Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Pandemia leva a êxodo de portuguese­s de São Francisco

- —ANA RITA GUERRA,

No pico da bolha imobiliári­a, em 2015, o custo médio de um T2 para arrendar em São Francisco era de 4450 dólares por mês e comprar casa era difícil, com guerras de licitação por qualquer imóvel que fosse parar ao mercado. Desde que a pandemia de covid-19 congelou a realidade, em março, o cenário mudou radicalmen­te: há milhares de pessoas a abandonar a cidade.

Não só o número de imóveis para venda disparou 96%, segundo um relatório recente da Zillow, como as rendas exorbitant­es caíram pela primeira vez em mais de uma década. Em agosto, o preço médio de um T2 estava nos 3922 dólares, 18% menos do que em 2019, segundo o site de arrendamen­to Zumper.

Foi o que aconteceu com Nuno Sanches e Silva, o português que lidera o marketing da América Latina na empresa de assinatura­s eletrónica­s DocuSign. “O meu senhorio, sem eu ter pedido, baixou a renda”, conta ao Dinheiro Vivo. “É a primeira vez que vejo isto a acontecer.” A trabalhar de casa desde março, o responsáve­l faz parte da vaga de profission­ais que saíram de São Francisco neste período, embora tenha mantido o seu apartament­o. “Vi isto como uma oportunida­de para vir para Portugal. Tirar umas férias primeiro e continuar a trabalhar remotament­e daqui”, explicou. “É uma forma de voltar para casa, estar com a família. Em São Francisco vivo sozinho, então também tem essa vantagem de não ficar tão só.”

A DocuSign informou os trabalhado­res de que podem trabalhar remotament­e até ao final do ano, tal como muitas outras gigantes da região, desde o Facebook e o Google ao Twitter e ao Slack, e isso ajuda a explicar o êxodo que se está a verificar. “Está muita gente a sair da cidade a aproveitar a oportunida­de”, diz Sanches e Silva. “Se não precisa realmente de estar lá, pode-se ir fazendo coisas que noutro momento não seria possível.”

No país mais afetado pela pandemia, com 6,1 milhões de infetados e 185 mil mortos, as restrições continuam elevadas. No entanto, esta fuga de São Francisco é um fenómeno que não se verifica noutras áreas metropolit­anas comparávei­s, como Los Angeles, Boston, Seattle e Washington. É um caso excecional.

Hugo Bernardo, outro português que saiu de São Francisco com a família, explica que o problema é que as vertentes positivas desaparece­ram. “A vantagem de viver na cidade é o ambiente, poder ir a qualquer lugar ou estar não temos data de regresso”, acrescento­u. “Eu diria que estão os cenários todos na mesa.”

Hugo Bernardo saiu da Eventbrite para trabalhar na startup Run the World, que opera na área de eventos virtuais e conseguiu uma ronda de financiame­nto de 15 milhões levantada de forma remota. O português frisa que “o grande valor de estar na Bay Area”, em particular para quem trabalha em tecnologia, “é o acesso a capital e a talento”. Se o talento e o investimen­to passam a ser remotos, então a localizaçã­o é secundária. E ficará assim? “A lógica diz que, quanto mais isto durar, mais enraizados ficarão os comportame­ntos que as pessoas têm hoje.”

Com a covid longe de estar controlada e muitos em trabalho remoto, cada vez mais trabalhado­res de Silicon Valley estão a deixar uma das cidades mais caras dos EUA.

Estar no Vale, sem ter de estar no Vale

“A vantagem de viver na cidade é o ambiente, poder ir a qualquer lugar, estar perto de serviços. Hoje isso não existe. Em Portugal, as coisas estão mais normalizad­as.”

—HUGO BERNARDO Eventbrite/Run The World

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FOTO: JOSH EDELSON / AFP Não foi só a pandemia que esvaziou as ruas da cidade. Milhares desistiram de São Francisco.

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