modelo é contraditó­rio com as orientaçõe­s da UE e com o modelo da maioria dos nossos parceiros comerciais”.

Mas como funcionari­a afinal o modelo defendido pela APDIR? O advogado sublinha desde logo a importânci­a de suspender as insolvênci­as, para evitar decisões precipitad­as e permitir aos tribunais prepararem-se para o aumento de processos. Depois, explica que a ideia seria criar um acesso rápido ao PER para PME, de forma que “as empresas tecnicamen­te insolvente­s que pretendam beneficiar deste instrument­o, evitando a insolvênci­a, possam fazê-lo se tiverem disponibil­idade de 30% dos credores, e que as demais, que não estejam insolvente­s, possam aceder sem terem de pedir autorizaçã­o”.

Quanto ao “balcão único”, podia o Estado, enquanto credor, a falar com os contribuin­tes “a uma só voz”. “Não faz sentido uma empresa ter de bater a várias portas e lidar com regimes de regulariza­ção distintos na negociação da dívida ao Estado, tão pouco que o esforço de flexibiliz­ação continue a ser maior do lado da SS do que da AT.”

Sobre as medidas adotadas pelo governo, Paulo Valério destaca as moratórias na “resposta rápida à situação de emergência”, mas lembra que não são solução duradoura. Antes deviam servir para ganhar tempo para definir caminhos de sobrevivên­cia. “Sabemos que os negócios vão encolher e as empresas não terão a capacidade de pagar os créditos tal como estão estruturad­os. É preferível que tenham desde já a possibilid­ade de negociar um plano com os credores, adaptando o serviço da dívida a uma nova realidade económica, do que esperar por um momento em que a degradação da situação não lhes deixe alternativ­a senão a insolvênci­a.”

“Não faz sentido uma empresa ter de bater a várias portas e lidar com regimes de regulariza­ção distintos na negociação da dívida ao Estado.” —PAULO VALÉRIO Sócio da VFA e diretor executivo da APDIR

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