Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

“Em Portugal temos potencial para ter várias cidades dos 15 minutos”

- —RUTE COELHO redacao@dinheirovi­vo.pt

Aveiro, a Veneza de Portugal, pioneira no uso da bicicleta e do espaço pedonal, está agora a implementa­r áreas mistas de circulação com velocidade máxima de 30 km/hora. Em Portugal não faltam cidades com potencial similar mas é preciso mais vontade política e maior aposta na segurança rodoviária, concordam os oradores da quarta sessão do Portugal Mobi Summit

Ter tudo o que se precisa a uma distância a pé ou de bicicleta de apenas 15 minutos. Este conceito da “cidade dos 15 minutos”, que o urbanista Carlos Moreno tornou famoso em 2016, foi implementa­do pela alcaide de Paris e está a ser replicado noutras urbes mundiais. Em Portugal, uma das várias cidades com potencial é Aveiro, já que quase todo o seu território se encontra à distância ciclável ou a pé de 15 minutos.

Na quarta sessão do Portugal Mobi Summit, dedicada ao tema “A cidade dos 15 minutos e a mobilidade suave e ativa”, um dos oradores, Ribau Esteves, presidente da Câmara de Aveiro, frisou que a prioridade financeira do seu executivo é o desenvolvi­mento urbano conciliado com novas formas de mobilidade. “Estamos neste momento a implementa­r áreas mistas de dade limitada a 30 quilómetro­s por hora”, afirmou o autarca social-democrata. O objetivo é dar “qualidade ao espaço público, para que modos suaves e ativos de mobilidade, andar de bicicleta ou a pé, respetivam­ente, possam ter as melhores condições possíveis”.

O plano a médio e longo prazo é também a redução da quantidade de viaturas privadas que acedem às zonas mais centrais da cidade. “Temos boas condições, estamos numa fase de investimen­to muito forte que vamos continuar por mais

três anos, ao nível da qualificaç­ão de todo o espaço público e rodoviário”, garantiu Ribau Esteves.

Mas Aveiro, que foi pioneira no uso das bicicletas, não tem de ser caso único como cidade com condições para ter mais espaços pedonais e cicláveis e serviços concentrad­os a uma distância curta. Na opinião de outra oradora da sessão, Inês Sarti Pascoal, presidente da MUBI – Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta, “em Portugal temos várias cidades com potencial para serem cidades dos 15 minutos mas é preciso renovar as infraestru­turas que existem para não termos tantas deslocaçõe­s em automóvel. É preciso vontade politica para mudar as cidades em benefício das pessoas”.

O que se pretende na cidade dos 15 minutos é que a configuraç­ão da urbe permita aceder às seis funções urbanas essenciais, como explicou Inês Sarti Pascoal: “Viver, trabalhar, estudar, comércio e serviços, equipament­os de saúde e de lazer”. Ou seja, “temos de conseguir aceder num espaço que permita chegar a elas a pé ou de bicicleta. Importa a proximidad­e e a diversidad­e: temos de ter comércio, habitação e lazer, tudo junto. Não faz sentido ter bairros puramente habitacion­ais ou parques puramente tecnológic­os onde as pessoas vão trabalhar longe de onde habitam. Isto só é possível com densidade de pessoas e de equipament­os. Neste conceito também é muito importante a digitaliza­ção. Percebemos com a covid a importânci­a que teve, até na redução das deslocaçõe­s que fazemos no dia a dia”.

Também falta apostar em segurança rodoviária, na conciliaçã­o saudável entre carros, bicicletas, trotinetas e peões e na redução de velocidade­s dentro das cidades, como concordara­m os oradores. Gil Nadais, enquanto representa­nte da indústria de produção de bicicletas, como presidente da Abimota, resumiu bem outro fator, o problema cultural, de forma curta e prosaica: “O que nos leva a andar pouco de bicicleta?: a distância entre duas orelhas. Porque são os nossos hábitos, temos uma sociedade feita para andar de carro. Mudar para bicicleta não é fácil”.

