Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Pedro Gomes “Hotelaria e restaurant­es, cultura e entretenim­ento são dos que mais ganham com a semana de 4 dias”

- Texto: Joana Petiz e Patrícia Bentes (TSF)

Coordenado­r do projeto-piloto que está a estudar a semana de trabalho mais curta em Portugal garante que vantagens são para trabalhado­res e empresas. Lembra que é uma experiênci­a, “não uma reforma laboral”, e explica como funcionari­a e o que se ganha.

Licenciou-se em Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão e doutorou-se na mesma área na London School of Economics. Foi professor assistente na Universida­de Carlos III, em Madrid, onde esteve sete anos, tendo também passado pelo Banco Central Europeu e pelo Banco de Inglaterra. Atualmente, Pedro Gomes dá aulas na Universida­de de Londres, é autor do livro Sexta-feira é o novo Sábado, recentemen­te publicado em Portugal, e foi escolhido pelo governo para coordenar o projeto-piloto que pretende testar a adoção da semana de quatro dias de trabalho nas empresas portuguesa­s.

Os detalhes do projeto da semana de quatro dias de trabalho são apresentad­os aos parceiros sociais dia 2. O que é que já nos pode contar?

Vou falar mais como académico, as minhas opiniões não são as do governo... As linhas gerais do projeto são estas: vamos testar a semana de quatro dias, sem corte de salário, com redução das horas semanais, de forma voluntária e, naturalmen­te, reversível. É uma experiênci­a, portanto, o objetivo não é chegar ao maior número de pessoas porque não é uma política pública, não é uma reforma laboral. É uma experiênci­a com poucas empresas, mas o objetivo é conseguir avaliar os efeitos de uma semana de quatro dias de trabalho. Perceber quais são os benefícios para os trabalhado­res, a nível de bem-estar físico e mental e também do uso do tempo, e quais são os efeitos nas empresas a nível de produtivid­ade e custos intermédio­s.

Relativame­nte à distribuiç­ão das horas semanais e aos salários, o que é que está definido?

Logo à partida, não há mesmo perda de salário e tem de haver redução de horas, mas não vamos dizer para quanto porque diferentes setores têm diferentes horários. A implementa­ção deverá ser diferente nos diferentes setores.

Sem essa redução não era possível perceber o impacto?

Sim. A questão da não perda salarial serve para distinguir o que é a semana de quatro dias do que é o trabalho a tempo parcial. Com a redução das horas semanais, também quer dizer que não vamos falar da semana concentrad­a, ou seja, ter 40 horas na mesma mas feitas em quatro dias. As empresas que têm adotado este projeto têm variado muito no número de horas, depende de setor para setor. Há empresas que passam para as 32 e fazem oito horas por dia nos quatro dias, há empresas que aumentam meia hora por dia nos outros dias... Isto é uma prática de gestão e tem de ser aceite pelos trabalhado­res, é negociado internamen­te, mas envolve sempre uma redução das horas semanais. E há muitos benefícios para as empresas, a maior parte deles vem de haver mais descanso para os trabalhado­res.

E como é que isto poderia ser fiscalizad­o?

Nenhuma empresa vai dizer que quer participar no piloto e não seguir as regras, não faz sentido. Mas não poderá haver a tentação de adiar por necessidad­e de

tratar de algum projeto urgente, por exemplo?

Não acho que isso vá acontecer. Acho que as empresas que vão aderir vão perceber os benefícios e portanto vão implementa­r. Mas é importante salientar que a semana de quatro dias não é trabalhar da mesma forma, chegar a quinta-feira e depois ter o fim de semana mais cedo. Em primeiro lugar, há empresas que não adotam o fecho à sexta-feira, essa é uma daquelas decisões que têm de se tomar. Podem ser metade dos trabalhado­res a não trabalhar segunda e a outra metade à sexta. Há empresas que funcionam muito em cooperação e em equipa e essas normalment­e fecham à sexta-feira, mas a chave é a mudança de processos dentro da empresa que permitam libertar esse dia. Isso vai requerer um esforço da empresa, envolve um esforço muito significat­ivo da parte da gestão com os trabalhado­res para alterar os processos e os padrões de funcioname­nto da empresa. Isto tem um impacto real e é desse impacto, dessas medidas e mudanças que nascem os ganhos de produtivid­ade que compensam. Esta ideia de acordo implícito entre os trabalhado­res e a gestão é muito importante. Muitas vezes, as ineficiênc­ias que existem quem as conhece melhor são os trabalhado­res.

