Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

O regulador a cargo

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Tendo a cargo as regras para o 5G em Portugal e as exigências ao serviço postal, entre outras pastas, tem estado no centro de muita contestaçã­o das empresas dos setores que regula. Licenciado em Economia pelo Instituto Superior de Economia da Universida­de Técnica de Lisboa, aos 61 anos João Cadete de Matos está na segunda metade de um mandato de seis anos à frente da Anacom. Passou antes pelo Departamen­to de Estatístic­a do Banco de Portugal, foi professor associado convidado da NOVA Informatio­n Management School da Universida­de Nova de Lisboa e membro de vários comités internacio­nais, nomeadamen­te do Sistema Europeu dos Bancos Centrais e de Aconselham­ento sobre Estatístic­as das Finanças Públicas do FMI. petir no preço. Aos operadores instalados não interessa a expectativ­a de reduzir margens.

Para a Anacom está fora de causa uma reavaliaçã­o das regras?

Não. A decisão que a Anacom tomou há duas semanas, das condições finais do leilão, vem depois de um período de consulta pública que decorreu ao longo do ano, e que foi mais demorado porque teve de ser interrompi­do por causa do estado de emergência. Antes houve uma consulta a todos os interessad­os, nomeadamen­te as operadoras, sobre o espetro em que tinham interesse e as condições de atribuição. E no fim a Anacom fez alguns ajustament­os nas regras finais para atender às preocupaçõ­es, por exemplo, dos operadores. Dou alguns exemplos: as condições de pagamento foram facilitada­s – 50% do valor da aquisição do espetro será pago não a cinco mas a sete anos. Facilitámo­s várias obrigações de cobertura. Temos dos preços mais baixos para reserva. Se não houver muita competição no leilão, os preços com que as empresas em Portugal vão adquirir o espetro são muitíssimo mais baixos do que os atingidos nos países onde o leilão já teve lugar para estas faixas do 5G.

Serão quanto mais baixos?

No caso dos leilões em Itália ou na Alemanha, são diferenças abissais. Esses dados estão disponívei­s, porque aquilo que nós pretendemo­s neste leilão ao fixar preços de reserva muito baixos é que haja atração e interesse em adquirir o espetro e criar condições. Isto também está de acordo com a orientação que o governo aprovou – mais do que ter uma receita para os cofres do Estado com o leilão, são as obrigações. Aquilo que pretendemo­s que aconteça, e estamos a fazer a mesma coisa que se fez nos leilões anteriores e tem sido feito em todos os países, é utilizar este leilão para que os operadores invistam no mercado das telecomuni­cações, levando a uma cobertura do território de qualidade.

Já falou várias vezes nessa oportunida­de de investimen­to. Qual é a estimativa desse investimen­to no caso de entradas?

Não, porque o Estado não vai dar qualquer incentivo. Quem vai adquirir o espetro vai adquiri-lo no leilão e este incentivo, que é apenas uma prática da regulação do setor, foi contemplad­o em vários países europeus: França, Alemanha, República Checa... há vários onde tem havido essa reserva do espetro. A Comissão Europeia e os tribunais europeus têm tomado uma posição clara de que não há aí nenhuma ajuda de Estado e o Estado português já teve ocasião de esclarecer isso em relação às queixas feitas a este respeito. Não há ajuda de Estado. Há apenas a preocupaçã­o de evitar que os operadores que estão no mercado adquiriram aquele espetro não porque precisam dele mas para evitar a entrada de novos. É uma barreira à entrada e por isso é que a Anacom defende esta reserva e a Autoridade da Concorrênc­ia também – no parecer que deu ao regulament­o do leilão. Há claramente uma convergênc­ia de que esta medida é necessária. Todo o espetro que foi sendo atribuído às empresas ao longo dos anos da operação em Portugal foi em função das suas necessidad­es e do investimen­to que pretendera­m fazer no país. Só houve leilão no 4G. Não há razão para que não possa haver mais de três operadores e só haverá mais se virem uma oportunida­de de negócio.

Todas as operadoras têm usado palavras muito duras, dizem mesmo que as regras são ilegais. A NOS garante que Bruxelas vai responsabi­lizar a Anacom. Já está a preparar a sua defesa?

A Comissão Europeia já deu nota ao governo português dessa queixa e a Anacom já deu o contributo ao governo para a resposta, que é categórica: não há nenhuma ilegalidad­e

Qualquer empresa, para ter sucesso, tem de proteger os seus clientes, defendê-los, ouvi-los. Os consumidor­es de telecomuni­cações em Portugal têm muitas queixas, é dos setores com mais queixas, e muitas vezes não têm resposta às suas queixas e elas são perfeitame­nte legítimas. Também a autoridade reguladora tem de ouvir essas queixas e contribuir para que o setor se modernize, se desenvolva, as empresas possam manter os seus níveis de rendibilid­ade. Porque ninguém investe se não tiver retorno. Mas também queremos que os preços das comunicaçõ­es se aproximem dos de outros países, baixem, e que suba a qualidade.

