Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Medina corta a fundo no défice à custa de pensões e apoios covid e à energia
Em causa estão dezenas de medidas que o Ministério das Finanças tem ativas agora, mas cuja execução prevista em 2023 passa a zero. Levantamento exaustivo foi feito pela UTAO.
O défice público previsto para 2023 vai cair para menos de metade do valor estimado para 2022 porque o ministro das Finanças, Fernando Medina, prevê descontinuar integralmente um rol de medidas “transitórias” de resposta à crise inflacionista e à pandemia.
Entre as medidas mais pesadas em valor, os maiores balões de oxigénio para a consolidação das contas públicas (as que contribuem para a forte redução do défice em 2023, mesmo sendo um ano totalmente incerto e de crise latente), estão: a parte do aumento de pensões que foi antecipado para este ano (e que portanto não terá lugar em 2023); o facto de não estarem previstos na execução orçamental do ano que vem muitos dos apoios para mitigar o custo da energia e o agravamento do custo de vida das famílias (o apoio dos 125 euros a trabalhadores, os apoios “excecionais” a crianças, jovens e famílias carenciadas; e muitas medidas relacionadas com o combate aos efeitos da pandemia covid, que também desaparecem do mapa das despesas orçamentadas no ano que vem. Entre outras.
Em causa estão várias dezenas de medidas que o Ministério das Finanças (MF) tem ativas agora, mas cuja “execução que o MF prevê acontecer ao longo de 2023” passa a zero. O levantamento exaustivo foi feito pela Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) e apresentado numa análise ao Orçamento do Estado para 2023 (OE2023).
Este cenário favorável nos custos com medidas que o governo avança assenta, em termos de cenário macroeconómico, num abrandamento no ritmo dos preços (a inflação desce de 7,4% este ano para 4% no próximo), na hipótese de que não haverá recessão (o crescimento da economia abranda, mas aguenta-se em 1,3%), de que o desemprego não sobe (mantém-se em 5,6% da população ativa), de que o investimento público dispara, finalmente, ajudado por uma execução musculada de fundos europeus, ajudando assim a dinâmica do investimento privado.
Resumindo, essas poupanças avultadas previstas neste ambiente mais ou menos positivo definido pelas Finanças procedem de medidas que existiram até ao ano corrente, mas que agora, simplesmente, desaparecem da execução orçamental prevista no OE2023.
Fernando Medina, o ministro das Finanças, tem repetido (ainda ontem o fez no primeiro debate parlamentar sobre a proposta orçamental do governo) que o novo OE pretende dar estabilidade e confiança ao país, proteger o rendimento das pessoas e das empresas, mas ao mesmo tempo quer entregar “contas certas”. Rácios do défice e da dívida a descer, entenda-se, para que o país consiga manter preços decentes (taxas de juro) no endividamento nos mercados e continue a colher críticas positivas de Bruxelas e das agências de rating.
No entanto, é de referir que Medina reiterou que, se for preciso, o governo não se vai negar a reforçar ou avançar com medidas para proteger as populações no caso de a crise se agravar.
Esta afirmação do ministro pode fazer sentido. Havendo tantas medidas descontinuadas e o facto de o valor em causa (poupanças) ser bastante avultado, é natural que possa haver aqui margem para não descontinuar tudo, sobretudo no âmbito do chamado “pacote inflação”. Se for mesmo necessário e inevitável, assume Medina. “Não será por capricho” que o governo não o fará, atirou o ministro na apresentação do novo OE.
De acordo com a UTAO, o desaparecimento total dessas políticas (pacote inflação e pacote covid) assumido pelo Ministério das Finanças ascende a uns impressionantes 6,4 mil milhões de euros, o equivalente a cerca de 2,9% do produto interno bruto (PIB).
Destes, cerca de 4,2 mil milhões de euros são poupanças diretas em 2023 (comparativamente à execução prevista em 2022) com o fim de apoios relacionados com o problema da inflação muito elevada.
Em cima destas, há mais 2,2 mil milhões de euros em poupanças com medidas covid, indica a UTAO, a entidade que apoia o Parlamento em temas de finanças públicas e que é coordenada pelo economista Rui Baleiras.
Uma das maiores medidas que desaparece da execução prevista em 2023, segundo a UTAO, tem a ver com o esquema encontrado pelo governo para alisar o grande aumento das pensões que aconteceria em 2023 decorrente da aplicação da lei. Com a economia a crescer bastante em 2022 e a inflação galopante, a despesa teria um embate significativo na execução de 2022.
Assim, optou-se por pagar antecipadamente, este ano, um subsídio equivalente a metade de uma pensão aos beneficiários, o que resulta num corte na taxa de atualização que seria devida a partir de janeiro caso isto não fosse feito.
Assim, a título da parte das pensões que já não é preciso pagar em 2023 (por via desse esquema transitório), a poupança em 2023 ascende a mil milhões de euros.
Outra medida é a do apoio extraordinário e único aos trabalhadores (o dos 125 euros) que também deixa de constar na execução prevista em 2023 e que resulta numa poupança de 730 milhões de euros.
A medida da redução do ISP equivalente a uma descida do IVA para 13% também desaparece. Não tem execução prevista no OE2023, gerando assim uma poupança direta de 1123 milhões de euros, diz a UTAO.
O mesmo acontece no caso do apoio extra ao gás. Também desaparece e permite poupar mais mil milhões de euros no ano que vem.
No caso dos apoios covid, o governo só prevê gastar 350 milhões de euros em 2023, porque assume uma moderação significativa da gravidade da pandemia. Ao todo, neste cenário bom, Medina consegue uma poupança líquida de 2242 milhões de euros.
Mas, claro, o governo não pode só poupar. Também tem medidas de valor assinalável para assistir à economia. Segundo a UTAO, o conjunto de “medidas antigas (cenário de políticas invariantes) com impacto orçamental adicional em 2023”, mas expurgadas do pacote inflação, ascende a 5,2 mil milhões de euros, levando a uma redução do saldo orçamental.
E há ainda as novas medidas, as que mais têm sido propaladas pelo governo e as Finanças. Neste conjunto, o “impacto total [negativo, que contribui para o défice] no saldo orçamental, excluindo medidas transitórias” do referido pacote inflação, ascende a cerca de 1,4 mil milhões de euros, segundo o MF, ou cerca de mil milhões nas contas da UTAO.
Tudo considerado, a UTAO diz que esta proposta de Orçamento, se for executada na íntegra para chegar ao défice de 0,9%, vai agravar o ambiente de crise. Resultará numa política “restritiva e pró cíclica”.
“Não será por capricho” que o governo não ajudará mais a economia, se for mesmo preciso, prometeu o ministro Fernando Medina no dia da apresentação do novo Orçamento.