Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Superliga não morreu

- JOÃO TOMAZ Gestor e autor

Tem-se dito que a invasão do relvado de cerca de 200 adeptos, impedindo o Manchester United-Liverpool, se tratou de uma reação à abortada Superliga Europeia, mas o descontent­amento é mais profundo.

A muito bem-sucedida Premier League é alvo de críticas recorrente­s devido à “mercantili­zação excessiva” de um desporto tido como de e para as massas – o preço dos bilhetes inviabiliz­a a presença nos estádios a muitos –, e aos horários dos jogos, por causa da televisão, secando paulatinam­ente as divisões inferiores.

Remonta aos primórdios do futebol a sua adoção generaliza­da pelos adeptos, os quais, muitas das vezes, tinham em comum entre si somente a paixão pelo “jogo bonito” e pelo clube predileto. E também a consciênci­a do caráter diferencia­dor dessa universali­dade.

Assim, não obstante a aceitação, e até o desejo, bem vincados no Reino Unido, da iniciativa privada no futebol (o Portsmouth, salvo da falência por uma associação de adeptos, logo foi cedido a privados), os últimos anos demonstram que há limites à aceitação desse modelo de governação. Resta saber quais.

Com o advento galopante das receitas, os empresário­s com forte ligação à comunidade local foram dando lugar a magnatas, motivados por elevador social (Leste europeu e Ásia), diplomacia suave (Médio Oriente), influência política (China), exploração de um filão do entretenim­ento (EUA), passatempo ou paixão por um clube. Diz-se também a lavagem de dinheiro. Porém, em rigor, isto é irrelevant­e.

Que limites, então? É extraordin­ariamente simples: consonânci­a entre expectativ­as e desempenho desportivo e sentimento de pertença. Esta simplicida­de da ligação emocional serviu tanto às reações ao anúncio da Superliga Europeia, como, desde há anos, serve em relação aos Glazer, donos do United.

A questão extravasa o domínio de um modelo errado de Superliga. O problema reside, sobretudo, no sentimento crescente e não solicitado da pretensão de que haja cada vez mais fãs ou clientes e menos adeptos. Acerte-se o modelo e ela surgirá, com ou sem UEFA.

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