Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Setor de ativos digitais revela potencial da criptoeconomia após o verão
São poucas as empresas de criptoativos registadas no Banco de Portugal. Setor quer aferir potencial de nova área financeira. Apela a mais esclarecimento e menos receios.
A criptoeconomia é já uma realidade também em Portugal, mas a desinformação sobre o tema e a falta de regulamentação dificultam maior esclarecimento sobre o investimento em ativos digitais e travam a consolidação de uma nova área do setor financeiro. Por isso, a Associação Portuguesa de Blockchain e Criptomoedas (APBC) está a preparar um estudo sobre quanto o país pode ganhar com o universo cripto.
“Estamos a trabalhar nisso em parceria com o Instituto New Economy e com a Aliança Portuguesa de Blockchain”, revela ao Dinheiro Vivo Nuno Lima Luz, presidente da APBC.
A ideia é criar uma plataforma de entendimento entre as três entidades setoriais e, ao mesmo tempo, reunir “provas e evidências do impacto positivo que a criptoeconomia tem e como Portugal poderá aproveitá-la”. Os primeiros dados deverão surgir “até ao final de setembro”, que servirão para os players procurarem governo e partidos políticos e “ajudar a entender melhor este setor”.
De acordo com Nuno Lima da Luz “é preciso alguma clareza”, enquanto o regulamento Mercados de Criptoativos europeu (MiCA) não chega. E tendo em conta o interesse e curiosidade que os ativos digitais têm despertado entre os portugueses, “o que faz falta é esclarecer os benefícios e identificar problemas”. Para o advogado que tem mandato na APBC até 2026, os recentes problemas levantados pelos bancos nacionais às corretoras de criptoativos (encerramento de contas bancárias) têm na origem “uma questão de desconhecimento bastante assinalável” sobre o potencial dos ativos virtuais, suportados em tecnologia blockchain.
Setor ainda em fase inicial
À falta de dados oficiais sobre este setor, que procura solidificar-se, o
Dinheiro Vivo fez um levantamento sobre o universo cripto português. Atualmente há cinco corretoras de criptoativos registadas junto do Banco de Portugal (BdP): Criptoloja, Mind The Coin; Luso Digital Assets; Utrust; Bison Digital Assets.
Este registo, ainda que seja uma forma de legitimar estas corretoras, não é uma licença de atividade. Configura apenas uma submissão a parte das regras do BdP, que apenas pode avaliar se este tipo de empresas cumpre os requisitos básicos em termos de mecanismos para a prevenção de branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo. É uma forma de procurar assegurar que não existem ligações opacas a estas operações, em Portugal. Por exemplo, estas corretoras não podem permitir contas anónimas.
A Mind The Coin é a primeira na lista de registos das corretoras de ativos virtuais. Com sede em Braga, a empresa iniciou atividade em 2018 e o registo junto do supervisor chegou em 2021. Só tem atividade permitida em Portugal e para “serviços de troca entre ativos virtuais e moedas fiduciárias” (por exemplo, trocar euros por bitcoin).
Fernando Guimarães, um dos cofundadores, explica que a empresa aposta na “venda de criptomoedas em máquinas físicas com numerário”, havendo já ATM desta empresa em sete localidades: Braga, Maia, Gaia, Alverca, Algés, Lisboa e Faro. “O objetivo é um dia termos uma por distrito”, conta Guimarães. No início do ano, havia o objetivo de fechar 2022 com um total de 20 ATM, mas como a atividade esteve suspensa “entre fevereiro e maio”, por causa do encerramento de contas nos bancos lusos, esse marco não se alcançará já.
Por estes dias, a Mind The Coin conta com uma equipa de três pessoas e “cerca de 200 utilizadores ativos, registados e ativos”. E o volume de negócios? “Apontamos para um milhão de euros”, responde Fernando Guimarães.
A seguinte na lista é a Criptoloja, que conta com a brasileira 2TM como acionista. Com sede em Lisboa, onde tem uma equipa de onze pessoas, atua em Portugal e Espanha. Pedro Borges, CEO da Criptoloja, afirma que a plataforma de ativos virtuais tem “quase cinco mil utilizadores”, notando que há “bastantes empresas a procurar abrir conta”. Mas, para já, a corretora ainda não está a trabalhar no segmento empresarial. Quanto ao volume de negócios, Pedro Borges revela que a Criptoloja está “a transacionar de forma consistente cerca de um milhão de euros ao mês nas conversões de euros para criptos e vice-versa”.
