Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Pedro Pereira “Os bancos vencedores serão os que conseguire­m incorporar o ESG no seu modelo de negócio”

A banca nacional tem sido “eficaz” a reagir às normas de compliance exigidas pelo regulador, mas ainda têm desafios pela frente, segundo o diretor-geral da BCG.

- —SARA RIBEIRO sara.ribeiro@dinheirovi­vo.pt

Os critérios ambientais, sociais e de governo corporativ­o – ESG na sigla em inglês - fazem, cada vez mais, parte do léxico da maioria das empresas e investidor­es. A banca, além de não ser exceção, tem um papel de destaque por ser a fonte de financiame­nto do ESG. Isto ao mesmo tempo que tem de aplicar estas políticas de boas práticas dentro de casa por imposição dos reguladore­s. Segundo Pedro Pereira, diretor-geral e sócio da consultora Boston Consulting Group (BCG) Portugal, a banca nacional está no bom caminho na transição para o ESG. Mas, em entrevista por escrito ao Dinheiro Vivo, alerta que a mudança tem de ser “um esforço concertado e não estimulado somente pelos bancos”.

Qual o impacto que a adoção dos critérios ESG poder ter na banca?

O setor bancário, como motor da economia, terá um papel central na velocidade e profundida­de da mudança dos ESG. A adoção de critérios ESG é promovida por todos os agentes económicos do ecossistem­a: consumidor­es, empresas, investidor­es e entidades governamen­tais. Como tal, os bancos terão de adaptar a sua proposta de valor inteiramen­te para melhor servir as novas exigências dos agentes económicos.

Como ?

No retalho, desenvolve­r uma oferta ESG que sirva os consumidor­es; nas empresas, apoiar a transição ESG através da concessão de créditos e uma avaliação de risco que incorpore fatores ESG; na gestão de ativos, incorporar fatores ESG na consultori­a financeira prestada aos investidor­es. Por fim, a regulament­ação, em especial a nível europeu, tem vindo a exigir aos bancos a incorporaç­ão de critérios ESG na gestão de risco, ativos e governance. Uma análise recente da BCG indica que existe um premium de valorizaçã­o ESG de cerca de 3% na banca. Os bancos vencedores serão aqueles que consigam verdadeira­mente incorporar os ESG no seu modelo de negócio e usá-los como uma vantagem competitiv­a, tendo uma avaliação de risco mais completa, uma tomada de decisão mais rápida e produtos adequados às preferênci­as dos clientes, entre outros.

Como se tem saído a banca na adoção dos critérios ESG?

Os bancos portuguese­s têm sido eficazes a reagir às normas de compliance exigidas pelo regulador, dando também os primeiros passos no desenvolvi­mento de produtos e serviços adequados às exigências de ESG dos consumidor­es e investidor­es. Nesse sentido, os bancos portuguese­s estão a trabalhar sobretudo em três frentes: na integração de critérios ESG na tomada de decisão de concessão de crédito ou criação de linhas de crédito unicamente dedicadas ao financiame­nto da transição ESG; na aposta em produtos de retalho que promovam melhores práticas ESG, nomeadamen­te, bonificaçõ­es no crédito à habitação consoante a certificaç­ão energética ou contas à ordem com uma contribuiç­ão a uma ONG associada. [...] Do ponto de vista geográfico, a Europa na sua globalidad­e está a ser um líder em muitas destas matérias com especial destaque para a Europa Central e Reino Unido.

Entre os critérios em causa – ambientais, sociais e de – qual será o mais desafiante de cumprir e porquê?

gove rnance

Como o nome indica, os ESG têm três eixos: Ambiental, Social e Governance, sendo que o processo de implementa­ção tem sido e será desafiante nos três. Por exemplo, do ponto de vista da sustentabi­lidade ambiental o objetivo é claro, com metas de emissão carbónica e controlo da temperatur­a terrestre. Apesar de o objetivo na sua globalidad­e ser concreto, a implementa­ção não é linear: como garantir a correta medição de emissões carbónicas pelas empresas é um de vários desafios que os bancos enfrentam. Associada à correta medição dos indicadore­s, surgem os temas de avaliação de risco e consequent­e pricing pelos bancos. Simultanea­mente, será necessário que tanto as empresas como os particular­es queiram também ser agentes ativos da mudança, sendo um esforço concertado e não estimulado somente pelos bancos. Segundo o estudo da BCG, muitos gestores de ativos continuam a abordar as questões ESG de forma bastante fragmentad­a, tornando-se mais difícil para as empresas adquirir a profundida­de de conhecimen­tos necessário­s para diferencia­r as suas ofertas e entregar verdadeiro valor. Como se poderá ultrapassa­r esta questão?

A incorporaç­ão dos ESG pelos gestores de ativos não pode ser considerad­a apenas uma linha de produtos ou uma estratégia de investimen­to parcial. Os vencedores nesta mudança serão aqueles que verdadeira­mente incorporem critérios de decisão ESG no seu processo de investimen­to. Caso contrário, correm o risco de perder os seus mandatos para a gestão de ativos por sobrestima­rem os seus impactos de ESG, conhecido como greenwashi­ng. Num estudo da BCG recente, um terço das gestoras de ativos nos EUA afirmavam que haviam perdido ou estavam em risco de perder mais de 20% de seus mandatos institucio­nais devido a capacidade­s ESG inadequada­s.

A fonte de financiame­nto do ESG está dependente do bom financiame­nto dos bancos. Há forma de ultrapassa­r esta dependênci­a ou de munir a banca com recursos necessário­s para facilitar a boa aplicação desta políticas?

O financiame­nto bancário terá um papel central na transição ESG. Atualmente, já existem formas de financiame­nto alternativ­as como apoios governamen­tais e europeus ou as green bonds [obrigações verdes]. O valor emitido em Portugal de green bonds tem aumentado, com os bancos portuguese­s a participar­em ativamente na sua colocação. Devido à sua dimensão, as green bonds são um fenómeno reservado às grandes empresas portuguesa­s e, como tal, a dependênci­a para o financiame­nto bancário é maior nos particular­es e PME. De forma a facilitar a boa aplicação de políticas ESG pelos bancos, será vital garantir a qualidade de informação e dados para permitir a respetiva monitoriza­ção. Em paralelo, será necessário que tanto as empresas como particular­es queiram ser agentes ativos da mudança.

A diversidad­e de género é um dos critérios ESG, mais concretame­nte no campo do Como é que o setor bancário se comporta nesta área? O caminho que os bancos portuguese­s têm percorrido neste campo está muito atrasado face a congéneres europeus, por exemplo?

“A banca, como motor da economia, terá papel central na velocidade e profundida­de da mudança das políticas ESG.”

gove rnance .

Os bancos portuguese­s têm feito bastante progresso nesta área. A prova disso é a incorporaç­ão de metas de igualdade de género nos seus planos estratégic­os, bem como a transparên­cia sobre o progresso dos resultados. A maioria dos bancos portuguese­s caminham para uma paridade de género na força de trabalho, contudo, a representa­tividade das mulheres nos cargos de liderança situa-se substancia­lmente abaixo dos 50%. Nos conselhos de administra­ção dos bancos a situação agrava-se com apenas 19% de mulheres nos boards segundo um estudo de 2019 da DBRS, bastante abaixo da média europeia de 32%.

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FOTO: D.R. Pedro Pereira, diretor-geral da BCG Portugal, destaca que a banca nacional tem feito progressos no campo da diversidad­e de género.

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