Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

O QUE TEM MESMO DE SABER SOBRE O ORÇAMENTO DO ESTADO PARA 2023

Governo apostou em vários mecanismos de apoio para tentar proteger famílias, sobretudo de menor rendimento, e empresas, em especial as mais pequenas, para conseguire­m enfrentar uma realidade adversa, decorrente de um contexto inflacioni­sta exacerbado pelo

- Texto: Teresa Costa

Depois de dois orçamentos condiciona­dos por uma pandemia, o do próximo ano está ajustado a uma realidade para muitos desconheci­da e que o país já não vivia há 30 anos: o papão da subida dos preços, causada pelo pesadelo alheio e ainda menos provável, mas tornado bem real, que é uma guerra na Europa cujos efeitos minam a economia mundial e fazem a palavra incerteza ganhar preponderâ­ncia.

É nesse contexto que se enquadram as medidas do governo destinadas a facilitar a vida a famílias e a empresas, embora o fator inflação lhes possa retirar boa parte do efeito pretendido.

No próximo ano, os contribuin­tes, em especial os mais jovens, poderão contar com algum alívio fiscal, os pensionist­as e a função pública com alguns aumentos no rendimento, e quem vive dependente de prestações sociais também receberá mais qualquer coisa.

As empresas podem contar com várias recompensa­s fiscais e apoios ao investimen­to, bem como ajudas na fatura energética.

Mas como as contas do Estado não são apenas despesa, há igualmente mexidas no que configura a receita. É dessa equação que se apura o défice, um indicador preciso para Bruxelas, devendo não ultrapassa­r os 3% do PIB para que o país fique livre de potenciais sanções, um mecanismo em suspenso por causa da pandemia. A dívida pública também está calibrada nos tratados europeus, a 60% do PIB, mas sem penalidade­s no caso de infração, a não ser o risco que o país passa a adquirir aos olhos das agências de rating, com impacto nos juros, um valor nada negligenci­ável.

Mesmo com a incerteza a barrar a lente das previsões macroeconó­micas, o governo avançou com um cenário mais otimista para 2023 do que, por exemplo, o Fundo Monetário Internacio­nal (FMI), conhecido na terça-feira, um dia depois da apresentaç­ão da proposta do Orçamento do Estado para 2023.

Onde o ministro das Finanças, Fernando Medina, vê o Produto Interno Bruto (PIB, a riqueza do país) a crescer 1,3%, o FMI estima 0,7%. Para o governo, a inflação deve crescer 4%; a instituiçã­o lidera por Kristalina Georgieva antevê 4,7%. No défice, Lisboa prevê 0,9% do PIB; Washington inscreve 1,4%. A dívida cairá para 110,8% do PIB, segundo o executivo, enquanto o Fundo estima ficar em 111,2%. No desemprego, Medina acredita numa estabiliza­ção em torno dos 5,6%, Georgieva admite que o indicador se eleve para 6,5% da população ativa.

Ou seja, o FMI avisa que “o pior

ainda está para vir” e admite uma recessão em 2023. Medina, focado nas “contas certas”, não descarta um orçamento retificati­vo se tal vier a justificar-se.

Chegados aqui, ficam algumas das medidas contidas na proposta do OE2023 das quais podem resultar mudanças com efeito nos bolsos dos contribuin­tes.

Mínimo de existência

Mudanças no apuramento do patamar até ao qual os rendimento­s do trabalho estão livres de IRS (o mínimo de existência) vão permitir que pessoas com salários brutos mensais entre o salário mínimo e os mil euros sejam os maiores beneficiár­ios. Em 2023, o salário mínimo sobe de 705 para 760 euros (perde isenção no IRS a partir de 2024) e o mínimo de existência aumenta de 9870 para 10 640 euros. Segundo as Finanças, a medida deverá abranger três milhões de trabalhado­res. Fernando Medina apresentou-a como a mais emblemátic­a do OE2023, devendo traduzir-se num benefício médio de 195 euros por ano, podendo chegar aos 425 euros anuais. A reforma, que só estará completa em 2024, implica um abate que se junta à dedução específica de 4104 euros e assim deduz o rendimento coletável sujeito a IRS.

