Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Novo regime profissional da Cultura está na sala de ensaios
A Cultura foi um dos setores mais penalizados pela pandemia e pôs a nu a precariedade de muitos trabalhadores que ficaram sem proteção social. O governo quer resolver o problema com um novo regime profissional que traz uma espécie de subsídio de desemprego flexível, revê os vínculos laborais e vem mudar as regras também para detetar falsos recibos verdes.
A mudança, neste último ponto, passa por adaptar o que o Código do Trabalho já diz quanto às condições através das quais a Autoridade para as Condições do Trabalho pode determinar que, onde as partes estabeleceram uma relação de prestação de serviços, devia estar um contrato de trabalho.
O projeto de Estatuto dos Profissionais da Cultura, em consulta pública desde o início de maio, prevê que possam ser considerados local de trabalho “todos os locais onde se realizam trabalhos de desenvolvimento, pré-produção, ensaios, execução, finalização e pós-produção de manifestações de natureza cultural e artística ou outras atividades complementares ou acessórias do trabalho prestado”. É também adaptado conceito de horário de trabalho.
A proposta do governo procura tornar mais operacionais os indícios que, nas leis laborais, servem a chamada “presunção de laboralidade”. Há “algum esclarecimento do que se entende por horários de trabalho ou por local de trabalho, para facilitar a prova de existência do contrato de trabalho”, analisa o especialista em direito do trabalho João Leal Amado, que no entanto não vê aqui a principal inovação.
Desde 2008 que os profissionais dos espetáculos têm um regime profissional próprio, que agora será revogado e substituído. Onde antes se visavam apenas relações de trabalho dependente, entra agora também a figura do prestador de serviços – o recibo verde – com di
Regras para fiscalizar precariedade vão mudar, mas pouco. Setor queria um estatuto para acabar com “mito da independência”.
reitos e deveres associados. Incluindo o acesso a novo subsídio de suspensão da atividade artística, com contribuições sociais específicas e, de alguma forma, complementar às prestações por desemprego que a Segurança Social já prevê para recibos verdes.
“Agora, regula-se quer a atividade dos trabalhadores da área da Cultura que têm contratos de trabalho quer a dos trabalhadores independentes”, assinala Leal Amado como a principal novidade, admitindo que a “parte de leão” do diploma ainda visa trabalhadores dependentes.
Só que num setor que é constituído, contra vontade própria, maioritariamente por independentes e falsos independentes, “há um consenso de que o estatuto não serve”, diz Rui Galveias, do Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos, o CENA-STE.
O novo estatuto contempla seis tipos de contratos para o pessoal da Cultura, dos quais um é o raro contrato permanente, ao mesmo tempo que se retoma o contrato de trabalho intermitente – agora, com outro nome, “atividade descontínua”, e que Rui Galveias entende que devia cair. Estão ainda previstos o contrato a prazo, o contrato de muito curta duração, o contrato com uma “pluralidade de trabalhadores” e outro com “pluralidade de empregadores”. Inclui, finalmente, a prestação de serviços.
Para o CENA-STE, o estatuto proposto pelo Ministério da Cultura “remete sempre para soluções alternativas” às que existem para a maioria dos trabalhadores: um contrato permanente, com contribuições certas para a Segurança Social por parte da entidade empregadora e do profissional. “Cria condições para que nunca haja contratos sem termo e garantia de condições de trabalho estável onde a pessoa possa, por exemplo, contrair um empréstimo para comprar casa ou carro, ter a vida organizada com os seus filhos”, critica.
“Precisávamos de um estatuto que ajudasse a desmontar mitos, e não um estatuto baseado numa mitologia que queríamos combater. Vamos manter o Minotauro da independência”, lamenta. O sindicato apresenta na próxima semana uma posição oficial sobre a proposta do governo.
Os algoritmos, as fórmulas matemáticas que gerem o funcionamento de aplicações digitais como os da Uber, Glovo e outros, são já o presente do trabalho. Permanecem no “segredo dos deuses”, mas dirigem e organizam os serviços prestados por milhões de trabalhadores e exercem inclusivamente poder disciplinar ao bloquear a prestação de trabalho.
Foi este o entendimento do governo espanhol quando, esta semana, fez publicar alterações às leis laborais para reconhecer o trabalho subordinado dos estafetas que fazem entregas através de plataformas digitais. O que mudou? Na prática, mudou a norma sobre contratos que permite a quem fiscaliza distinguir uma falsa prestação de serviços, os chamados indícios de presunção de laboralidade.
A partir de agosto, em Espanha, passa a ser considerado trabalhador dependente quem faz entregas para empregadores que “exercem faculdades empresariais de organização, direção e controlo de forma direta, indireta ou implícita, mediante a gestão algorítmica do serviço ou das condições de trabalho, através de uma plataforma digital”.
A decisão, na senda do reconhecimento dos estafetas da Glovo como trabalhadores da plataforma pelo Supremo Tribunal Espanhol, em setembro, vê no misterioso algoritmo a mão de um empregador. Esta decisão obriga, também, a que os trabalhadores sejam informados “dos parâmetros, regras e instruções em que se baseiam os algoritmos ou sistemas de inteligência artificial que afetam a tomada de decisões que podem incidir nas condições de trabalho, acesso e manutenção do emprego, incluindo a elaboração de perfis”.