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Risco de novos confinamentos ameaça crescimento das exportações nacionais
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O impacto da pandemia no desempenho das exportações nacionais – que em 2019 registaram uma subida recorde, ultrapassando os 90 mil milhões de euros – afetou as perspetivas do governo e das empresas para 2020. António Saraiva, que participou na terceira sessão da Conferência Anual da AICEP no passado dia 20, lembrou os “esforços” do tecido empresarial português que, diz, “mostrou estar à altura e impulsionou o início da recuperação”. “Infelizmente, este processo está de novo ameaçado” com a possibilidade de novos confinamentos provocados pela segunda vaga da covid-19, sobretudo na Europa, alerta.
O presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) teme que a incerteza que os empresários enfrentam, aliada a um eventual encerramento dos mercados externos, possa colocar em risco a recuperação do setor exportador verificada ao longo dos últimos meses. “As exportações de serviços, em que o turismo tem um peso preponderante, pouco ou nada recuperaram”, assinala, contrapondo com os sinais de retoma “a partir de maio” na venda de bens. “Este setor exportador conseguiu, em setembro, exportar praticamente o mesmo que em setembro de 2019”, confirmou, na mesma sessão, o secretário de Estado da Internacionalização, acrescentando que se for excluída a componente de combustíveis, existiu, inclusive, “um ligeiro incremento de 0,2%”.
Para evitar quebras tão acentuadas como as verificadas no primeiro embate da pandemia, em março, António Saraiva considera que o programa Internacionalizar 2030 é um elemento “de grande importância” e que, de forma geral, merece uma “apreciação geral positiva” da CIP. Porém, o responsável diz que a conjuntura “exige mais” ajudas do Estado ao tecido produtivo e ao setor exportador, defendendo que o Governo deve ser “mais ambicioso nos apoios às empresas depois de ter apresentado um orçamento particularmente dececionante neste domínio”. Apesar da crítica, o presidente destaca o sinal positivo dado pelo governo com a disponibilização de uma linha de crédito para a indústria exportadora, em especial pela possibilidade de conversão de 20% do crédito concedido em apoios a fundo perdido. “É preciso que [os apoios] cheguem depressa ao terreno, evitando os percalços e atrasos que constatámos num passado recente”, avisa, sublinhando a importância de “salvar o maior número possível de postos de trabalho” que só será possível “mantendo as empresas vivas”.
Qualificação e competitividade
A participação de Eurico Brilhante Dias ficou marcada pela apresentação das linhas gerais do programa Internacionalizar 2030, com metas de recuperação da crise provocada pela pandemia e objetivos para o aumento do peso das exportações no produto interno bruto (PIB). O documento desenhado pelo executivo, que o secretário de Estado considera “um
Com a possibilidade de aplicação de novas restrições em todo o mundo, o presidente da Confederação Empresarial de Portugal pede mais medidas de apoio às empresas e considera que, neste campo, o Orçamento para 2021 é “dececionante”.
esforço conjunto” de várias áreas governativas e que depende da colaboração das empresas, prevê que as mercadorias vendidas ao exterior passem de 44% para 53% de contributo no produto. Apesar do responsável político salientar o aumento do número médio de mercados de destino (4,3)das empresas exportadoras, António Saraiva de
fende que ainda existem “cerca de 10.500 empresas”, segundo dados do último ano, que vendem apenas para um país.
Um dos mecanismos que, acredita o presidente da CIP, seria útil na diversificação de mercados passaria pelo alargamento da capacitação dos recursos humanos ao sistema de educação universitária. “As licenciaturas em Relações Internacionais deveriam conseguir dar resposta às necessidades das nossas empresas, incluindo disciplinas de comércio internacional e modelos empresariais de internacionalização”, sugere. Por outro lado, considera que alguns dos “entraves à atividade exportadora” que ainda persistem já podiam ter
sido resolvidos pelo governo, em particular as questões relacionadas com os seguros de crédito. “O regime português de coberturas adicionais em função do valor das garantias base concedidas pelas seguradoras revelou-se manifestamente insuficiente”, denuncia. A consequência, diz, implica que alguns empresários joguem pelo seguro e exportem apenas para clientes com “credibilidade”, “desistindo de encomendas que aceitariam se tivessem acesso a este instrumento”. Além do aumento do conservadorismo nas decisões dos gestores, António Saraiva explica que a falta de cobertura dada pelo Estado coloca o tecido empresarial português em desvantagem face a concorrentes internacionais, “cujos governos não se têm coibido de utilizar todos os meios ao seu alcance para apoiar as empresas”.
Internacionalização é prioridade nacional
Eurico Brilhante Dias reforçou o compromisso do Governo com a política de internacionalização ao longo da próxima década, que considera fundamental para um país que, como Portugal, “tem grande escassez de capital e grandes debilidades para conseguir investir”. Por isso, a estratégia do executivo está a ser pensada de forma integrada, incluindo vários ministérios para conjugar esforços e recursos que permitam atrair mais investimento estrangeiro e aumentar, em simultâneo, o volume de exportações e o PIB nacional. Os objetivos traçados estabelecem como meta o aumento do Investimento Direto Estrangeiro (IDE) em 4% ao ano entre 2023 e 2030, partindo de uma base de 137 mil milhões de euros. “A procura externa e o investimento externo são cruciais”, garante.
Apesar de considerar “fundamental” o acordo comercial do Mercosul, concluído pela União Europeia há mais de um ano, António Saraiva teme que “a globalização, mais uma vez, seja vista como uma fonte de todos os males” num período em que os Estados podem optem pelo protecionismo. No entanto, acredita ser uma oportunidade para se adotar, em Portugal e na Europa, uma estratégia que permita o relançamento de uma indústria “renovada, mais forte e mais resiliente”, em linha com a ambição para a reindustrialização do velho continente. “Com políticas adequadas, a Europa poderá transformar as atuais ameaças em oportunidades e reforçar o seu posicionamento na economia mundial”.
Contrariando décadas de desvalorização das capacidades do país, as sucessivas campanhas de fortalecimento da marca Portugal desenvolvidas desde a última crise económica foram capazes de mudar a perceção interna, mas sobretudo reforçar a notoriedade dos produtos e serviços portugueses no estrangeiro. Já este ano, por exemplo, a AICEP lançou o lema “Made in Portugal Naturally” para assinalar a qualidade dos materiais de construção nacionais, uma estratégia que visa capitalizar a perceção externa. “O desenvolvimento da marca Portugal é essencial”, defende Eurico Brilhante Dias, que garante estar a trabalhar de perto com a agência de investimento num instrumento que permita perceber, através de informação recolhida junto de diferentes mercados, qual o peso do selo made in nos vários setores de atividade.
A par da qualificação de recursos, com o financiamento e apoio no acesso aos mercados, a utilização deste mecanismo de informação será fundamental “para que a origem país seja um elemento que acrescenta valor e não que retira”, explica o secretário de Estado da Internacionalização. O objetivo é que, através do estudo que já está a ser feito em parceria com a AICEP, seja possível “valorizar o que é positivo e mitigar o que são perceções negativas”.
De acordo com o governante, os resultados desta auscultação aos mercados externos deverão estar disponíveis para as empresas já no início do ano e serão essenciais na estratégia de desenvolvimento das exportações portuguesas do Internacionalizar 2030. Ao todo, são 43 as medidas propostas pelo executivo para a próxima década, apoiadas em seis eixos prioritários. Um deles é a promoção da marca Portugal. “Temos de ser capazes de verter toda a intelligence que temos num instrumento de gestão para podermos atuar [de forma eficaz]”, afirma.
“Desenvolvimento da marca Portugal é essencial”