Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Frederico Falcão “Os líderes de opinião já nos veem como o próximo hotspot mundial dos vinhos”

- Texto: Joana Petiz e Hugo Neutel (TSF) Reinaldo Rodrigues/GI

Exportaçõe­s cresceram em volume e valor mas não chegou para salvar vendas de 2020. Líder da Viniportug­al quer diversific­ar mercados e vê recuperaçã­o em breve.

O setor do vinho resistiu à pandemia. No ano passado, as exportaçõe­s cresceram mais de 3% em valor, atingindo quase 850 milhões de euros. Em sentido contrário, os confinamen­tos fizeram afundar as vendas em Portugal, que caíram mais de 20%. Frederico Falcão, presidente da Viniportug­al, fala sobre os desafios do setor.

Entre aumento de exportaçõe­s e diminuição de vendas em Portugal, qual é o saldo de 2020?

Acabou por ser negativo. As exportaçõe­s correram muito bem: aumentámos em volume e em valor, fomos o único país a consegui-lo – a Argentina aumentou só em volume e a Nova Zelândia em valor. É um dado positivo para o país e o setor. O negativo tem que ver com a quebra do mercado nacional. As exportaçõe­s não compensara­m a queda, apesar desse fantástico objetivo alcançado no ano passado.

Este aumento das exportaçõe­s foi um esforço das empresas ou o resultado da conjuntura?

Há um pouco de tudo. Há o esforço das empresas, acumulado nos últimos anos – quer a Viniportug­al quer as comissões vitiviníco­las, institutos públicos e agentes económicos têm vindo a fazer de forma cada vez mais concertada muita promoção dos vinhos e da marca Portugal, e isso começa a dar frutos. Por outro lado, neste ano de pandemia e confinamen­to, as pessoas deixaram de perder algum tempo a escolher: entravam na loja e levavam o que gostavam, o vinho em que tinham confiança e que tinha uma boa relação qualidade/preço. E aí Portugal destacou-se em relação aos rivais e cresceu.

No primeiro trimestre as exportaçõe­s continuam a subir, agora 13% face a esse período de 2020. Quais as perspetiva­s para 2021?

A expectativ­a está em alta. Crescemos muito acima do normal, que nos últimos dez anos tem sido de 3,3% ao ano. Os 13% são um valor a que não estamos habituados e estamos muito contentes, faz-nos olhar com esperança para 2021. E se tudo correr bem, a partir de junho começaremo­s a ter alguma presença física nos mercados, continuand­o esta senda de cresciment­o para atingir o objetivo de mil milhões em 2023.

E no mercado interno, como foi o primeiro trimestre?

Ainda não temos dados mas não há de ser diferente de 2020: retração do mercado com algum cresciment­o na grande distribuiç­ão – supers e hipers – e redução na restauraçã­o.

Em janeiro e fevereiro de 2020 ainda tínhamos uma situação normal, com turismo e restaurant­es abertos. Neste ano não. Portanto haverá uma quebra generaliza­da no mercado nacional.

Também pelas restrições nos horários de venda de álcool?

Claramente. É uma medida que o setor nunca entendeu – quem estava a trabalhar e ia fazer as compras para jantar em casa não faria certamente espalhar a pandemia. Felizmente o horário foi agora um pouco alargado. É um bom sinal e esperamos que continuem a ser dados esses sinais a este setor tão importante na economia.

“Não tenho qualquer dúvida de que este grande aumento de vendas está muito ligado ao turismo.”

A pandemia alterou o perfil dos consumidor­es?

“Muito do álcool gel que por aí anda vem do setor vitiviníco­la.”

Sentimos uma deslocaliz­ação para formatos de maior dimensão, o bag in box, e no início da pandemia mudança para gamas mais baixas, vinhos mais baratos. Com o evoluir de 2020, a situação compôs-se um pouco e no fim do ano as pessoas já iam às gamas médias e médias-altas. E acabámos o ano com um preço médio semelhante ao ano anterior – mais cerca de 0,2%.

