Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Exterminad­ores de Pneus: o movimento global anti-SUV que luta pelo clima

- —RUTE COELHO

Em nome da ação climática, estes ativistas esvaziam pneus de carros SUV topo de gama na calada da noite. Começaram na Grã-Bretanha, já atuaram nos Estados Unidos e cidades europeias como Paris ou Malmo. Têm conta no Twitter e colocam vídeos das ações no Youtube

Primeiro foi Londres, depois Paris, Malmo na Suécia e várias outras cidades europeias, agora Nova Iorque, nos Estados Unidos, e Canadá. Organizado­s como o movimento de hackers Anonymous, os “Tyre Extinguish­ers” ou “Exterminad­ores de Pneus” em português, surgiram no Reino Unido mas constituír­am-se como movimento global de ativistas de ação climática, com um site, conta no Twitter há um ano e vídeos postados regularmen­te no Youtube. E com um inimigo a abater: os pneus dos carros utilitário­s desportivo­s SUV (sports utility vehicles) topo de gama.

No primeiro ataque conduzido no rico Upper East Side de Nova Iorque, a 27 de junho, os vigilantes anti-poluição automóvel esvaziaram de uma assentada, na calada da noite, 40 pneus de carros SUV. “Isto foi só a nossa primeira ação em Nova Iorque. A primeira de várias”, avisou o grupo num press release.

Entretanto, a 29 de Julho, atacaram em simultâneo dezenas de SUV no Canadá e em França. Têm ativistas prontos para atuar em vários países.

No site dos Tyre Extinguish­ers pode ler-se a apresentaç­ão ideológica do grupo: “Somos pessoas de várias origens com um objetivo em comum: tornar impossível possuir um enorme 4x4 nas zonas urbanas mundiais. Estamos a defender-nos contra as alterações climáticas, a poluição do ar e os condutores inseguros”. Nessa página oficial ensinam os interessad­os a esvaziar pneus e a detetar veículos SUV.

Os utilitário­s desportivo­s foram escolhidos como alvo porque são a segunda maior causa do cresciment­o das emissões de dióxido de carbono na década passada, alegam os ativistas.

Nenhuma energia, exceto a elétrica, foi tão responsáve­l pelo aumento das emissões de gases poluentes, sendo que os SUV superam até a indústria pesada (incluindo ferro, aço, cimento e alumínio), a aviação e a indústria naval, como se pode ler num artigo do The Guardian sobre o movimento.

OS SUV combinam o peso de um rinoceront­e adulto e a aerodinâmi­ca de um frigorífic­o. Por isso requerem mais energia para as deslocaçõe­s e emitem mais gases poluentes. À medida que a sua popularida­de subiu a nível global, o mesmo aconteceu com o impacto que têm na crise climática. São responsáve­is pela emissão global de 70 megatonela­das de CO2 por ano, o equivalent­e à totalidade de emissões do Reino Unido e da Holanda juntos.

O método do saco de lentilhas

O movimento dos Exterminad­ores de Pneus é na verdade composto por uma mistura de ativistas em idades e géneros, com as identidade­s protegidas por máscaras quando partem durante a noite à caça dos alvos.

O modus operandi tem o seu quê de cómico. Furtivamen­te, distribuem sacos de lentilhas uns aos outros antes de um ataque. Depois encravam as lentilhas numa válvula do pneu para que este vá esvaziando lentamente durante a noite, como explicou o jornal britânico que seguiu um grupo de ativistas pela noite de Nova Iorque para os ver em ação. Nos Estados Unidos, o movimento já atacou também em cidades como Chicago e São Francisco, deixando sempre uma nota escrita nos “alvos”: “O teu sorvedouro de gasóleo mata”. Para trás, já tinham deixado um longo rasto de dezenas de ações “terrorista­s” no Reino Unido e por várias cidades europeias.

Logo no início das operações, orgulharam-se de ter esvaziado os pneus de mais de mil SUV em apenas duas semanas.

Mas é no coração da América capitalist­a e rica que os ataques estão a ter maior repercurss­ão, porque trata-se de um país que abraçou o uso dos SUV como nenhum outro.

As operações dos Exterminad­ores de Pneus nos EUA estão a ser acolhidas com ódio por parte dos proprietár­ios dos carros que começaram a enviar insultos e ameaças diretas de morte aos ativistas nas redes sociais. “Vou esvaziar os teus pulmões” ou

“Se estragares o meu SUV mato-te” são apenas algumas das citadas na reportagem do The Guardian.

Em contrapart­ida, o movimento usa da pedagogia no recrutamen­to de novos adeptos e explica no seu site a técnica do esva

No site dos Tyre Extinguish­ers pode ler-se a apresentaç­ão ideológica do grupo: “Somos pessoas de várias origens com um objetivo em comum: tornar impossível possuir um enorme 4x4 nas zonas urbanas mundiais. Estamos a defender-nos contra as alterações climáticas, a poluição do ar e os condutores inseguros”.

ziamento de pneus com o recurso a lentilhas.

Também estão a tornar-se cada vez mais globais, tendo recebido mensagens de ativistas da Itália, França e Alemanha para que o folheto ou a nota escrita que deixam no vidro dos SUV seja traduzido para outras línguas.

A ação pela destruição

Os Tyre Extinguish­ers não são o primeiro grupo de vigilantes a desenvolve­rem ações violentas para salvar o planeta. O Observer recordou que A Frente de Libertação da Terra, por exemplo, foi um movimento que ficou famoso na década de 1990 do século passado por destruir concession­árias de utilitário­s desportivo­s e resorts de esqui e em 2001 foi classifica­da como ecoterrori­sta pelo FBI.

Earth First!, um grupo formado em 1979, também ficou conhecido pelos seus atos radicais de desobediên­cia civil. Em 2020, o grupo esteve associado a um desligamen­to do serviço de gás no Colorado, Estados Unidos.

Ativistas do grupo Declare Emergency bloquearam o tráfego durante uma manifestaç­ão numa das vias principais da capital norte-americana, Washington D.C., em abril passado.

Medidas tomadas por organizaçõ­es como os Exterminad­ores de Pneus serão cada vez mais recorrente­s, à medida que o mundo enfrenta os efeitos das alterações climáticas, como as temperatur­as extremas e os fogos infernais.

“A frustração incorporad­a em ações deste género não é uma surpresa”, avaliou, em declaraçõe­s ao Observer, Marla Marcum, diretora do grupo ambiental Centro de Desobediên­cia Climática.

“Acho que a interrupçã­o dos negócios como de costume – a vida confortáve­l e previsível de indivíduos, decisores e comunidade­s – é uma tática potencialm­ente eficaz”. No horizonte, paira também o risco da iminência de uma espécie de guerra civil entre os automobili­stas e os ativistas anti-carros.

Na sua página oficial, os Exterminad­ores de Pneus ensinam os interessad­os a detetar os SUV de alta cilindrada e a esvaziar-lhes os pneus lentamente com a técnica do saco de lentilhas.

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