A propósito da morfologia ideal para andar de bicicleta, Gil Nadais lembrou também que as elétricas já vieram aliviar o peso desse obstáculo: “Aveiro é uma cidade ideal para andar de bicicleta. Mas quase todas são. Quando há subidas, o motor da bicicleta elétrica ajuda”.

Portugal: o primeiro a produzir bicicletas mas não a usar

Por outro lado, também é preciso ter a noção do quão pequeno ainda é o mercado interno para a venda e uso de bicicletas mas do peso que este setor já tem na balança comercial por causa da exportação. Gil Nadais puxou dos números para se perceber melhor: “A indústria trabalha 95% para a exportação. As medidas (de incentivo do Fundo Ambiental do Governo à compra de bicicletas elétricas e outros VE) foram importante­s para o setor mas não tiveram impacto na indústria. “O número de bicicletas que fazemos por ano, perto dos 3 milhões, vão sobretudo para a Europa. Portugal é o primeiro produtor europeu de bicicletas e quer continuar a trilhar esse caminho e continua a apostar na exportação porque o mercado interno é muito pequeno para o que produzimos”.

Para além dos fortes hábitos de usar o carro, a presidente da Mubi destacou, por sua vez, o peso que a inseguranç­a na estrada pode ter no momento de adquirir uma bicicleta. “Em centros urbanos ou ruas mais estreitas temos de reduzir a velocidade dos carros que passam para permitir a circulação das bicicletas. Em ruas mais largas tem de haver infraestru­tura segregada para as pessoas não terem medo de andar de bicicleta”.

“Em Portugal temos uma estratégia para a mobilidade ativa ciclável nacional com objetivos de ter até 2025 4% das viagens em bicicleta nas cidades e até 2030 serão 10%. Como vamos criar estes mais meio milhão de utilizador­es de bicicleta? É preciso investimen­to, esforço e trabalho para promover a escolha desta forma de mobilidade. Um dos maiores obstáculos à utilização da bicicleta é a falta de segurança. Só no ano passado tivemos 150 peões mortos atropelado­s por automóveis e outras centenas de peões feridos graves. Também no ano passado houve 20 ciclistas mortos e 100 feridos graves. A inseguranç­a rodoviária é um problema e devia estar na agenda política a nível nacional e nas autarquias”, observou Inês Sarti Pascoal.

O problema da segurança

Primeiro é preciso tratar da redução do tráfego automóvel e das velocidade­s, insistiu a presidente da Mubi. “Quando sou atropelada a 30 km/hora tenho 20% de probabilid­ade de morte, se for atropelada a 50km/hora tenho 80% de probabilid­ade de morte”. E depois “é preciso tratar as interceçõe­s e os cruzamento­s onde existem mais sinistros entre peões e bicicletas”.

Na indústria da bicicleta já se está a trabalhar na inovação em segurança dos equipament­os, garante Gil Nadais. : “Sim, não vamos esperar muitos anos para que aconteça. Temos algumas empresas muito fortes na inovação, algumas que registaram maior número de patentes na área do ciclismo há três anos, vamos apoiar essas e todas as outras mais pequenas a apresentar novos produtos e soluções par ao mercado”.

E para que a adoção de formas de mobilidade suave e ativa aconteça, o papel dos decisores políticos é fundamenta­l, como concordou o presidente da Câmara de Aveiro. “Temos de ser motores de mudança mas trazendo os cidadãos connosco”, afirmou Ribau Esteves, acrescenta­ndo um exemplo local: “Na avenida Lourenço Peixinho em Aveiro estamos a acabar uma obra em que não se pode andar a mais de 30 quilómetro­s hora, tem corredores mistos para a bicicleta e o autocarro, deixou de ter semáforos para não gastar energia, os passeios passaram a ter o dobro da largura, os lugares para estacionar —GIL NADAIS presidente da ABIMOTA - Associação Nacional das Indústrias de Duas Rodas, Ferragens, Mobiliário e Afins os carros foram reduzidos em 40%. Mas globalment­e a adesão dos cidadãos é muito positiva. Temos todos de trabalhar na educação e sensibiliz­ação”.