Admite que esta litigância pode atrasar todo este processo?

Acredito que não. A nossa expectativ­a é que, concluído o processo da consulta pública, agora as empresas se concentrem em preparar as suas candidatur­as e quando tiverem as licenças façam os seus investimen­tos e desenvolva­m os negócios.

As operadoras estão, naturalmen­te, a fazer pressão pública sobre a Anacom. Se o governo lhe pedir para facilitar estas regras, vai fazê-lo?

O governo teve oportunida­de, em fevereiro, de aprovar uma resolução do conselho de ministros com os objetivos, as metas estratégic­as para desenvolvi­mento do 5G em Portugal e a Anacom teve em consideraç­ão essas metas. Eu diria que há um claro alinhament­o das regras com um objetivo importante para o país e que necessaria­mente o governo quer: preparar as condições para que o país se desenvolva, porque o setor das telecomuni­cações não é só para os cidadãos, é também para o tecido económico.

Mas e se o governo lho pedir?

O governo não fez esse pedido e as regras estão aprovadas e publicadas. Houve durante todo este processo uma articulaçã­o institucio­nal com o respeito pela independên­cia e au

tonomia da autoridade reguladora. O governo, a Anacom e o Parlamento, que também teve uma intervençã­o relevante nesta matéria, têm um denominado­r comum que é o interesse público e esse sobrepõe-se sempre aos interesses privados, mesmo que tenham muita voz, sejam muito ativos, tenham acesso à justiça de forma muito aguerrida. Olhamos para isso com toda a naturalida­de, mantendo a nossa determinaç­ão de, sem ser sujeitos a essas pressões, com imparciali­dade, com independên­cia, com isenção, prosseguir o nosso mandato. A Anacom não é pressionáv­el.

Portanto, o calendário que a Anacom desenhou para o leilão de 5G vai ser cumprido?

Esperemos que não haja nada como há uns meses, que obrigou a interrompe­r os prazos administra­tivos, mas naquilo que está nas nossas mãos estamos a tudo fazer para que aconteça. Faltam poucas semanas para libertar uma das faixas para o leilão, a utilizada pela TDT, estamos praticamen­te no final do processo, existe um esforço muito grande de toda a Anacom e também da empresa que tem de fazer a mudança das antenas e acreditamo­s que vai cumprir.

Mas como é que classifica esta pressão das operadoras?

O que eu considero que não é de todo aceitável é que façam ameaças relativame­nte ao desinteres­se de qualquer empresa em deter licenças e não querer fazer os seus investimen­tos. O país não pode estar refém de nenhuma empresa, não é legítimo fazer ameaças, seja uma empresa nacional sejam estrangeir­as, todas são bem-vindas. A Anacom quer contribuir para o desenvolvi­mento do setor, quer atrair investimen­tos de todas as empresas e eu esperaria que houvesse ponderação relativame­nte a qualquer tentativa de fazer chantagem, pressão desmedida, tentativa de condiciona­mento da atuação da autoridade reguladora e da política de comunicaçõ­es que é responsabi­lidade do governo. Quando se fazem determinad­as acusações à Anacom, não é a Anacom que está a ser visada. A Anacom procura servir todos os que nela trabalham, o país, as empresas, os cidadãos e portanto deve haver alguma ponderação.

O contrato de concessão com os CTT termina neste ano. Em junho fez saber que os critérios

A pandemia demonstrou que os correios, como a internet e as comunicaçõ­es móveis, são instrument­os de comunicaçã­o imprescind­íveis na sociedade e para desenvolvi­mento da economia. Aliás, estão muito ligados. Houve muito mais pessoas a comprar através da internet e isso implica também serviços do correio que entreguem as encomendas ao domicílio. Houve durante este ano um fortíssimo cresciment­o quer do correio expresso quer da concession­ária do serviço postal, os CTT. Seja uma comunicaçã­o do hospital para uma cirurgia ou consulta, seja uma notificaçã­o do tribunal, seja informação dos impostos, seja o que for, a correspond­ência tem de chegar a casa das pessoas, os correios têm em Portugal um serviço essencial a desempenha­r.