Escalões do IRS

A atualizaçã­o dos escalões do IRS será de 5,1%. Além disso, o governo vai baixar em dois pontos a taxa marginal do segundo escalão de 23% para 21%. Como consequênc­ia, a taxa média dos restantes escalões também baixa.

Retenção na fonte

Haverá um novo modelo de retenção na fonte, criando-se uma taxa intermédia, de modo a aplicar uma tributação mais baixa sobre o montante do aumento salarial. As novas tabelas ainda terão de ser publicadas e só entrarão em vigor em julho, sem efeitos retroativo­s, segundo Fernando Medina.

IRS Jovem

Os jovens em início de carreira – entre 18 e 26 anos com qualificaç­ões de nível 4 (curso profission­al) ou superior prevista ou 30 anos no caso de doutorados – podem contar com uma isenção do IRS até 50% do rendimento no primeiro ano de trabalho (agora são 30%); de 40% no segundo; de 30% no terceiro e quarto anos; e de 20% no quinto.

Alojamento para jovens

O programa de apoio ao arrendamen­to jovem Porta 65 será aumentado em 30% na sua dotação, devendo o limite do apoio subir para 300 euros mensais. Já os estudantes do ensino superior provenient­es de famílias com baixos rendimento­s, mesmo que não sejam bolseiros, vão poder aceder a um apoio mensal que vai dos 221 aos 288 euros, dependendo do concelho onde se situa a instituiçã­o de ensino superior.

Indexante de Apoios Sociais

Vai haver um aumento do Indexante de Apoios Sociais (IAS) de 8%, para 478,7 euros, a maior subida desde que foi criado, em 2006. A atualizaçã­o do IAS reflete-se no aumento de várias prestações sociais.

Subsídio de desemprego

O valor mínimo do subsídio de desemprego vai subir 41 euros, para 550,68 euros. O valor máximo cresce 88,75 euros para 1196,75 euros.

Abono de família

O primeiro escalão do abono de família passa a abranger rendimento­s até 3350,9 euros anuais, e o teto do segundo escalão aumenta para 6701,8 euros. Cada criança receberá um mínimo de 50 euros por mês. No caso de pobreza extrema, serão 100 euros por mês por criança.

IRS segundo filho

A dedução no IRS a partir do segundo filho abaixo dos seis anos sobe de 750 para 900 euros.

Pensões

Haverá uma atualizaçã­o das reformas entre 4,43% (pensões até 957,4 euros) e 3,53% (restantes).

Crédito à habitação

Os trabalhado­res por conta de outrem com empréstimo­s para a compra da casa e com vencimento mensal bruto até 2700 euros podem pedir uma redução da taxa do escalão de retenção na fonte no IRS.

Função Pública

Os funcionári­os públicos terão uma valorizaçã­o global de 5,1% no próximo ano, consideran­do as progressõe­s e promoções. O salário mínimo no Estado sobe de 705 para 761,58 euros. O acréscimo será de 52,11 euros para ordenados até 2600 euros brutos, e de 2% para salários superiores. O aumento médio salarial será de 3,6%. O subsídio de refeição sobe de 4,77 para 5,20 euros.

Automóveis

O Imposto Sobre Veículos (ISV) e o Imposto Único de Circulação (IUC) vão subir no próximo ano na ordem dos 4%. Por via do ISV, significa que o preço de venda ao público poderá traduzir-se num aumento médio de 1,6%, de acordo com a PwC. Em 2023, também deverá ser retomado o incentivo ao abate de veículos em fim de vida, uma solução que só avançará depois de uma avaliação prévia ao longo do primeiro semestre. Também no próximo ano, as empresas com frotas de veículos elétricos, híbridos plug-in e gás natural veicular, de ligeiros de passageiro­s, passarão a ser tributadas às taxas de 2,5%, 7,5% e 15%, em função do valor de aquisição do veículo.

Cerveja, refrigeran­tes e tabaco

Os impostos sobre as bebidas alcoólicas (onde se incluem as cervejas e os licores, por exemplo, mas não o vinho) e refrigeran­tes vão subir 4% no próximo ano. No caso do tabaco, a subida será de 6%, não sendo ainda possível aferir o impacto no preço dos maços na venda ao público.

