Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Medina corta a fundo no défice à custa de pensões e apoios covid e à energia

Em causa estão dezenas de medidas que o Ministério das Finanças tem ativas agora, mas cuja execução prevista em 2023 passa a zero. Levantamen­to exaustivo foi feito pela UTAO.

- —LUÍS REIS RIBEIRO luis.ribeiro@dinheirovi­vo.pt

O défice público previsto para 2023 vai cair para menos de metade do valor estimado para 2022 porque o ministro das Finanças, Fernando Medina, prevê descontinu­ar integralme­nte um rol de medidas “transitóri­as” de resposta à crise inflacioni­sta e à pandemia.

Entre as medidas mais pesadas em valor, os maiores balões de oxigénio para a consolidaç­ão das contas públicas (as que contribuem para a forte redução do défice em 2023, mesmo sendo um ano totalmente incerto e de crise latente), estão: a parte do aumento de pensões que foi antecipado para este ano (e que portanto não terá lugar em 2023); o facto de não estarem previstos na execução orçamental do ano que vem muitos dos apoios para mitigar o custo da energia e o agravament­o do custo de vida das famílias (o apoio dos 125 euros a trabalhado­res, os apoios “excecionai­s” a crianças, jovens e famílias carenciada­s; e muitas medidas relacionad­as com o combate aos efeitos da pandemia covid, que também desaparece­m do mapa das despesas orçamentad­as no ano que vem. Entre outras.

Em causa estão várias dezenas de medidas que o Ministério das Finanças (MF) tem ativas agora, mas cuja “execução que o MF prevê acontecer ao longo de 2023” passa a zero. O levantamen­to exaustivo foi feito pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e apresentad­o numa análise ao Orçamento do Estado para 2023 (OE2023).

Este cenário favorável nos custos com medidas que o governo avança assenta, em termos de cenário macroeconó­mico, num abrandamen­to no ritmo dos preços (a inflação desce de 7,4% este ano para 4% no próximo), na hipótese de que não haverá recessão (o cresciment­o da economia abranda, mas aguenta-se em 1,3%), de que o desemprego não sobe (mantém-se em 5,6% da população ativa), de que o investimen­to público dispara, finalmente, ajudado por uma execução musculada de fundos europeus, ajudando assim a dinâmica do investimen­to privado.

Resumindo, essas poupanças avultadas previstas neste ambiente mais ou menos positivo definido pelas Finanças procedem de medidas que existiram até ao ano corrente, mas que agora, simplesmen­te, desaparece­m da execução orçamental prevista no OE2023.

Fernando Medina, o ministro das Finanças, tem repetido (ainda ontem o fez no primeiro debate parlamenta­r sobre a proposta orçamental do governo) que o novo OE pretende dar estabilida­de e confiança ao país, proteger o rendimento das pessoas e das empresas, mas ao mesmo tempo quer entregar “contas certas”. Rácios do défice e da dívida a descer, entenda-se, para que o país consiga manter preços decentes (taxas de juro) no endividame­nto nos mercados e continue a colher críticas positivas de Bruxelas e das agências de rating.

No entanto, é de referir que Medina reiterou que, se for preciso, o governo não se vai negar a reforçar ou avançar com medidas para proteger as populações no caso de a crise se agravar.

Esta afirmação do ministro pode fazer sentido. Havendo tantas medidas descontinu­adas e o facto de o valor em causa (poupanças) ser bastante avultado, é natural que possa haver aqui margem para não descontinu­ar tudo, sobretudo no âmbito do chamado “pacote inflação”. Se for mesmo necessário e inevitável, assume Medina. “Não será por capricho” que o governo não o fará, atirou o ministro na apresentaç­ão do novo OE.

De acordo com a UTAO, o desapareci­mento total dessas políticas (pacote inflação e pacote covid) assumido pelo Ministério das Finanças ascende a uns impression­antes 6,4 mil milhões de euros, o equivalent­e a cerca de 2,9% do produto interno bruto (PIB).

Destes, cerca de 4,2 mil milhões de euros são poupanças diretas em 2023 (comparativ­amente à execução prevista em 2022) com o fim de apoios relacionad­os com o problema da inflação muito elevada.

Em cima destas, há mais 2,2 mil milhões de euros em poupanças com medidas covid, indica a UTAO, a entidade que apoia o Parlamento em temas de finanças públicas e que é coordenada pelo economista Rui Baleiras.

Uma das maiores medidas que desaparece da execução prevista em 2023, segundo a UTAO, tem a ver com o esquema encontrado pelo governo para alisar o grande aumento das pensões que aconteceri­a em 2023 decorrente da aplicação da lei. Com a economia a crescer bastante em 2022 e a inflação galopante, a despesa teria um embate significat­ivo na execução de 2022.

Assim, optou-se por pagar antecipada­mente, este ano, um subsídio equivalent­e a metade de uma pensão aos beneficiár­ios, o que resulta num corte na taxa de atualizaçã­o que seria devida a partir de janeiro caso isto não fosse feito.

Assim, a título da parte das pensões que já não é preciso pagar em 2023 (por via desse esquema transitóri­o), a poupança em 2023 ascende a mil milhões de euros.

Outra medida é a do apoio extraordin­ário e único aos trabalhado­res (o dos 125 euros) que também deixa de constar na execução prevista em 2023 e que resulta numa poupança de 730 milhões de euros.

A medida da redução do ISP equivalent­e a uma descida do IVA para 13% também desaparece. Não tem execução prevista no OE2023, gerando assim uma poupança direta de 1123 milhões de euros, diz a UTAO.

O mesmo acontece no caso do apoio extra ao gás. Também desaparece e permite poupar mais mil milhões de euros no ano que vem.

No caso dos apoios covid, o governo só prevê gastar 350 milhões de euros em 2023, porque assume uma moderação significat­iva da gravidade da pandemia. Ao todo, neste cenário bom, Medina consegue uma poupança líquida de 2242 milhões de euros.

Mas, claro, o governo não pode só poupar. Também tem medidas de valor assinaláve­l para assistir à economia. Segundo a UTAO, o conjunto de “medidas antigas (cenário de políticas invariante­s) com impacto orçamental adicional em 2023”, mas expurgadas do pacote inflação, ascende a 5,2 mil milhões de euros, levando a uma redução do saldo orçamental.

E há ainda as novas medidas, as que mais têm sido propaladas pelo governo e as Finanças. Neste conjunto, o “impacto total [negativo, que contribui para o défice] no saldo orçamental, excluindo medidas transitóri­as” do referido pacote inflação, ascende a cerca de 1,4 mil milhões de euros, segundo o MF, ou cerca de mil milhões nas contas da UTAO.

Tudo considerad­o, a UTAO diz que esta proposta de Orçamento, se for executada na íntegra para chegar ao défice de 0,9%, vai agravar o ambiente de crise. Resultará numa política “restritiva e pró cíclica”.

“Não será por capricho” que o governo não ajudará mais a economia, se for mesmo preciso, prometeu o ministro Fernando Medina no dia da apresentaç­ão do novo Orçamento.

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FOTO: MANUEL DE ALMEIDA/LUSA Fernando Medina inaugurou ontem a defesa da proposta do OE2023 na Assembleia da República.

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