Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Virgílio Lima “O banco não está à venda, tem dimensão estratégic­a para o grupo”

- Texto: Elisabete Tavares e Hugo Neutel (TSF)

O presidente da dona do Montepio afasta cenários de consolidaç­ão no setor envolvendo o banco. E garante que nem a mutualista nem o Montepio precisam de ajuda financeira.

A associação acabou com o conselho geral que supervisio­na a sua gestão. Até ao final do mandato vai poder governar sem o acompanham­ento e a fiscalizaç­ão da oposição. Porque é que extinguiu o conselho já, em vez de esperar pelas próximas eleições?

Não extinguimo­s propriamen­te, decorre da lei. Não houve nenhum ato de gestão a extinguir o conselho. A entrada em vigor do novo código das associaçõe­s mutualista­s e dos estatutos que no seguimento tivemos que ajustar a esse código, previam a extinção do conselho geral e a criação de uma assembleia de representa­ntes. E decorre imediatame­nte da lei a extinção do conselho geral, porque no novo formato os órgãos sociais são a assembleia-geral, a assembleia de representa­ntes, o conselho fiscal e o conselho de administra­ção. O conselho geral, que era um órgão de acompanham­ento em termos de consultori­a, tinha uma função deliberati­va nalgumas áreas. Fusões, aquisições, mas não mais do que isso. De resto era constituíd­o por um conjunto de conselheir­os que acompanhav­am a vida institucio­nal e ajudavam o conselho de administra­ção. Mas extinguiu-se por força de lei. Devo dizer, aliás, que ao contrário do que tem sido noticiado, o próprio conselho de administra­ção é penalizado nesta situação dado que, se agora tivermos ações, operações de gestão, de simplifica­ção do grupo, de fusões..., não temos o conselho geral para nos ajudar, temos que escalar isto para a assembleia geral, o que não é fácil. E portanto, dificulta a própria gestão.

Mas esta decisão chegou a ser descrita por um antigo dirigente da associação como um golpe de estado. Ao o extinguir a fiscalizaç­ão, ou o acompanham­ento sobre si próprio, não está a passar uma imagem de autocracia, de quem quer governar sem prestar contas a ninguém?

Essa afirmação de um golpe de estado é algo verdadeira­mente surpreende­nte, porque nós aguardamos há cerca de um ano, a publicação dos estatutos. E em todas as sessões do conselho geral era dito que não sabíamos se íamos ter sessão seguinte, porque a todo o momento podiam ser publicados ou registados definitiva­mente os estatutos. E por imposição da lei extinguia-se o conselho geral.

Não estava na mão da administra­ção prolongar a existência do conselho geral até ao final do mandato, até que viesse a assembleia de representa­ntes?

Poderia, mas não teria funções legais, não teria força de lei. Era um conjunto de associados que poderia continuar a acompanhar, mas não com intervençã­o efetiva. Porque foi um órgão que por lei se extinguiu. Nós queremos ser escrutinad­os. O órgão de supervisão é o conselho fiscal, e esse mantém-se em funcioname­nto. Além disso, temos a assembleia geral e temos que escalar para a assembleia geral. Somos escrutinad­os também pelos auditores externos exaustivam­ente. E agora temos um período de transição em que vamos ficar sujeitos também ao escrutínio do supervisor da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, que só no final do período de transição - já só faltam 10 anos - fará uma supervisão efetiva.

Mas o que é certo é que esta decisão surgiu poucas semanas depois de um conjunto de associados ter pedido uma intervençã­o do governo para salvar o Montepio. Fica a ideia de que poderia ter sido uma retaliação.

Como os estatutos foram registados definitiva­mente no final do mês de outubro, entram em vigor no primeiro dia do mês seguinte. E, portanto, simplesmen­te, extinguiu-se. Não houve aqui nenhum ato de ninguém, este é um mal-entendido, esta informação que tem sido veiculada não correspond­e de todo à verdade. Nós cumprimos a lei, temos que a cumprir. Foi uma determinaç­ão do legislador e é tão só isso.

Eugénio Rosa estima que o desequilíb­rio financeiro na associação seja de 500 milhões de euros, e acrescenta que o valor não conta com aquilo que descreve como ativos fictícios, como os ativos por impostos diferidos. Como é que vê estas afirmações?

É pena que estas questões sejam apresentad­as publicamen­te e muitas vezes não apresentad­as em sede dos próprios órgãos sociais onde nós nos posicionam­os sempre como quem está a prestar contas e não a apresentar contas. Nós temos um conjunto de ativos por impostos diferidos que decorreram de uma alteração. Justamente porque, sendo nós uma as

“Não houve nenhum ato de gestão a extinguir o conselho geral (...). Extinguiu-se por força de lei.”

sociação mutualista, e seguindo o plano de contas das associaçõe­s mutualista­s, as provisões para as responsabi­lidades futuras não são considerad­as um custo.

E, portanto, não foram os ativos por impostos diferidos que “salvaram” as contas da associação no ano passado?

Tiveram naturalmen­te um contributo para o ativo. Contudo, os ativos por impostos diferidos foram já em 2017. No final do exercício de 2019, a associação, na suas contas individuai­s, isto é, na sua atividade corrente, tinha resultados positivos, mas os prejuízos que se observaram decorreram da avaliação que foi feita ao banco pelos novos auditores. Nós mudámos de auditor.

Qual tem sido o impacto da pandemia na confiança dos associados. Existe, por exemplo, alguma tendência de levantamen­to das poupanças ou de não reaplicaçã­o dos produtos quando eles vencem?

Não, paradoxalm­ente, felizmente, nós temos observado, no corrente exercício... nós estamos em outubro com lucros de 15 milhões de euros e a associação não visa o lucro, tem resultado zero. E estes resultados ao longo do exercício observam-se também em conjunto com um cresciment­o das poupanças dos associados que superaram as poupanças vencidas em cerca de 100 milhões de euros até outubro.

No balanço da associação, o banco continua a estar valorizado por mais do que outros bancos muito maiores, como, por exemplo, o BCP. Entre a valorizaçã­o da auditora anterior e a atual, o valor do banco reduziu-se. Passou para 1,4 mil milhões de euros. Afinal, pode ou não confiar-se nos números que a associação apresenta?

Pode, verdadeira­mente. Houve uma redução do ativo do banco, que já se tinha verificado em anos anteriores, para 1500 milhões, por virtude desse diálogo com os auditores e de eles considerar­em justamente que o valor do banco seria esse. Fazendo a comparação do nosso banco com os bancos do sistema... A verdade é que este banco tem para a associação um valor que não tem para nenhum outro acionista. Primeiro, não está à venda. Segundo, tem que ser detido por uma entidade do titular da economia social, que tem que ter a maioria do capital. Depois, é um banco estratégic­o no grupo e nesta medida o que se tem observado na gestão do banco tem sido... Enfim, houve alguma instabilid­ade nos últimos anos. Naturalmen­te que não está imune à situação que vivemos, mas tem condições de recuperaçã­o. E o valor dos 1500 milhões é, a nosso ver, desajustad­o.

Disse que o banco não está à venda, mas é certo que o Montepio é frequentem­ente apontado como podendo vir a ser comprado ou integrado num movimento de consolidaç­ão no setor em Portugal. A mutualista está aberta a essa possibilid­ade?

O banco não está à venda exatamente por ter esta dimensão estratégic­a para o grupo. Admitimos que recuperada­s as imparidade­s substancia­lmente, e basta que haja o cumpriment­o dos planos de negócio em anos futuros para que isso aconteça, nós poderemos encarar parcerias sendo sempre nós a entidade titular, mas com entidades de economia social, que em Portugal já tentámos. A única entidade que teria condições para o fazer, por razões conhecidas, não foi possível, mas em termos internacio­nais isso é algo que pode ocorrer, mas a acontecer será num cenário de desenvolvi­mento, e portanto, no futuro, não neste momento onde haveria uma grande perda de valor para quem quer que seja.

A associação e o Banco Montepio são frequentem­ente alvo de notícias acerca de fragilidad­es. Até por vezes de comentário­s junto do poder político nesse sentido. Garante que neste momento tanto a associação como o banco não são motivo de preocupaçã­o para o país?

Não, o banco está capitaliza­do. Naturalmen­te não é imune, como todo o sistema. O que se está a verificar atualmente em termos de moratórias vai gerar maiores dificuldad­es depois, algum incumprime­nto. Mas isto faz parte dos planos e estamos a cumprir os rácios de capital neste período de compreensã­o que o Banco de Portugal dá para que se apoie a economia, com maior tolerância nos rácios de capital. A nossa intenção é exatamente otimizar esses ativos alegadamen­te improdutiv­os no sentido de libertar capital e, portanto, o banco está bem. E na medida em que o banco esteja bem, cumpre os seus planos de negócio, valoriza-se e valoriza o ativo da própria associação.

E portanto não teremos na associação nem no banco, um Novo Banco?

Não. A associação, que faz 180 anos, passou por crises, por guerras, pandemias... Por tantas situações. Nunca teve um apoio público ao longo dos seus 180 anos.

Sucedeu a Tomás Correia sem eleições na associação, este mandato é até ao final de 2021. Não seria mais democrátic­o e transparen­te haver eleições antecipada­s no Montepio?

Esta situação verifica-se, enfim, já não é a primeira vez que ocorre. Quando Vítor Luís saiu, Costa Leal sucedeu-lhe neste formato; quando Silva Lopes saiu, Tomás Correia sucedeu-lhe neste formato. Um ato eleitoral junto de 600 mil associados é sempre um ato muito complexo a todos os níveis, também em termos materiais. No passado essa assunção pelas pessoas que ficaram do seguimento dentro do mandato com menos uma pessoa, na altura até era para a gestão de duas entidades em conjunto, a associação e o banco. Neste momento é só para a associação, e, portanto, considerou-se que teríamos condições para levar a termo este mandato. Tínhamos sido eleitos democratic­amente, o mandato é durante o período de três anos que acabam, como disse, no final de 2021.

A cara principal da equipa que foi eleita entretanto saiu, a questão era por aí. Tem disponibil­idade para continuar a liderar a associação Montepio depois deste mandato?

Quando chegar o tempo próprio, e se considerar que é necessário, não virarei a cara a essa responsabi­lidade, fá-lo-ei com muita honra.

Já foi descrito como o delfim de Tomás Correia. Está confortáve­l com esta designação?

Nunca fui delfim de ninguém.

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