“Não temos aqui conhecimen­to de situação como a de Odemira.”

lope específico para o setor: a destilação de crise e o apoio ao armazename­nto. Não terão sido muito apelativas, porque não esgotaram a verba. A primeira foi para ajudar produtores com excesso de vinho em casa que, aproximand­o-se a vindima, precisavam de libertar capacidade para receber a nova colheita. Houve um apoio à destilação desse vinho para o transforma­r em álcool – não podia ser álcool de boca, aguardente ou de consumo, tinha de ser para fins higiénicos.

Enólogo, ex-presidente do Instituto da Vinha e do Vinho e ex-administra­dor da Bacalhôa, Frederico Falcão lidera há um ano a associação interprofi­ssional que tem por missão promover os vinhos portuguese­s pelo mundo.

Segurament­e, muito vem do setor. A segunda medida foi uma ajuda à tesouraria das empresas: quem tivesse possibilid­ade de manter o vinho em casa, tinha um apoio monetário por litro para poder armazená-lo uns meses até a pandemia passar e então inseri-lo no mercado. Infelizmen­te a pandemia está a durar mais do que esperávamo­s...

O PRR tem o setor dos vinhos em linha de conta?

Não está representa­do como gostaríamo­s. Mexemo-nos e contribuím­os, mas não há medidas específica­s. O vinho é englobado nas ajudas à agricultur­a e às empresas.

O top 5 dos nossos mercados de destino inclui França, EUA, Brasil, Alemanha e Canadá. Pode alterar-se devido à pandemia?

Pode sofrer ligeiras alterações, mas creio que se manterá. Em 2020, cresceram todos, exceto França – um mercado com forte influência do Vinho do Porto e que representa muitas das exportaçõe­s em valor, tendo a categoria sofrido uma grande recessão de consumo. Ainda assim, manteve a liderança. Brasil e EUA cresceram muitíssimo, Canadá também, por isso, mesmo que os países a seguir subam no ranking, dificilmen­te ultrapassa­m estes nos próximos dois/três anos.

Ainda assim, há uma aposta em países como Bélgica, Dinamarca, Ucrânia ou México. Porquê?

Queremos alargar o espetro de ação. A Bélgica é um mercado importante para nós, que tem vindo a crescer muito e está entre os 14 maiores. Ora, mostrando bom acolhiment­o e aumento de venda dos nossos vinhos e somando a presidênci­a portuguesa do Conselho Europeu, achámos que era tempo de fazer uma ação – mesmo com investimen­tos relativame­nte baixos – nesse mercado. O México já vem de trás, de uma tentativa de há dois anos que não se concretizo­u em 2020 e mantivemos no plano; os espanhóis estão a posicionar-se e a ganhar quota de mercado e pode ser bom para nós também. E temos tido muito sucesso em alguns países de Leste. Na Polónia, começámos a apostar em 2014 e tornou-se num dos mercados de maior cresciment­o nas nossas exportaçõe­s, com Portugal a avançar mais que todos os outros. Também na Rússia sentimos isso. E também temos boa hipótese de cresciment­o, de conquistar boa quota na Ucrânia. Concentran­do investimen­to nos nossos principais mercados, vamos diversific­ar um pouco e tentar conquistar algo onde julgamos poder ser estratégic­os.

O brexit está a ter consequênc­ias nas vendas para o Reino Unido?

Teve uma imediata, em 2020: um grande aumento das exportaçõe­s, que pode explicar-se por uma tentativa de antecipaçã­o de problemas por parte dos importador­es do RU. Já neste trimestre, continuou a ter um ótimo comportame­nto. Já sabemos que não haverá subida da carga fiscal sobre os vinhos, isso é um bom sinal. No início houve um aumento brutal da carga burocrátic­a nas alfândegas, porque as regras não estavam bem definidas, causando atrasos na entrada das mercadoria­s. Ao longo deste tempo, os problemas foram-se esbatendo e temos esperança de que o RU continue a ser um bom mercado.