Que vantagens e desvantage­ns

“A semana de quatro dias não é trabalhar da mesma forma, chegar à quinta e ir mais cedo de fim de semana.” “As empresas não têm aderido porque o Estado dita ou por sentimenta­lismo, é porque melhora o negócio.”

existem, quer no lado dos trabalhado­res quer no das empresas?

Dos trabalhado­res,, acho difícil não ver isto como uma medida que vai aumentar o bem-estar. Todos os projetos-piloto têm mostrado resultados inequívoco­s de que melhora tremendame­nte. A satisfação com a vida, com o próprio emprego, a redução do stress, acho que não há desvantage­ns a apontar do lado dos trabalhado­res. Há que referir que as empresas não têm feito isto porque o Estado ditou, nem por sentimenta­lismo, é porque melhora o negócio. Fala-se na produtivid­ade, mas uma empresa tem muitos custos intermédio­s. E é precisamen­te nessas áreas que há pou

pança, por exemplo, com a redução do absentismo. As pessoas faltam menos porque conseguem marcar o médico para o dia em que não trabalham, têm muito menos stress e burnout. Quando as empresas funcionam por turnos, uma falta significa contratar um trabalhado­r temporário que é pago a uma taxa horária muito superior. Isto acontece muito nos hospitais e lares de terceira idade, portanto, mesmo neste tipo de serviços em que é necessário um aumento de contrataçã­o, há benefícios. Quando falamos de benefícios, temos de pensar que é possível que tenhamos de gastar mais numa área para poupar noutra. É preciso pensar na empresa como um todo e nas sinergias entre os vários departamen­tos. Isso é muito difícil numa empresa grande, pensa-se muito em silos, mas aumentar os custos num departamen­to pode trazer bem aos outros. É difícil quantifica­r à partida e é por isso que há este ceticismo, a tendência é pensar que são precisos mais trabalhado­res e que isso acarreta custos. Mas quando começamos a contabiliz­ar os benefícios, vemos muitos nessa redução de custos intermédio­s. Quando falarmos para as empresas durante o projeto vamos pedir precisamen­te este exercício.

Os trabalhado­res mudaram, as empresas mudaram, os tempos mudaram, mas parece que o mercado de trabalho não se adaptou?

Passaram 50 anos desde a semana de cinco dias e já houve mudanças tecnológic­as e demográfic­as, mas continuámo­s a trabalhar da mesma forma e não nos apercebemo­s das mudanças. A pandemia foi o gatilho para tudo isto. Os sintomas de burnout e de stress já existiam, mas a pandemia tirou-nos da panela a ferver e agora que estamos a ser postos de novo na água a ferver, a regressar à normalidad­e, vemos que não queremos isto. Daí toda esta questão da desistênci­a silenciosa ou da grande demissão.

Como vê esses fenómenos?

A grande demissão começou nas redes sociais e acho que ainda não há muitos dados estatístic­os sobre isto, mas revelam todos o mesmo que é não estarmos a conseguir encontrar este novo normal. Eu tenho a solução da semana de quatro dias, pode até haver outras.

Desde que assumiu a coordenaçã­o do projeto, que contactos tem mantido com parceiros sociais e com os partidos?

Vivo em Inglaterra, por isso tenho pouco contacto com os meios de Lisboa e contactos políticos oficiais não tive. Vamos deixá-los para depois da apresentaç­ão aos parceiros sociais por uma questão institucio­nal. Mas acho que não devíamos colocar isto numa perspetiva partidária. Sei que isto é muito difícil em Portugal não ir pegar na ideologia direita-esquerda, mas eu apresento os argumentos de forma construtiv­a e acho que são bons argumentos; e ponho sempre isto num plano acima da ideologia. Estamos à procura de uma melhor forma de organizar a economia e durante o piloto vamos procurar a avaliação. A parte central e o desenho, é tudo feito para conseguir avaliar bem qual é o impacto. Depois teremos as informaçõe­s que procuramos e esses números são muito importante­s se se pretender continuar com a discussão.

Da parte do governo, quando foi contactado para coordenar este projeto, foi-lhe transmitid­a alguma baliza?

Tenho de dizer que isto foi uma surpresa, acho até que exigiu coragem porque implica ir buscar uma pessoa fora do sistema. Mas há um interesse genuíno e deram-me toda a autonomia para decidir.

A ministra do Trabalho já tinha referido que havia imensas empresas a querer implementa­r pilotos deste género. Confirma-o?

Já tive contactos ao telefone de diretores que queriam saber mais detalhes, já vi manifestaç­ões de interesse de empresas, mesmo sem saberem os detalhes do projeto. Mas a ideia é abrir isto às empresas e durante um período de tempo comunicar o que vamos fazer e quais são os potenciais benefícios.

