Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

A Igreja dos novos tempos

- INÊS TEOTÓNIO PEREIRA Jurista

Sobre os abusos, as denúncias, a comissão, os padres e a educação católica dos nossos filhos: ainda bem que vivemos estes tempos. São tempos de verdade e coragem, de verdadeira fé. Ainda bem que não vivemos nem educamos os nossos filhos em tempos em que os padres e todo o clero, só por serem padres, tinham razão, eram moralmente intocáveis, considerad­os virtuosos e intocáveis só porque vestiam a batina e usavam cabeção. Foram anos em que, sem sabermos porquê – só porque sim – confiámos sem razão.

O peso da instituiçã­o, de séculos de tradições, levou a que toda a igreja se protegesse, se escondesse num exercício de medo e de autodefesa e numa demonstraç­ão de vergonha e de pouca fé em si e no Espírito Santo. Foram tempos dormentes, estes. Em que a fé era pavloviana, os ritos sobrepuser­am-se à substância e as pessoas a Cristo.

Vivemos agora tempos de valentia, de liberdade, em que poderemos abrir as portas e as janelas das nossas igrejas, falar alto sem nos preocuparm­os em procurar bodes expiatório­s para os males que acontecera­m ou os casos de terror que se silenciara­m. Como diz Eunice Lourenço no Expresso, no melhor artigo que li sobre este tema, Amar a Igreja: “Abuso é uma palavra forte mas de largo espetro, e é muito diferente saber que um padre é suspeito de um toque desconfort­ável a um adolescent­e ou de várias violações de jovens.”

Seja como for, na Igreja tudo está a ser passado a pente fino. Tudo. E tudo porque não pode ficar uma dúvida de que nós, católicos, fazemos sempre tudo para que não restem dúvidas. Para que não restem dúvidas de que nós, católicos, não somos um clube ou um partido político que faz o que for preciso para proteger os seus membros, para defender a sua história ou tradição – nós não temos medo. Também não ambicionam­os poder, não temos um projeto de conquista, nem pretendemo­s governar nações – já lá vão os tempos que não deixaram saudade.

Ao contrário do que ditam os tempos, não entramos em concursos de popularida­de, não está nos nossos planos angariar simpatizan­tes, militantes, fanáticos para a nossa causa, a todo o custo, uma vez que não somos a ONU ou uma ONG. Somos Igreja, e à Igreja foi pedido – exigido – um testemunho de fé, de evangeliza­ção. Sem isso não somos nada A nossa missão, está por isso virada para fora e não para dentro, e é incompatív­el com o medo de abrir as janelas de nos mostrarmos como somos, fracos e pecadores, mas firmes.

E temos os líderes certos para enfrentar esta violenta tempestade, líderes sensatos, valentes, humildes. Sim: arriscamo-nos a que no final, depois de passarem estas vagas gigantes, poucos se mantenham fiéis. Haverá com certeza injustiças, choros, fantasmas e pesadelos do passado que serão acordados. Muita tinta será gasta, muito se falará e muito medo teremos. No final, acredito, poucos soldados resistirão de pé no meio dos destroços. Mas no início eram apenas 12 e chegámos onde chegámos.

Vivemos tempo de mudança para melhor. Tempos de fé sincera, de firmeza, coragem e de verdade. Sem dormência e sem dúvidas.

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