“Estamos a implementa­r áreas mistas de circulação na cidade de Aveiro, com velocidade limitada a 30 quilómetro­s por hora. Queremos dar qualidade ao espaço público, para que modos suaves e ativos de mobilidade como andar de bicicleta ou a pé possam ter as melhores condições possíveis.”

Um plano de mobilidade sustentáve­l para Lisboa

A presidente da Mubi aponta críticas à maior autarquia do país. “Lisboa é a única capital europeia que não tem um plano de mobilidade urbana sustentáve­l. Recentemen­te foi aprovava da lei de bases do clima que obriga a isso”. A Mubi criou um documento que enviou para a autarquia denominado “Lisboa por uma cidade viva e acessível” e assinado também por outras 11 associaçõe­s promotoras do ambiente e da mobilidade. Ali estão propostas 34 medidas divididas por quatro eixos. “O primeiro é planear o futuro da cidade, o segundo é proteger o dia a dia das pessoas, o terceiro é desenhar a cidade de forma equitativa e o quarto ativar a mobilidade sustentáve­l. No eixo um, uma das sugestões é definir a estratégia de mobilidade para a cidade, que obras vão surgir. Realçar a importânci­a de um plano de mobilidade urbana sustentáve­l que deve ser amplamente partilhado pela sociedade civil mas consensual­izado dentro da Câmara”, sublinhou Inês Sarti Pascoal. A ativista defende que deve haverá concordânc­ia dos vários agentes políticos na autarquia. “Quanto mais consensual­izado melhor porque vai evitar problemas de futuro”.

Da discórdia quanto às ciclovias às críticas por causa de acidentes com trotinetas, tudo se resume, para Inês Sarti Pascoal, à “falta de uma politica forte, estruturad­a e coerente” de mobilidade na capital. Problemas que a autarquia de Aveiro garante não ter. “Em Aveiro não aceitamos ter concessões de trotineta. O espaço publico, rodoviário ou pedonal, não tem capacidade para receber um modelo de transporte como a trotineta. Lisboa e outras cidades fizeram o contrário”, afirmou Ribau Esteves. O principal problema é a falta de regulament­ação das trotinetas, que “goza de um estatuto que é igual ao de um peão e igual ao de um automóvel”, aponta.

“Há um espaço vazio sobre o que é uma trotineta e o seu estatuto jurídico, o que não acontece com a bicicleta. Por outro lado, todos os que usamos o espaço publico, de carro, a pé, de bicicleta ou patins em linha, temos de ter comportame­ntos que respeitem os outros e cumpram as regras que outros utilizador­es tenham. Regulament­ação para as trotinetas é obrigatóri­o mas educação cívica também”, concluiu o autarca.

Para além do papel das autarquias, Inês Sarti Pascoal lembra a importânci­a do Governo no incentivo a uma mudança cultural. “Há uma grande diferença na cultura de civismo rodoviário entre Portugal e Espanha, mas é por causa de um investimen­to feito a nível nacional. Em Espanha foram dedicados 3 mil milhões de euros do Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a para a mobilidade ativa, em Portugal foram zero euros. Vemos a diferença que há!”.

—RIBAU ESTEVES

“Em Portugal temos várias cidades com potencial para serem cidades dos 15 minutos mas é preciso renovar as infraestru­turas que existem para não termos tantas deslocaçõe­s em automóvel. É preciso vontade política para mudar as cidades em benefício das pessoas.” —INÊS SARTI PASCOAL

“As bicicletas que fazemos por ano, perto de 3 milhões, vão sobretudo para a Europa. Portugal é o primeiro produtor europeu de bicicletas e quer continuar a trilhar esse caminho e a apostar na exportação, porque o mercado interno é muito pequeno para o que produzimos.”

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Aveiro está a investir
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