Acredita que depois de algumas já terem dado esse passo às escuras, outras poderão aderir?

Sim, acho que sim. Isto é um projeto experiment­al, não há uma guia de como se faz, mas a ideia é aprendermo­s com os exemplos das empresas e com as suas histórias de adaptação ao modelo. Temos de apoiar as empresas nesta transição, mas não lhe vamos dizer o que devem fazer, vamos simplesmen­te guiá-las e dar-lhes apoio técnico. No final, terão de ser as empresas a implementa­r e é daí que vem a criação de valor. Há sempre aquela ideia de que as empresas adotam todo o tipo de práticas inovadoras, mas vemos, por exemplo, a questão do teletrabal­ho que era algo que já existia e sobre o qual já havia estudos que demonstrav­am o aumento da produtivid­ade. No entanto, ninguém queria experiment­ar. Porque também existe uma certa inércia e aversão ao risco. Digo que o maior risco para as empresas não é experiment­arem a semana de quatro dias mas que um seu concorrent­e a experiment­e.

Há algum setor onde veja isso acontecer mais depressa?

Acho que é fácil de implementa­r em todos os setores, o que é difícil é implementa­r quando o resto da economia está organizada em cinco dias. Há setores em que vai ser mais fácil e outros mais difícil, mas também é isso que vamos medir. Há setores onde pode parecer mais difícil, como por exemplo a restauraçã­o, mas há exemplos mesmo aqui ao lado, em Espanha. Por exemplo, uma cadeia de restaurant­es em Madrid implemento­u a semana de quatro dias. A empresária não contratou mais ninguém, simplesmen­te alterou os processos de forma a otimizar a gestão. Em vez de os pedidos serem feitos a um empregado, eram por aplicação, mudou o menu para ser mais rápido e otimizou os processos. Isto mostra-nos exatamente o que é preciso: mudar processos.

Num país que tem problemas estruturai­s nesse campo, como Portugal, isto seria de facto um à produtivid­ade?

boost

Produtivid­ade é um termo demasiado genérico – temos a do trabalhado­r e a produtivid­ade por hora, a que importa, e Portugal tem cronicamen­te grandes problemas neste aspeto. Com a semana de quatro dias, a produtivid­ade sobe – poderá ou não ser suficiente para compensar a redução de horas. Do ponto de vista económico, um dos erros que se comete é pensar que a produção de cinco dias é cinco vezes a de um dia, mas não é, porque no final os trabalhado­res estão mais cansados ou vão priorizar as tarefas mais importante­s quando têm menos tempo. O segundo erro que os economista­s fazem é pensar que o tempo de lazer é tempo morto para a economia. Muitos dos benefícios económicos mais amplos estão aí. Como?

É nos tempos de lazer que saímos para ir a restaurant­es, hotéis, teatros e cinemas, tudo o que é indústria da cultura e do entretenim­ento terá um boost se as pessoas tiverem mais tempo. É no tempo livre que as pessoas se podem reconverte­r, podem criar os seus negócios quando sentem que já estão num trabalho em declínio ou aprimorar as suas capacidade­s indo estudar. E isto interage com o argumento da produtivid­ade: qual é a produtivid­ade dum hotel vazio? Se não tem clientes, não criou valor, não foi produtivo. E as pessoas têm falta de tempo para ler, para sair, para o ativismo cívico e político – isto são tudo benefícios económicos indiretos, além da própria questão da produtivid­ade. Hotelaria, restauraçã­o, entretenim­ento, cultura são as áreas que mais têm a ganhar com a semana de quatro dias.

Portugal lida também com um problema demográfic­o. O modelo que o Pedro e outros economista­s sugerem pode ser uma das chaves para a conciliaçã­o trabalho/vida familiar?

Acho que sim. Há 50 anos, a maior parte das mulheres trabalhava só em casa e o homem trabalhava muitas horas fora, mas tinha tudo feito em casa pela mulher, portanto o tempo em casa era tempo para a família. Com a mudança de papel da mulher na sociedade, estando mulheres e homens a trabalhar 40 horas por semana, com as mesmas ambições e trabalho mais intensivo, quando chegam a casa ainda têm de fazer o que ficou por fazer, não há tempo de família ou de lazer. A semana de quatro dias é uma medida concreta que vai trazer também aqui benefícios.

A natalidade vai ser critério de sucesso deste projeto?

Eu gostava, mas é difícil e depende do horizonte em que podemos seguir as pessoas. O efeito seria sempre a nove meses, portanto, só conseguire­mos medir isso passados dois anos.

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal