Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Votei em Marcelo e não me arrependo
Sou assim, sou daqueles eleitores previsíveis que votam sempre na sua “família política”. Um tédio. Detesto rotinas mas adiro às rotinas políticas sem pestanejar. Abro exceções quando percebo que do lado de lá, dos candidatos, existe alguma anomalia técnica, ou seja, quando deteto alguma anomalia de tal forma grave que tornaria o meu voto irresponsável. Aconteceu uma vez e ainda assim a minha mão tremeu quando abandonei a minha família política – como as mãos de uma criança quando rouba cigarros da carteira da mãe. Mas não, isto não aconteceu em nenhuma das eleições de Marcelo. Com Marcelo a minha mão tremeu, é certo, tremeu porque sabia que alguma coisa estava errada, mas ainda assim não se justificava um virar de costas, um abandono. Foi por medo que tremi.
Houve quem dissesse – nas duas eleições – que era uma irresponsabilidade votar em Marcelo. Na primeira nem liguei, na segunda pestanejei. Pestanejei porque o senhor Presidente libertou definitivamente o shh que havia nele e porque o PS votou comigo e eu nunca tinha votado nos mesmos candidatos que as pessoas do PS. O certo é que nem o “diz-me com quem andas dir-te-ei quem és” me demoveu. A minha mão tremeu porque não sou totalmente desprovida de senso e sabia bem que uma catarata de episódios rocambolescos iriam ser a marca de água do segundo mandato do Presidente comentador.
No entanto, não resisti a votar e não me arrependo um segundo. Gosto de Marcelo. E cada vez gosto mais. Marcelo é dos poucos divertimentos que restam em Portugal. Num país de fado, de inflação, de filas de trânsito, de gente chata e queixosa, Marcelo é o único que se diverte e que nos diverte. É como uma criança aos saltos, feliz da vida, num dia de chuva e cinzento.
Ele é gafe atrás de gafe, é um livro de aventuras, uma série de suspense, uma sitcom, é o enredo vivo de revista à portuguesa sobre política. Ainda por cima chateia os jornalistas à exaustão, diz que disse e não disse que disse mas disse e faz coisas que não interessam a ninguém mas não faz aquilo que interessa. Fala quando não deve e não fala quando deve. Além disso, faz exatamente aquilo que um Presidente da República deve fazer uma vez que, tal como as crianças, não tem obrigações: diverte-se.
Distribui medalhas e comemorações a torto e a direito, brinca com o telemóvel a tirar selfies, planta o caos por onde passa, adora andar de avião, enerva os adultos e tem o condão de conseguir que todos o queiram proteger, desculpar, no fundo, tomar conta dele. É o Marcelo... como quem diz: é o Joãozinho, tadinho. Também não tem consideração nenhuma pelos políticos, por nenhum, unzinho só, mas consegue que todos gostem dele, o acarinhem e até admirem. E não respeita qualquer regra, segredo ou compromisso. É, enfim, o filho que qualquer um de nós anseia que cresça. Politicamente falando, tem mais ou menos oito anos, portanto. Até se refere a ele na terceira pessoa, como as crianças: “o Joãozinho não tem sono” ; em versão marcelista: “O Presidente está muito constrangido com o sucedido”.
Portugal precisa de Marcelo. Precisa de não se levar a sério, a começar por não levar a sério a Presidência da República – tal como está inscrito na Constituição: o Presidente da República não serve para nada. E Marcelo faz isso lindamente. Desde Mário Soares que Belém não tem um inquilino de tão elevado gabarito. Sendo que Soares tinha como função irritar; Marcelo tem como função brincar. Ter Marcelo na Presidência é a versão política de roubar o carro aos pais e chegar a casa de madrugada com coração aos saltos. É viver.