Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

O que seria dos pais sem telemóveis?

- INÊS TEOTÓNIO PEREIRA Jurista

ra da maneira que a taxa de natalidade passaria a negativa. Os telemóveis são o preço do silêncio, do sossego, do “toma lá e não me chateies que eu agora quero conversar”.

Há por aí alguém que consiga jantar num restaurant­e em paz com uma criança de seis anos sem lhe passar um telemóvel para a mão? Se sim, são pessoas especiais. Telemóveis, tablets, vídeos, jogos, cores e sons. Desde bebés. É vê-los nos restaurant­es por esse país fora, rosadinhos, enroscados nas cadeirinha­s num scrolling hipnotizan­te durante horas a fio e num sossego celestial enquanto as famílias jantam, também elas entretidas com os seus instagrams e vídeos. Fraldas, chucha, pomada para o rabinho e um tablet: são quatro horas de sossego garantido.

Parece cómico mas não é. Dizem-me que há terapeutas da fala que se dedicam na maioria do tempo a ensinar as crianças a falar português de Portugal; já que os tutoriais, o TikTok – local onde elas passam grande parte do tempo desde que nasceram – são em português do Brasil e é ali que elas também aprendem a falar, enroscadas num scrolling silencioso.

Também me falam nas dificuldad­es de sono: não dormem bem, ou dormem com as luzes, a música a atormentar o cérebro enquanto ele se desenvolve com a internet aos solavancos no subconscie­nte. E nas camas dos pais, com medo daquilo a que assistem no mundo digital. Atrasos na aprendizag­em, na expressão, na leitura, na motricidad­e. É todo um novo mundo.

Depois temos o resto: os danos psíquicos para a vida toda. Os jogos que viciam e que os expõem à violência, que a banalizam e a desumaniza­m. E tudo isto aos 6 anos ou aos 10 anos. A rapidez com que os jogos aparecem, os downloads que eles fazem automatica­mente de um jogo para o outro enquanto se distraem com um vídeo que parece inocente fogem ao nosso controlo. Isso e a pornografi­a, que lhes aparece por todos os lados mal descobrem o conceito.

“Já me aparecem com muitos danos aos 14, 15 anos”, dizia-me uma psicóloga. Danos que não se esquecem depois de muitas horas, dias e meses em neurose passadas com os ecrãs. A criar avatares, a matar pessoas que lhes parecem cada vez mais reais, a viver sensações cada vez mais forte e neuróticas, a correr riscos. E tudo ali, no quarto ao lado dos pais. E muitas vezes no computador ou no próprio telemóvel dos pais.

Dizem que os tempos são outros, que é difícil educar os filhos sem estas ajudas, que precisamos dos telemóveis por uma questão de segurança. Não é verdade, são desculpas para o nosso sossego.

O telemóvel nas mãos de uma criança faz mais estragos do que o açúcar, do que os cigarros aos adolescent­es ou até do que as sopas de cavalo cansado. Digo eu, que no outro dia desinstale­i o sinistro Roblox do meu telemóvel e ainda estou a desintoxic­ar o meu filho mais novo: “Eu prometo que vou conseguir viver sem isto”, dizia ele. Não brinquem.

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