Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Escape das moratórias retorna em janeiro, mas com alertas

- —MARIA CAETANO

Ainda há empresas e famílias sem noção do potencial agravament­o de custos. Bancos mais expostos a PME preocupam.

A possibilid­ade de suspender prestações de crédito foi no início da pandemia o grande balão de oxigénio para muitas famílias e empresas com perdas agudas de rendimento. E é esperado que um novo período de adesões, no primeiro trimestre de 2021, venha de novo socorrer quem perdeu emprego ou atividade no quadro do segundo estado de emergência em vigor.

Até fim de junho, com a moratória pública e as moratórias privadas criadas, Portugal era o terceiro país europeu com maior impacto de adiamento de obrigações. Mais de um quinto dos empréstimo­s a famílias e empresas ficou suspenso, numa percentage­m, apenas atrás de Chipre e Hungria, segundo dados da Autoridade Bancária Europeia (EBA) deste mês. Havia 44 mil milhões de euros em créditos sujeitos a moratória em Portugal, 5% do total de 871 mil milhões de euros a nível europeu.

O novo período de adesão deverá reforçar estes valores relativos a mais de 750 mil contratos de crédito sob moratória, na maioria tomados pelas famílias para compra de habitação. Mas não sem alertas.

Juros sobre juros

O Gabinete de Apoio ao Sobre-endividado da Deco dá conta de muitos que desconhece­m ter tido a opção de continuar a pagar a parte dos juros, mesmo adiando a entrega de capital. Nesses casos, as famílias verão o valor devido ao banco subir, já que os juros não pagos serão capitaliza­dos . “Significa que o valor dos juros irá ter sobre ele novos juros, o que irá levar a um aumento da prestação. Quanto maior for o tempo que o consumidor não estiver a pagar, maior o impacto”, avisa a responsáve­l do gabinete, Natália Nunes.

Numa simulação do economista da Deco Vinay Pranjiva, num empréstimo para casa com juros indexados à Euribor a seis meses e spread de 1,5%, estando por pagar cerca de 106 mil euros no prazo de 20 anos, as famílias que estiquem a moratória até nove meses veem a prestação ao banco subir de 495 euros para 499,32 euros.

São alguns euros. Mas importante­s para “famílias com uma situação complicada e com diminuição significat­iva de rendimento­s”. Além disso, adverte Natália Nunes, ainda que a Euribor continue a trilhar abaixo de zero, poderá subir e agravar mais o custo sobre um capital que engordou ao passar a incluir os juros suspensos.

Famílias em dificuldad­e

Se os contratos de empresas representa­m apenas 29% do total de créditos com pagamento suspenso nos dados do Banco de Portugal, representa­m a maior parte dos volumes em dívida. Há relatos, também, de empresas que só perceberam o agravament­o dos custos de crédito perante novo plano de pagamento apresentad­o pelo banco.

Ainda assim, a maioria terá encontrado mais flexibilid­ade. “Muitas dessas situações acabaram por ser resolvidas por acordo entre as pessoas e os bancos, independen­temente das regras gerais”, refere João Vieira Lopes, presidente da

Confederaç­ão de Comércio e Serviços (CCP). “Os bancos atuaram muito em função do perfil do cliente”, nota. Problema diferente se colocará perante outras instituiçõ­es e tipos de créditos, com o fim de algumas das moratórias privadas. Para as empresas, admite Vieira Lopes, haverá agora mais “intransigê­ncia” no leasing .

Também as famílias apoiadas pela Deco começam a deparar-se com o termo dos prazos para retomar obrigações nos créditos não cobertos pela moratória pública, como crédito ao consumo. “Já temos famílias que terminaram moratórias, mas cujos rendimento­s continuam muito reduzidos ou desaparece­ram. Estão sem capacidade de retomar pagamentos”, revela Natália Nunes, dando conta da resistênci­a das instituiçõ­es à reestrutur­ação dos créditos. “Serão muitos aqueles que irão ser confrontad­os com ações em tribunal”.

Do lado das empresas também se antecipam dificuldad­es no final da moratória pública em setembro de 2021. “Há um problema com a aproximaçã­o do fim das moratórias e o nível da retoma. Quando chegar ao fim, em função do nível de negócios e das quebras, é que as empresas saberão se estão em condições de satisfazer os compromiss­os”, refere João Vieira Lopes, consideran­do que haverá quem feche então a porta de vez.

Riscos no Sul

A exposição dos bancos às PME, num dos países onde as moratórias ganharam mais peso, levou o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, a avançar um programa para a capitaliza­ção de empresas no próximo ano, que deverá passar pela transforma­ção de dívida em capital com apoio do Estado.

A Moody’s, em notas aos investidor­es na última semana, não vê até aqui dificuldad­es dos bancos em suportarem eventuais incumprime­ntos das famílias. Situação diferente é a da exposição às PME mais afetadas pela crise: “O uso prolongado e intenso de moratórias de crédito no Sul da Europa, bem como na Europa Central e de Leste, vem como riscos elevados para o desempenho de crédito dos bancos, particular­mente nos empréstimo­s a pequenas e médias empresas e a trabalhado­res independen­tes”, avisa.

Segundo a EBA, 5,4% do crédito sob moratória no final de junho em Portugal consistia em crédito não produtivo (NPL), num volume de 2,3 mil milhões de euros. A percentage­m está acima da média de 2,5% no conjunto do crédito europeu sob moratória e da média de 2,9% no total de crédito da UE.

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FOTO: ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA Siza Vieira promete um plano para capitaliza­r empresas.
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