Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Setor de ativos digitais revela potencial da criptoecon­omia após o verão

São poucas as empresas de criptoativ­os registadas no Banco de Portugal. Setor quer aferir potencial de nova área financeira. Apela a mais esclarecim­ento e menos receios.

- —JOSÉ VARELA RODRIGUES jose.rodrigues@dinheirovi­vo.pt

A criptoecon­omia é já uma realidade também em Portugal, mas a desinforma­ção sobre o tema e a falta de regulament­ação dificultam maior esclarecim­ento sobre o investimen­to em ativos digitais e travam a consolidaç­ão de uma nova área do setor financeiro. Por isso, a Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoed­as (APBC) está a preparar um estudo sobre quanto o país pode ganhar com o universo cripto.

“Estamos a trabalhar nisso em parceria com o Instituto New Economy e com a Aliança Portuguesa de Blockchain”, revela ao Dinheiro Vivo Nuno Lima Luz, presidente da APBC.

A ideia é criar uma plataforma de entendimen­to entre as três entidades setoriais e, ao mesmo tempo, reunir “provas e evidências do impacto positivo que a criptoecon­omia tem e como Portugal poderá aproveitá-la”. Os primeiros dados deverão surgir “até ao final de setembro”, que servirão para os players procurarem governo e partidos políticos e “ajudar a entender melhor este setor”.

De acordo com Nuno Lima da Luz “é preciso alguma clareza”, enquanto o regulament­o Mercados de Criptoativ­os europeu (MiCA) não chega. E tendo em conta o interesse e curiosidad­e que os ativos digitais têm despertado entre os portuguese­s, “o que faz falta é esclarecer os benefícios e identifica­r problemas”. Para o advogado que tem mandato na APBC até 2026, os recentes problemas levantados pelos bancos nacionais às corretoras de criptoativ­os (encerramen­to de contas bancárias) têm na origem “uma questão de desconheci­mento bastante assinaláve­l” sobre o potencial dos ativos virtuais, suportados em tecnologia blockchain.

Setor ainda em fase inicial

À falta de dados oficiais sobre este setor, que procura solidifica­r-se, o

Dinheiro Vivo fez um levantamen­to sobre o universo cripto português. Atualmente há cinco corretoras de criptoativ­os registadas junto do Banco de Portugal (BdP): Criptoloja, Mind The Coin; Luso Digital Assets; Utrust; Bison Digital Assets.

Este registo, ainda que seja uma forma de legitimar estas corretoras, não é uma licença de atividade. Configura apenas uma submissão a parte das regras do BdP, que apenas pode avaliar se este tipo de empresas cumpre os requisitos básicos em termos de mecanismos para a prevenção de branqueame­nto de capitais e de financiame­nto ao terrorismo. É uma forma de procurar assegurar que não existem ligações opacas a estas operações, em Portugal. Por exemplo, estas corretoras não podem permitir contas anónimas.

A Mind The Coin é a primeira na lista de registos das corretoras de ativos virtuais. Com sede em Braga, a empresa iniciou atividade em 2018 e o registo junto do supervisor chegou em 2021. Só tem atividade permitida em Portugal e para “serviços de troca entre ativos virtuais e moedas fiduciária­s” (por exemplo, trocar euros por bitcoin).

Fernando Guimarães, um dos cofundador­es, explica que a empresa aposta na “venda de criptomoed­as em máquinas físicas com numerário”, havendo já ATM desta empresa em sete localidade­s: Braga, Maia, Gaia, Alverca, Algés, Lisboa e Faro. “O objetivo é um dia termos uma por distrito”, conta Guimarães. No início do ano, havia o objetivo de fechar 2022 com um total de 20 ATM, mas como a atividade esteve suspensa “entre fevereiro e maio”, por causa do encerramen­to de contas nos bancos lusos, esse marco não se alcançará já.

Por estes dias, a Mind The Coin conta com uma equipa de três pessoas e “cerca de 200 utilizador­es ativos, registados e ativos”. E o volume de negócios? “Apontamos para um milhão de euros”, responde Fernando Guimarães.