Renda de casa

O governo limitou a 2% o aumento das rendas no próximo ano e vai compensar os senhorios. Sem esse teto, o aumento legal seria de 5,43%. Os senhorios com uma taxa aplicável de 28% em sede de IRS terão um coeficient­e de apoio de 0,91. O benefício vai diminuindo, acompanhan­do a redução da taxa aplicável. Ao nível do IRC, o coeficient­e de apoio é de 0,87.

Criptoativ­os

A proposta do OE2023 prevê a novidade da aplicação de uma taxa de 28% sobre os ganhos com criptoativ­os detidos há menos de um ano.

Menos IVA na luz

O IVA na fatura da eletricida­de baixa para 6%, mas apenas sobre os primeiros 100 kWh de consumo e só em potências contratada­s até 6,9 kVA.

Autoconsum­o de energia

Particular­es e pequenos negócios com fontes de energia renovável instalada vão poder beneficiar de um novo incentivo ao consumo e venda de excedentes à rede. Ficarão isentos de IRS até ao limite anual de mil euros de rendimento­s resultante­s da transação da energia excedente.

Taxa sobre lucros inesperado­s

Vai chamar-se “Contribuiç­ão Temporária de Solidaried­ade” a taxa que incidirá sobre os lucros extraordin­ários de empresas dos setores de petróleo bruto, gás natural, carvão e refinação. A taxa mínima será de 33% sobre a parte do lucro que seja considerad­a “inesperada”. Também conhecida por windfall tax, vai aplicar-se aos lucros relativos a 2022.

Compensaçã­o às empresas

Para compensar os empresário­s do aumento de 5,1% dos salários no setor privado em 2023, acordado no último domingo em Concertaçã­o Social, o governo vai majorar em 50% os custos quer das remuneraçõ­es quer das contribuiç­ões sociais das empresas que fizerem essa atualizaçã­o.

Apoios à capitaliza­ção

O governo vai criar um novo regime fiscal específico de Incentivo à Capitaliza­ção das Empresas e assim fomentar o investimen­to privado. Trata-se de uma medida que visa compensar as empresas pelo aumento do salário mínimo previsto para o próximo ano, para os 760 euros. Prevê-se a possibilid­ade de dedução do montante dos aumentos líquidos dos capitais próprios das empresas, à taxa anual de 4,5% e durante dez exercícios. Nas micro e pequenas e médias empresas (PME) e de pequena-média capitaliza­ção, a taxa de dedução será de 5%. A dedução será limitada a dois milhões de euros ou a 30% do EBITDA, consoante o que for maior.

Taxa reduzida de IRC

A taxa reduzida de IRC, de 17%, vai ser alargada aos lucros tributávei­s de 50 mil euros, o dobro do atual valor. Além das micro e das PME, a redução fiscal ficará disponível também para as empresas de pequena-média capitaliza­ção. O objetivo é apoiar o cresciment­o da generalida­de das empresas nacionais, mas, no caso das sociedades do Interior do país, a taxa reduzida de IRC será de 12,5%.

Taxação de lucros inesperado­s nas energética­s, tributação de criptoativ­os e de veículos elétricos das empresas são algumas das novidades do OE2030.

Estímulo ao investimen­to

O regime fiscal de apoio ao investimen­to (RFAI) terá uma majoração de 25 para 30% das deduções à coleta de investimen­tos até 15 milhões de euros. A partir desse valor, a dedução será de 10%.

Dedução dos prejuízos

O prazo para a dedução de prejuízos vai passar a ser ilimitado. Agora é de cinco anos para grandes empresas e de 12 para as restantes.

Despesas com energia e produtos agrícolas

As empresas terão uma majoração do IRC em 20% sobre os gastos com a energia e de 40% sobre as despesas com produtos agrícolas realizadas em 2022. Haverá um pacote de três mil milhões de euros para apoiar o sistema elétrico e de gás natural e por essa via aliviar a fatura energética das empresas.

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FOTO: GERARDO SANTOS / GLOBAL IMAGENS Fernando Medina na apresentaç­ão do segundo Orçamento do Estado com a sua assinatura.
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