A Luso Digital Assets foi a terceira a registar atividade no BdP. Esta empresa de cripto está registada na Zona Franca da Madeira e tem sede no Funchal. Opera em outros 30 países europeus, além de Portugal. Dado o alcance da atividade, a Luso Digital tem “à volta de sete mil
clientes registados, contando cerca de três mil ativos”, de acordo com Ricardo Filipe, chief product officer da corretora. Em Portugal, encontram-se cerca de 2100 clientes. No último ano, a empresa faturou 30 milhões de euros, sendo que “30% do negócio é gerado em Portugal”. A dimensão da equipa da Luso Digital é hoje de sete pessoas.
A Utrust é a quarta corretora de ativos virtuais registada. Tem sede em Braga e “emprega globalmente mais de 40 pessoas”, segundo contam ao Dinheiro Vivo os cofundadores Nuno Correia e Filipe Castro. Além de Portugal, a Utrust também tem licença como virtual asset service provider na Estónia. Os dois responsáveis não revelam quantos utilizadores têm registados nas plataformas do grupo, mas garantem ter “globalmente milhares de empresas clientes ativas”. O volume de negócios ou de transações registadas em Portugal também não é revelado.
O Bison Digital Assets foi última empresa de cripto a registar-se junto do regulador da banca. Foi em abril que o BdP acedeu ao pedido de registo. Para já, a unidade de criptoativos do Bison Bank (ex-Banif) não tem atividade. A operação no universo cripto arranca “no início do próximo trimestre pelo que não tem ainda qualquer cliente ou utilizador”, de acordo com fonte oficial do banco. Ainda não há clientes e a equipa do Bison Digital Assets é de seis pessoas, sendo que as áreas de suporte (IT & Ops, RH e jurídico), de controlo de governança, risco, compliance e auditoria e de negócio (business development, marketing e client service)” ficarão a cargo do próprio Bison Bank.
Futuro do setor cripto português
Neste momento, as empresas registadas são poucas e as atividades desenvolvidas revelam uma dimensão limitada de uma área financeira que ainda está num estágio inicial, mas tem potencial de crescimento.
De acordo com a APBC, apesar de ainda serem poucas as empresas conhecidas na área, há players internacionais atentos ao país e também já com equipas a trabalhar a partir de Portugal, sendo essa uma forma de atração de investimento e de talentos qualificados. Em junho de 2021, a APBC estimava que o setor cripto já empregava cerca de 2000 pessoas em Portugal.
Atualmente, o BdP tem em fase de avaliação mais 12 pedidos de registo de empresas de criptoativos. Um deles será da gigante Binance.
De acordo com o presidente da APBC, Nuno Lima Luz, o país já atrai empresas internacionais. No entanto, a recente polémica com os bancos nacionais pode ser uma dor de crescimento difícil de superar.
Questionados os gestores das empresas registadas no BdP, as interpretações variam. Fernando Guimarães da Mind The Coin diz compreender “alguns dos receios” sobre um “novo sistema financeiro”. Não está certo que o MiCA venha a resolver todas as questões e realça que o importante é “diminuir o medo [sobretudo dos bancos]”.
“É difícil prever [o futuro] atendendo ao que se passa neste momento”, salienta Pedro Borges da Criptoloja, embora acredite que as futuras regras europeias deixem a banca mais “confortável”. Posição idêntica tem Ricardo Filipe, da Luso Digital Assets, que não prevê mudanças na relação entre corretoras de criptoativos depois do MiCA. Já Filipe Castro e Nuno Correia afirmam que o MiCA só terá “clarificações adicionais” à atividade, notando que para consolidar este setor em Portugal há que gerar “confiança”. Caso contrário, “o ecossistema irá continuar a perder competitividade, clientes e potencial fonte de receita”. “O que é fundamental é enquadrar e entender os vários modelos de negócio [para o futuro do setor]”, refere ainda fonte oficial do Bison Digital Assets.