Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
FMI. Crise da energia “vai durar um ano e meio ou mais” na Europa
“Estamos numa situação muito delicada e está a procurar evitar-se racionamentos, mas o frio do inverno está à porta”, lamenta o diretor do FMI para a Europa.
A atual crise energética, que se agravou de forma aguda com a guerra da Rússia contra a Ucrânia, vai durar este inverno e depois disso, a Europa pode contar com “um ano e meio ou mais” de complicações e de adversidades até que a situação possa estar estabilizada, atirou o diretor do departamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) que supervisiona as economias da Europa.
Alfred Kammer, um economista que, aliás, conhece bem Portugal, apresentou ontem, com maior detalhe e profundidade as perspetivas (outlook) do FMI para a economia europeia, território que, segundo as novas previsões da instituição de Washington, sofrerá um dos impactos mais negativos no crescimento em 2023 na sequência da atual conjuntura altamente crítica e incerta.
Incerta, mas definitivamente pautada por uma inflação elevadíssima e uma subida muito rápida das taxas de juro no sentido de conter a cavalgada nos preços. Há já países de grande dimensão a caminho da recessão: Alemanha e Itália. Ainda só vamos em outubro e o inverno começa em dezembro.
Numa conferência de imprensa a partir da capital norte-americana, este economista principal do FMI não esteve com grandes rodeios. “No passado recente, pensámos que a pandemia terminaria em três meses e levou muito mais tempo.
Em relação a este problema da energia e da segurança energética, após este inverno, o problema não vai desaparecer, teremos pelo menos mais um ano e meio para estabilizar a situação, portanto, medidas para comprimir a procura por energia são muito importantes”, atirou.
“Estamos hoje numa situação muito delicada e está a procurar evitar-se racionamentos, usando mecanismos de preços. A questão ainda é de risco porque o frio do inverno que está à porta combinado com uma interrupção no fornecimento de gás da Rússia pode conduzir a uma nova crise, apesar dos stocks [reservas] de gás existentes e acumulados durante o verão”, insistiu.
O avaliador defende medidas para conter a procura e reitera que elas vão ter de perdurar muito além do frio invernal que se aproxima. “A compressão [da procura] não é algo que possamos ver como circunscrito a este inverno que vai chegar; o problema da segurança energética vai prolongar-se durante o próximo ano e afetar o inverno de 2023/2024 porque, entretanto, o armazenamento terá de ser reposto e poderá ter de haver uma compressão na procura de energia, de gás”, antecipou Kammer.
No novo outlook revelado esta semana, o FMI cortou a fundo o cenário de crescimento da zona euro e mostrou as graves vulnerabilidades de grandes potências industriais, como a Alemanha, a maior economia da Europa.
Segundo o Fundo, a zona euro deve virtualmente estagnar no ano que vem (0,5% de crescimento real), tendo sofrido uma revisão em baixa face às projeções de julho de sete décimas percentuais. É, das grandes regiões, a mais castigada.
A Alemanha entra em recessão (anual), com uma contração de 0,3% em 2023. Itália perde 0,2%. Kammer quis destacar a resistência de Espanha, o maior parceiro económico de Portugal, dizendo que “depois de ter sido muito afetada pela pandemia, Espanha recuperou muito e houve uma forte retoma pelo turismo”. No caso espanhol, “não prevemos uma recessão técnica” em 2023.
Já agora, em Portugal também não, embora as previsões do FMI, publicadas no dia seguinte à apresentação da proposta de Orçamento do Estado de Portugal para o ano que vem (e do novo cenário macroeconómico do ministro das Finanças, Fernando Medina), sejam bem mais modestas.
Como escreveu o Dinheiro Vivo, segundo as novas contas do FMI, a economia portuguesa deve crescer apenas 0,7% no próximo ano (o OE2023 assenta numa expansão de 1,3%).
Se o crescimento for mais débil em 2023, como diz o FMI, isso terá efeitos nas contas públicas. Tende a fazer subir o défice que o governo quer cortar para apenas 0,9% do PIB em 2023, pressionando em baixa a receita fiscal e contributiva e fazendo subir a despesa pública.
Para a instituição de Washington, chefiada por Kristalina Georgieva, nessas condições menos favoráveis o défice público português só deve descer meio ponto percentual, para 1,4% do produto interno bruto (PIB).
De notar também que, apesar da “incerteza elevada” e da “degradação do contexto externo”, palavras ditas por Medina na segunda-feira, na apresentação do OE2023, o desemprego aguenta-se nos 5,6% da população ativa em 2022 e 2023.
Para o FMI, não é bem assim. A inflação deve ser maior e o desemprego também, com tendência para aumentar. Na inflação, o Fundo prevê 4,7% em 2023 (e não 4% como se estima no OE) e a taxa de desemprego aumenta, podendo chegar a 6,5% da população ativa.
Fundo pede calma na expansão orçamental
O diretor do FMI diz que aos governos europeus que “é preciso alinhar a política orçamental com a política monetária”.
“Nós, FMI, recomendamos que a política orçamental não seja expansionista e se a aprovação de políticas de apoio [contra os efeitos desta crise] ocorrer num quadro de espaço orçamental apertado, então que se preste muita atenção ao direcionamento dessas medidas.”
Por exemplo, existe uma ideia em curso de ajudar os 40% mais necessitados na Europa. “O custo disto seria próximo de 1% do PIB e a média agora, em 2022, já vai em 1,8% do PIB, portanto, do ponto de vista orçamental, não é muito eficiente”, defendeu Kammer.
Mais: “As medidas devem ser temporárias porque quanto mais tempo levarem, mais caro se torna e será uma carga para a política orçamental no futuro.”
“Em relação aos países mais pequenos e que têm menor espaço orçamental, é justamente nesses que as medidas direcionadas são a melhor opção para responder ao
O diretor do FMI para a Europa pede aos governos para alinharem a política orçamental com a política monetária.
problema dos custos da eletricidade. São a opção mais eficiente”, afirmou.
“A formulação desses pacotes de apoio deve ser feita para que os preços sejam transferidos, principalmente, nesta conjuntura, devido à necessidade de obter segurança energética”.
“Quando examinámos a Europa, em julho, nas nossas perspetivas (outlook) tínhamos a preocupação com o risco que se podia materializar caso o abastecimento de gás fosse cortado e conduzisse a um racionamento no inverno de 2022/2023, o que levaria a grandes perdas na atividade económica”, disse o alto dirigente do FMI.
Ora, em relação a isso, “estamos hoje numa situação muito delicada e está a procurar evitar-se racionamentos, usando mecanismos de preços”.
O FMI espera que o trabalho dos governos (ainda ontem o primeiro-ministro António Costa foi a Berlim acertar agulhas com os homólogos da Alemanha e de Espanha), em articulação com a Comissão Europeia, produzam frutos. E rapidamente, de preferência. Sabe-se quando acaba o inverno, já a guerra, nem por isso.