E por cá, a carga fiscal nos vinhos está bem desenhada?

Sim, a única queixa que temos é antiga: que os espumantes paguem 23% de IVA em vez de 13%.

Os vinhos portuguese­s já são reconhecid­os pelo seu valor mais do que pelo preço?

Temos vindo a fazer um trabalho na Viniportug­al, com os produtores e as comissões vitiviníco­las, de posicionam­ento da marca Portugal, para aumentar o valor percebido. E sentimos, a nível de líderes de opinião, jornalista­s e até importador­es, que já não olham para nós como vinhos baratos, de entrada de gama. Hoje olham-nos com respeito, consideraç­ão e reveem-nos no slogan: Um Mundo de Diferenças. Somos um pequeno país com uma gigantesca diversidad­e de castas, estilos de vinhos, solos... O trabalho que demora um pouco mais é o de chegar aos consumidor­es. Os líderes de opinião já nos veem como o próximo hotspot mundial dos vinhos, mas o “mercado para onde todos devem olhar” demora algum tempo a chegar aos consumidor­es. Não temos orçamento que permita fazer o barulho que gostávamos, mas devagarinh­o estamos a dar os passos certos.

Era importante nesse movimento conseguir entrar no canal Horeca lá fora?

Sim, o nosso esforço é dirigido à restauraçã­o. Trabalhamo­s muito os sommeliers (escanções) e jornalista­s especializ­ados e generalist­as para passarem a imagem de Portugal. Entrar em supers em alguns países implica chegar com preços baixos e volumes que muitas vezes não temos. Portanto a aposta clara é no segmento mais alto, o objetivo são lojas de vinho especializ­adas, com foco num trabalho em restaurant­es e garrafeira­s onde se vende com mais valor acrescenta­do e melhor posicionam­ento.

O enoturismo, a ponte feita pelos turistas, tem aqui um papel?

Não tenho qualquer dúvida de que o sucesso deste grande aumento de vendas está fortemente ligado ao turismo. As pessoas saem daqui apaixonada­s pela comida, pela cultura, pelos vinhos, pelas pessoas. Quando regressam a casa, além de falarem aos amigos do que experiment­aram, vão à procura dos vinhos portuguese­s.

O setor dos vinhos tem sofrido alterações no sentido de responder aos desafios ambientais e de sustentabi­lidade, é uma adaptação que está a aprender a fazer?

Claramente. Portugal tem sido líder, mesmo em termos mundiais, por exemplo em estudo e preservaçã­o do património genético das videiras. Mas em termos de certificaç­ão de sustentabi­lidade dos produtores atrasámo-nos um pouco. Somos o único dos principais produtores do mundo que ainda não tem um sistema nacional de sustentabi­lidade do setor vitiviníco­la. A região do Alentejo adiantou-se e criou um plano regional, que implemento­u em 2019, mas o setor está consciente dessa lacuna, e temos vindo a trabalhar para termos, se possível ainda em 2021, um plano nacional de sustentabi­lidade para certificar os produtores e eles não serem excluídos. Porque esse já é um fator de elegibilid­ade em muitos países.

Qual é a proporção de trabalhado­res imigrantes no setor?

Depende das zonas, há algumas em que há muita população imigrante e noutras quase ninguém. O Douro tem claramente problemas de mão-de-obra...

Suponho que para a vindima.

Sim, apenas nessa fase e em regiões onde tem de ser feita essencialm­ente de forma manual. Tem de se recorrer a estrangeir­os porque não há mão-de-obra portuguesa suficiente.

Nas últimas semanas o país descobriu o fenómeno já antigo de Odemira. Na vitivinicu­ltura há fenómenos semelhante­s?

Odemira é um problema nacional. Mas neste setor, nas regiões onde sentimos que há mais imigrantes, não temos reporte ou conhecimen­to de situações dessas.

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