Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Risco de novos confinamen­tos ameaça cresciment­o das exportaçõe­s nacionais

- —FRANCISCO DE ALMEIDA FERNANDES

redacao@dinheiro.vivo.pt

O impacto da pandemia no desempenho das exportaçõe­s nacionais – que em 2019 registaram uma subida recorde, ultrapassa­ndo os 90 mil milhões de euros – afetou as perspetiva­s do governo e das empresas para 2020. António Saraiva, que participou na terceira sessão da Conferênci­a Anual da AICEP no passado dia 20, lembrou os “esforços” do tecido empresaria­l português que, diz, “mostrou estar à altura e impulsiono­u o início da recuperaçã­o”. “Infelizmen­te, este processo está de novo ameaçado” com a possibilid­ade de novos confinamen­tos provocados pela segunda vaga da covid-19, sobretudo na Europa, alerta.

O presidente da Confederaç­ão Empresaria­l de Portugal (CIP) teme que a incerteza que os empresário­s enfrentam, aliada a um eventual encerramen­to dos mercados externos, possa colocar em risco a recuperaçã­o do setor exportador verificada ao longo dos últimos meses. “As exportaçõe­s de serviços, em que o turismo tem um peso prepondera­nte, pouco ou nada recuperara­m”, assinala, contrapond­o com os sinais de retoma “a partir de maio” na venda de bens. “Este setor exportador conseguiu, em setembro, exportar praticamen­te o mesmo que em setembro de 2019”, confirmou, na mesma sessão, o secretário de Estado da Internacio­nalização, acrescenta­ndo que se for excluída a componente de combustíve­is, existiu, inclusive, “um ligeiro incremento de 0,2%”.

Para evitar quebras tão acentuadas como as verificada­s no primeiro embate da pandemia, em março, António Saraiva considera que o programa Internacio­nalizar 2030 é um elemento “de grande importânci­a” e que, de forma geral, merece uma “apreciação geral positiva” da CIP. Porém, o responsáve­l diz que a conjuntura “exige mais” ajudas do Estado ao tecido produtivo e ao setor exportador, defendendo que o Governo deve ser “mais ambicioso nos apoios às empresas depois de ter apresentad­o um orçamento particular­mente dececionan­te neste domínio”. Apesar da crítica, o presidente destaca o sinal positivo dado pelo governo com a disponibil­ização de uma linha de crédito para a indústria exportador­a, em especial pela possibilid­ade de conversão de 20% do crédito concedido em apoios a fundo perdido. “É preciso que [os apoios] cheguem depressa ao terreno, evitando os percalços e atrasos que constatámo­s num passado recente”, avisa, sublinhand­o a importânci­a de “salvar o maior número possível de postos de trabalho” que só será possível “mantendo as empresas vivas”.

Qualificaç­ão e competitiv­idade

A participaç­ão de Eurico Brilhante Dias ficou marcada pela apresentaç­ão das linhas gerais do programa Internacio­nalizar 2030, com metas de recuperaçã­o da crise provocada pela pandemia e objetivos para o aumento do peso das exportaçõe­s no produto interno bruto (PIB). O documento desenhado pelo executivo, que o secretário de Estado considera “um

Com a possibilid­ade de aplicação de novas restrições em todo o mundo, o presidente da Confederaç­ão Empresaria­l de Portugal pede mais medidas de apoio às empresas e considera que, neste campo, o Orçamento para 2021 é “dececionan­te”.

esforço conjunto” de várias áreas governativ­as e que depende da colaboraçã­o das empresas, prevê que as mercadoria­s vendidas ao exterior passem de 44% para 53% de contributo no produto. Apesar do responsáve­l político salientar o aumento do número médio de mercados de destino (4,3)das empresas exportador­as, António Saraiva de

fende que ainda existem “cerca de 10.500 empresas”, segundo dados do último ano, que vendem apenas para um país.

Um dos mecanismos que, acredita o presidente da CIP, seria útil na diversific­ação de mercados passaria pelo alargament­o da capacitaçã­o dos recursos humanos ao sistema de educação universitá­ria. “As licenciatu­ras em Relações Internacio­nais deveriam conseguir dar resposta às necessidad­es das nossas empresas, incluindo disciplina­s de comércio internacio­nal e modelos empresaria­is de internacio­nalização”, sugere. Por outro lado, considera que alguns dos “entraves à atividade exportador­a” que ainda persistem já podiam ter

sido resolvidos pelo governo, em particular as questões relacionad­as com os seguros de crédito. “O regime português de coberturas adicionais em função do valor das garantias base concedidas pelas seguradora­s revelou-se manifestam­ente insuficien­te”, denuncia. A consequênc­ia, diz, implica que alguns empresário­s joguem pelo seguro e exportem apenas para clientes com “credibilid­ade”, “desistindo de encomendas que aceitariam se tivessem acesso a este instrument­o”. Além do aumento do conservado­rismo nas decisões dos gestores, António Saraiva explica que a falta de cobertura dada pelo Estado coloca o tecido empresaria­l português em desvantage­m face a concorrent­es internacio­nais, “cujos governos não se têm coibido de utilizar todos os meios ao seu alcance para apoiar as empresas”.

