Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

One in, one out

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Numa comunicaçã­o sobre os métodos de trabalho da Comissão Europeia, a presidente Ursula von der Leyen determinav­a, no próprio dia em que assumiu funções, a aplicação do princípio one in, one out. Sem “ses” nem “mas”, afirmava que “todas as propostas legislativ­as que criem novos encargos devem aliviar pessoas e empresas de um encargo equivalent­e existente a nível da União Europeia no mesmo domínio político”.

Muitos lobbies criticaram imediatame­nte este princípio, consideran­do-o arbitrário e lesivo da necessidad­e de mais regulament­ação, nas mais diversas áreas. Imagino que nos serviços da Comissão terá começado uma campanha inspirada no melhor que nos trouxe a série Yes, Minister.

De facto, em abril de 2021, uma comunicaçã­o da Comissão diluía este princípio com uma forte dose de “flexibilid­ade” na sua aplicação, determinan­do, por exemplo, que se houver vontade política para regulament­ar mas não for possível identifica­r compensaçã­o na mesma área, a Comissão pode decidir isentar o regulament­o desta abordagem.

Entretanto, dezenas de diplomas aumentaram já o acervo legislativ­o europeu com novas obrigações para as empresas. Outros estão para chegar.

Em Portugal, tantas vezes pioneiro quando se trata de legislar, este princípio não era novidade. Em 2014, foi inscrito num decreto-lei que, “nos diplomas legais e regulament­ares editados pelo governo que consagrem medidas tendentes à criação, modificaçã­o ou extinção de procedimen­tos ou de formalidad­es”, sempre que as medidas propostas aumentem os custos financeiro­s ou de contexto, deve ser apresentad­a uma proposta de redução de custos equivalent­e, através de medidas relativas a outros procedimen­tos administra­tivos que represente­m idênticos custos.

O problema é que este princípio, designado entre nós por “comporta regulatóri­a”, nunca chegou a ser operaciona­lizado: lá continua, na lei, sem nunca ter tido qualquer efeito prático.

Tivemos, mais tarde, o Custa Quanto?, com vista à avaliação prévia de impacto económico legislativ­o. Trata-se, nos termos em que foi concebido, de um instrument­o de apoio à decisão política, procurando promover maior eficiência na intervençã­o pública e, em particular, a simplifica­ção legislativ­a e redução dos custos de contexto.

Os relatórios relativos à implementa­ção desta medida em

2017 e 2018 apontam, sem qualquer nota crítica ou sequer explicativ­a, para um saldo positivo de diplomas com aumento de encargos para as empresas. A partir de 2018, não tenho conhecimen­to de mais relatórios.

Será que este complexo mecanismo de avaliação de impacto legislativ­o serve apenas para constatar que os encargos sobre as empresas continuam a aumentar? Não deveria servir, precisamen­te, para ter consequênc­ias sobre o próprio processo de produção legislativ­a?

Será que o tal princípio da comporta regulatóri­a ficará para sempre inscrito na legislação, como mera declaração de intenções, sem nenhum efeito prático?

Perguntas ingénuas, dirão os mais céticos, mas que deveriam fazer refletir.

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SARAIVA Presidente
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ANTÓNIO SARAIVA Presidente da CIP

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