Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Leitão & Irmão combate a crise com luxo acessível e novas coleções
Mercado do luxo democratizou-se e o saber fazer da Leitão & Irmão ajuda a centenária marca de ourivesaria a enfrentar a pandemia. Sem medo da crise, tem uma nova coleção de joias e outra em estudo para 2023.
“A empresa já passou por muita coisa. Diria que se se tomarem as ações corretas, respeitando quem está connosco, vamos ultrapassar isto”. —JORGE VAN ZELLER LEITÃO Casa Leitão
& Irmão
A pandemia veio mudar a vida intensa a que as ruas do Bairro Alto nos habituaram. O movimento noturno desapareceu, a procura por restaurantes abrandou e dos tempos das redações e tipografias resta o jornal A Bola, e as ruas Diário de Notícias e O Século.
A resistir a todas as mudanças, a última chaminé industrial do Bairro Alto mantém-se intacta e funcional, apesar da forja de a fábrica Leitão & Irmão já não precisar dela. “Agora funciona a gás, a chaminé era necessária quando a forja era a carvão e naturalmente fazia muito fumo. Mas a chaminé ainda funciona e todos os anos é revista”, conta Jorge Van Zeller Leitão ao Dinheiro Vivo na fábrica de ourivesaria que a marca centenária mantém em funcionamento, na Travessa da Espera.
Prestes a comemorar 200 anos, em 2021, a Leitão & Irmão já passou períodos difíceis em que o mercado do luxo e das joias não seria uma prioridade. Por isso, Jorge Van Zeller Leitão reconhece que esta pandemia veio criar novas dificuldades, mas nada que a companhia não esteja preparada para enfrentar.
“A empresa já passou por muita coisa e o sucesso do passado em momento algum garante o sucesso do futuro. Passámos a Implantação da República, que foi difícil para a Casa Leitão, a Grande Depressão, as duas Guerras, o 25 de abril e a gripe espanhola. Diria que, se se tomarem as ações corretas, respeitando quem está connosco, vamos ultrapassar isto. E sublinho que o importante de uma empresa são as pessoas que estão connosco. Os números mandam, mas o resto conta igual.
As pessoas têm de ser olhadas com a mesma importância.”
Novas coleções ajudam
Mesmo com uma crise mundial e confinamentos sucessivos, a empresa continua a investir. O líder da Casa Leitão admite que “todos os mercados estão a passar por tempos difíceis – e este também. As perdas são muito significativas, de mais de metade”. Agora, a estratégia passa por “procurar adaptar a nossa força de trabalho à realidade que houver. O online é uma aposta de há dez anos e continuamos a investir nisso. Tem grande visibilida
de e temos vendas em todo o mundo por causa disso, mas, em termos de volume, ainda não tem força para fazer a diferença. Ainda assim, a aposta é na vida online.”
E daí a vontade de manter o lançamento da nova coleção assinada por Débora Montenegro, que tem as constelações como inspiração. “Estes tempos dão-nos a preocupação de querer inovar, de fazer de novo, diferente daquilo que já se fazia. Penso que seja uma razão da nossa longevidade, obriga-nos a excedermo-nos. Trabalharam connosco Salvador Dali, João Cutileiro e Graça da Costa Cabral, que não são desta área e trouxeram desafios em que tivemos de nos exceder.” A nova coleção “resultou em peças simples e interessantes, com um conceito: as constelações. Portugal foi o primeiro país a cartografar o céu e também aí há um lado histórico”.
Com preços a partir de 195 euros, a coleção completa custa cerca de cinco mil e demorou um ano a desenvolver, num misto de técnicas tradicionais e tecnologia moderna. Jorge Van Zeller Leitão conta que “um ano é sensato para desenvolver uma coleção destas”. As dez peças foram feitas em casa: “imaginadas aqui, desenhadas aqui e fabricadas ali, na nossa fábrica. O primeiro molde é desenhado informaticamente e a primeira peça é impressa em 3D. Depois enviamos um ficheiro e vem a primeira peça por transporte. Mas temos o modelador a trabalhar na mesma, as duas situações funcionam em simultâneo, uma completa a outra”, conta.
O investimento inicial “talvez tenha o custo de três a quatro vezes o preço da primeira coleção, porque há os primeiros moldes e aperfeiçoamentos para seguir exatamente o sonho de quem a idealizou. Se são dez peças, a coleção completa ficará em cerca de cinco mil euros”.
Ainda com a coleção Find Your Star acabada de lançar, o escritório de Jorge Van Zeller Leitão está já decorado com os esquissos de uma próxima aposta, para lançar talvez até 2023, sem medo dos efeitos da pandemia no luxo – mercado que “se modificou nos últimos 40 anos e se democratizou”.
“O luxo tornou-se acessível e por isso também sofre muito numa época destas. O luxo não acessível diria que está igual, mas a Casa Leitão trabalha o mercado acessível, como qualquer grande joalheiro. Não dá para trabalhar com um grupo de 20 ou 30 clientes”, apesar de a casa de ourives e joalheiros também atender pedidos únicos – “que os clientes queiram e nós aceitemos fazer”.
Com origem no Porto, no fim do século XVIII, a Casa Leitão torna-se uma referência quando foi nomeada em 1873, por D. Pedro II, Imperador do Brasil, Ourives da Casa Imperial Brasileira. O mesmo aconteceu em Portugal em 1887, por D. Luís I, Rei de Portugal, o que levou a casa a abrir oficina no Bairro Alto, que ainda hoje trabalha.
O ambiente de uma fábrica de manufatura é agora complementado por alguns equipamentos modernos, alguns já ligados à internet, que convivem com as máquinas centenárias que ali entraram ainda antes da última parede concluída – uma vez que não passariam em qualquer porta. Cada modelador trabalha no seu espaço, com o ritmo lento necessário a um labor de grande precisão. Cada um com todo um arsenal de ferramentas e sempre com uma gaveta aberta à frente. Jorge Van Zeller Leitão explica porquê: “Aproveitamos todo o pó que sai do trabalho de modelagem para fazer novos lingotes de prata ou ouro. É uma indústria que já recicla há mais de 100 anos.”