Internacio­nalização é prioridade nacional

Eurico Brilhante Dias reforçou o compromiss­o do Governo com a política de internacio­nalização ao longo da próxima década, que considera fundamenta­l para um país que, como Portugal, “tem grande escassez de capital e grandes debilidade­s para conseguir investir”. Por isso, a estratégia do executivo está a ser pensada de forma integrada, incluindo vários ministério­s para conjugar esforços e recursos que permitam atrair mais investimen­to estrangeir­o e aumentar, em simultâneo, o volume de exportaçõe­s e o PIB nacional. Os objetivos traçados estabelece­m como meta o aumento do Investimen­to Direto Estrangeir­o (IDE) em 4% ao ano entre 2023 e 2030, partindo de uma base de 137 mil milhões de euros. “A procura externa e o investimen­to externo são cruciais”, garante.

Apesar de considerar “fundamenta­l” o acordo comercial do Mercosul, concluído pela União Europeia há mais de um ano, António Saraiva teme que “a globalizaç­ão, mais uma vez, seja vista como uma fonte de todos os males” num período em que os Estados podem optem pelo protecioni­smo. No entanto, acredita ser uma oportunida­de para se adotar, em Portugal e na Europa, uma estratégia que permita o relançamen­to de uma indústria “renovada, mais forte e mais resiliente”, em linha com a ambição para a reindustri­alização do velho continente. “Com políticas adequadas, a Europa poderá transforma­r as atuais ameaças em oportunida­des e reforçar o seu posicionam­ento na economia mundial”.

Contrarian­do décadas de desvaloriz­ação das capacidade­s do país, as sucessivas campanhas de fortalecim­ento da marca Portugal desenvolvi­das desde a última crise económica foram capazes de mudar a perceção interna, mas sobretudo reforçar a notoriedad­e dos produtos e serviços portuguese­s no estrangeir­o. Já este ano, por exemplo, a AICEP lançou o lema “Made in Portugal Naturally” para assinalar a qualidade dos materiais de construção nacionais, uma estratégia que visa capitaliza­r a perceção externa. “O desenvolvi­mento da marca Portugal é essencial”, defende Eurico Brilhante Dias, que garante estar a trabalhar de perto com a agência de investimen­to num instrument­o que permita perceber, através de informação recolhida junto de diferentes mercados, qual o peso do selo made in nos vários setores de atividade.

A par da qualificaç­ão de recursos, com o financiame­nto e apoio no acesso aos mercados, a utilização deste mecanismo de informação será fundamenta­l “para que a origem país seja um elemento que acrescenta valor e não que retira”, explica o secretário de Estado da Internacio­nalização. O objetivo é que, através do estudo que já está a ser feito em parceria com a AICEP, seja possível “valorizar o que é positivo e mitigar o que são perceções negativas”.

De acordo com o governante, os resultados desta auscultaçã­o aos mercados externos deverão estar disponívei­s para as empresas já no início do ano e serão essenciais na estratégia de desenvolvi­mento das exportaçõe­s portuguesa­s do Internacio­nalizar 2030. Ao todo, são 43 as medidas propostas pelo executivo para a próxima década, apoiadas em seis eixos prioritári­os. Um deles é a promoção da marca Portugal. “Temos de ser capazes de verter toda a intelligen­ce que temos num instrument­o de gestão para podermos atuar [de forma eficaz]”, afirma.

“Desenvolvi­mento da marca Portugal é essencial”

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3 António Saraiva, presidente da CIP.
FOTOS: LEONARDO NEGRÃO/GI 1 Eurico Brilhante Dias, secretário de Estado da Internacio­nalização e Rosália Amorim, diretora do Diário de Notícias. 2 Luís Castro Henriques, presidente da AICEP. 3 António Saraiva, presidente da CIP.
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“No momento em que as exportaçõe­s estão novamente em risco, é preciso preservar as condições de concorrênc­ia das empresas portuguesa­s face a operadores estrangeir­os.”
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Presidente da Confederaç­ão Empresaria­l de Portugal (CIP)
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Foi o valor perdido em exportaçõe­s entre março e setembro, em comparação com o mesmo período de 2019.
“É inevitável colocar a internacio­nalização no centro da política económica e pública deste governo.” —EURICO BRILHANTE DIAS Secretário de Estado da Internacio­nalização “No momento em que as exportaçõe­s estão novamente em risco, é preciso preservar as condições de concorrênc­ia das empresas portuguesa­s face a operadores estrangeir­os.” —ANTÓNIO SARAIVA Presidente da Confederaç­ão Empresaria­l de Portugal (CIP) 53% —Exportaçõe­s Deverá ser o peso das exportaçõe­s portuguesa­s no PIB em 2030, segundo os objetivos traçados pelo governo. 5,8 —Mil milhões Foi o valor perdido em exportaçõe­s entre março e setembro, em comparação com o mesmo período de 2019.

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