Estou a dizer que Portugal não tem razões, em 2020, para ter um nível de desempenho na qualidade de serviço dos correios inferior ao que tinha há uns anos. Até porque temos melhores vias de comunicaçã­o: o transporte do correio, que é uma das dificuldad­es para quem tem de levar cartas de um sítio para o outro, nós temos uma cobertura de rede rodoviária do país muitíssimo melhor do que há uns anos, temos um sistema tecnológic­o para a separação do correio, além do código postal, que é também uma grande ajuda. Depois também tem de ter os carteiros motorizado­s para conseguire­m distribuir mais correspond­ência nas zonas que cobrem. Há todas as condições para que o serviço dos correios hoje seja melhor do que há uns anos. Desse ponto de vista não pode haver atraso na entrega de correspond­ência.

No ano passado os CTT falharam em todos os indicadore­s de qualidade de serviço. Esta empresa está bem preparada para prolongar a concessão?

Esta empresa tem de conciliar o que fez ao longo de vários anos, que foi distribuir proveitos altos pelos acionistas, e a obrigação de ter a exploração do serviço postal universal, garantir os critérios de qualidade que o Estado define na concessão.

Aquilo que tínhamos de fazer do ponto de vista de preparação da próxima concessão foi feito, quer em termos de consulta pública quer de vários projetos de decisão. E obviamente entendemos que este ano é atípico do ponto de vista do desenvolvi­mento das atividades do governo, que é quem tem essa responsabi­lidade pela concessão do serviço postal. Haverá certamente razões que justificam que ainda não haja decisões nessa matéria, mas os membros do governo já disseram que o vão fazer a breve prazo e estou confiante numa solução. Mesmo que seja transitóri­a para depois estabiliza­r e definir as regras para o futuro. Nós achamos importante que as regras sejam revistas e já fizemos várias propostas relativame­nte à lei postal para que o serviço seja garantido com o nível de qualidade de outros países europeus.

Mas admite uma solução transitóri­a em relação ao prolongame­nto da concessão?

O governo é que tem de decidir. Não sei se já tem essa decisão tomada mas dado o curto tempo que temos até ao final do ano, será natural que encontre uma solução que resolva a continuaçã­o do serviço postal, porque no dia 1 de janeiro do próximo ano o correio vai continuar a ser distribuíd­o a tempo e horas, sem atrasos, mantendo os compromiss­os e as obrigações.

Pode passar por prolongar temporaria­mente a concessão para depois haver novo contrato?

É uma solução possível, vamos aguardar pela decisão do governo.

Para a Anacom é indiferent­e que o prestador do serviço postal universal tenha um banco a funcionar nas agências?

Não tivemos de nos pronunciar sobre isso mas já tivemos de tomar decisões e intervir nessa matéria, sobretudo para acautelar os interesses públicos subjacente­s ao contrato de concessão do serviço postal e que tem que ver com os custos imputados ao serviço postal, que depois são relevantes para determinar o preço que se paga pelo serviço dos correios. Em auditorias, verificámo­s que não estava a haver a segregação e a imputação adequada dos custos, nomeadamen­te nas estações dos correios que têm simultanea­mente serviço postal e bancário. Tivemos de intervir. A nossa única preocupaçã­o é que as empresas tenham sucesso, respeitem as regras da concorrênc­ia e os seus clientes – em todos os ramos de atividade.

Que estratégia tem a Anacom para o próximo ano? E que marca quer deixar no seu mandato?

Nós estamos desenvolve­r trabalho de equipa. O presidente e o conselho de administra­ção estão sempre de passagem, são mandatos de seis anos, e estou já na segunda metade. Durante este mandato foi possível concretiza­r alguns objetivos que eram importante­s, desde logo o fortalecim­ento da Anacom, a sua reorganiza­ção, o investimen­to nos instrument­os de monitoriza­ção dos espetros, na capacitaçã­o das pessoas.

E agora?

Quero destacar também a proteção dos consumidor­es, que é algo que justifica existir uma autoridade reguladora e tem-nos merecido atenção e prioridade elevadas. A proteção dos consumidor­es também passa pela promoção da concorrênc­ia, e por isso o que agora estamos a concretiza­r com este regulament­o do 5G é um passo relevante para o desenvolvi­mento da concorrênc­ia, para termos melhores telecomuni­cações. A ambição para o futuro é que Portugal beneficie de empresas dinâmicas, ativas, que invistam no mercado das telecomuni­cações, tirem partido da concorrênc­ia para inovar. Não gostaria de ouvir empresas, como ouvi há pouco tempo, dizer que têm dificuldad­e em colocar exportaçõe­s porque não têm internet. Isso é algo que temos de mudar.

“O governo é que tem de decidir até final do ano... É possível uma solução transitóri­a para a concessão dos CTT.”

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