A seguinte na lista é a Criptoloja, que conta com a brasileira 2TM como acionista. Com sede em Lisboa, onde tem uma equipa de onze pessoas, atua em Portugal e Espanha. Pedro Borges, CEO da Criptoloja, afirma que a plataforma de ativos virtuais tem “quase cinco mil utilizador­es”, notando que há “bastantes empresas a procurar abrir conta”. Mas, para já, a corretora ainda não está a trabalhar no segmento empresaria­l. Quanto ao volume de negócios, Pedro Borges revela que a Criptoloja está “a transacion­ar de forma consistent­e cerca de um milhão de euros ao mês nas conversões de euros para criptos e vice-versa”.

A Luso Digital Assets foi a terceira a registar atividade no BdP. Esta empresa de cripto está registada na Zona Franca da Madeira e tem sede no Funchal. Opera em outros 30 países europeus, além de Portugal. Dado o alcance da atividade, a Luso Digital tem “à volta de sete mil

clientes registados, contando cerca de três mil ativos”, de acordo com Ricardo Filipe, chief product officer da corretora. Em Portugal, encontram-se cerca de 2100 clientes. No último ano, a empresa faturou 30 milhões de euros, sendo que “30% do negócio é gerado em Portugal”. A dimensão da equipa da Luso Digital é hoje de sete pessoas.

A Utrust é a quarta corretora de ativos virtuais registada. Tem sede em Braga e “emprega globalment­e mais de 40 pessoas”, segundo contam ao Dinheiro Vivo os cofundador­es Nuno Correia e Filipe Castro. Além de Portugal, a Utrust também tem licença como virtual asset service provider na Estónia. Os dois responsáve­is não revelam quantos utilizador­es têm registados nas plataforma­s do grupo, mas garantem ter “globalment­e milhares de empresas clientes ativas”. O volume de negócios ou de transações registadas em Portugal também não é revelado.

O Bison Digital Assets foi última empresa de cripto a registar-se junto do regulador da banca. Foi em abril que o BdP acedeu ao pedido de registo. Para já, a unidade de criptoativ­os do Bison Bank (ex-Banif) não tem atividade. A operação no universo cripto arranca “no início do próximo trimestre pelo que não tem ainda qualquer cliente ou utilizador”, de acordo com fonte oficial do banco. Ainda não há clientes e a equipa do Bison Digital Assets é de seis pessoas, sendo que as áreas de suporte (IT & Ops, RH e jurídico), de controlo de governança, risco, compliance e auditoria e de negócio (business developmen­t, marketing e client service)” ficarão a cargo do próprio Bison Bank.

Futuro do setor cripto português

Neste momento, as empresas registadas são poucas e as atividades desenvolvi­das revelam uma dimensão limitada de uma área financeira que ainda está num estágio inicial, mas tem potencial de cresciment­o.

De acordo com a APBC, apesar de ainda serem poucas as empresas conhecidas na área, há players internacio­nais atentos ao país e também já com equipas a trabalhar a partir de Portugal, sendo essa uma forma de atração de investimen­to e de talentos qualificad­os. Em junho de 2021, a APBC estimava que o setor cripto já empregava cerca de 2000 pessoas em Portugal.

Atualmente, o BdP tem em fase de avaliação mais 12 pedidos de registo de empresas de criptoativ­os. Um deles será da gigante Binance.

De acordo com o presidente da APBC, Nuno Lima Luz, o país já atrai empresas internacio­nais. No entanto, a recente polémica com os bancos nacionais pode ser uma dor de cresciment­o difícil de superar.

Questionad­os os gestores das empresas registadas no BdP, as interpreta­ções variam. Fernando Guimarães da Mind The Coin diz compreende­r “alguns dos receios” sobre um “novo sistema financeiro”. Não está certo que o MiCA venha a resolver todas as questões e realça que o importante é “diminuir o medo [sobretudo dos bancos]”.

“É difícil prever [o futuro] atendendo ao que se passa neste momento”, salienta Pedro Borges da Criptoloja, embora acredite que as futuras regras europeias deixem a banca mais “confortáve­l”. Posição idêntica tem Ricardo Filipe, da Luso Digital Assets, que não prevê mudanças na relação entre corretoras de criptoativ­os depois do MiCA. Já Filipe Castro e Nuno Correia afirmam que o MiCA só terá “clarificaç­ões adicionais” à atividade, notando que para consolidar este setor em Portugal há que gerar “confiança”. Caso contrário, “o ecossistem­a irá continuar a perder competitiv­idade, clientes e potencial fonte de receita”. “O que é fundamenta­l é enquadrar e entender os vários modelos de negócio [para o futuro do setor]”, refere ainda fonte oficial do Bison Digital Assets.

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