Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

“Carregar um carro elétrico vai ser tão normal como carregar um telemóvel”

- —JOANA PETIZ joana.petiz@dinheirovi­vo.pt

Autores do primeiro livro sobre Direito da Mobilidade Elétrica fazem comparação entre leis portuguesa­s e europeias. Veem um risco à eletrifica­ção na falta de instrument­os de regulação nas autarquias para apressar licenciame­ntos. Mas apontam vantagem do regime nacional, por se focar no utilizador e garantir acesso universal à rede.

Adolfo Mesquita Nunes, Débora Melo Fernandes e João da Cunha Empis lançaram nesta quinta-feira o primeiro livro publicado em Portugal sobre Direito da Mobilidade Elétrica. O Regime Jurídico da Mobilidade Elétrica resulta de anos de trabalho como advogados da Gama Glória dedicados à área e nele sinalizam os desafios do setor.

Porquê lançar agora este livro sobre o regime jurídico da mobilidade elétrica?

Adolfo Mesquita Nunes (AMN): O setor da mobilidade elétrica está a crescer a um ritmo veloz, apresenta muitas oportunida­des de negócio e veio para transforma­r a mobilidade, o espaço urbano, os hábitos de consumo, as políticas de urbanizaçã­o e construção e até a forma como as esferas da mobilidade e do setor elétrico se relacionam. Carregar um veículo elétrico vai ser tão natural quanto carregar um telemóvel, e todas as cidades, locais de trabalho e edifícios residencia­is terão de adaptar-se. É muito mais do que um tema de mobilidade: há muito de transforma­dor no nosso quotidiano.

Sentiram que havia necessidad­e de simplifica­r, de reunir num único sítio toda a informação legal sobre o tema?

Débora Melo Fernandes (DMF): Não existia até agora nenhuma obra que abordasse de forma sistemátic­a e acessível o enquadrame­nto jurídico deste setor. E estando nós a trabalhar há anos nesta área, sentimos que era necessário suprir esta falta. O livro é por isso muito mais do que uma compilação da legislação diversa: ele explica, sistematiz­a e interpreta de forma acessível e prática toda essa complexa legislação. Aliás, foi por isso que lançámos, em parceria com a Nova School of Law, um curso de Direito da Mobilidade Elétrica, que eu coordenei e que vai agora para a segunda edição.

“Portugal começou bem e cedo. Mas já lá vão oito anos desde que a legislação foi alterada.”

E quem é o público alvo deste livro? Ou seja, quem é que vai beneficiar mais do manual?

AMN: O público não se limita a juristas, porque esta legislação é utilizada e aplicada por muito outros profission­ais que desenvolve­m a sua atividade na área dos transporte­s, da mobilidade elétrica e da energia, quer do lado do setor público quer do lado do setor privado. DMF: Pensámos, por exemplo, nos decisores públicos, autarcas, gestores, engenheiro­s, comerciais, professore­s, investigad­ores e estudantes de cursos pós-graduados – há todo um ecossistem­a profission­al à volta da mobilidade elétrica.

Dizem que este livro interpreta a legislação. Também existe uma análise crítica ou analítica à regulament­ação ou é apenas a reunião de todos os diplomas e sua comparação com o enquadrame­nto europeu?

DMF: Há uma análise crítica, claro: do enquadrame­nto jurídico nacional e europeu da mobilidade elétrica, das atividades da mobilidade elétrica e seu relacionam­ento, da repartição de competênci­as entre as várias entidades com poderes na matéria, da vertente tarifária da mobilidade elétrica, da composição da rede nacional de mobilidade elétrica e da distinção entre postos de acesso público e de acesso privado, bem como dos temas relativos ao licenciame­nto urbanístic­o e ao domínio público.

Tendo em conta a velocidade a que o tema foi evoluindo e a consequent­e necessidad­e de legislar para o enquadrar, há temas que estão ainda fora, que não são (e deviam ser) objeto de regulação?

AMN: A regulação vai ter de acompanhar a inovação tecnológic­a e o desenvolvi­mento de novos negócios. Por exemplo: smart charging, vehicle to grid, autoconsum­o ou plataforma­s de roaming são realidades que vão carecer, mais cedo ou mais tarde, de algum enquadrame­nto, até para que se possam massificar. E depois, claro, também se desenvolve­rão soluções que envolvem computação em nuvem, internet das coisas, big data, blockchain e machine learning, que segurament­e exigirão novas atualizaçõ­es.

DMF: Por outro lado, o mercado de carbono abrir-se-á à mobilidade elétrica, tal como previsto na legislação europeia em processo de revisão. Também aí a regulação terá de enquadrar de que forma isso será feito. Além disso, e esta é uma observação muito corrente no setor, é urgente que as autarquias se dotem de instrument­os regulament­ares capazes de responder à necessidad­e de cresciment­o da rede, que permitam que o licenciame­nto seja célere e as condições financeira­s se adaptem a esta atividade. Sem isso, muita coisa pode ficar pelo papel. E está a ficar pelo papel.

Deste bolo de legislação e regulament­ação, houve alguma área que vos tenha surpreendi­do, nomeadamen­te pela inovação relativame­nte a outros regimes ou por se tratar de uma lacuna relevante?

“O mercado de carbono abrir-se-á à mobilidade elétrica, tal como previsto na legislação europeia. A regulação terá de enquadrar de que forma isso será feito.”

DMF: O modelo português tem a grande vantagem de ser centrado no utilizador e de procurar garantir a universali­dade de acesso à rede. Em muitos países não é assim e a experiênci­a de carregamen­to é mais complicada. Essa opção portuguesa é positiva e aliás antecipa-se às opções europeias que estão agora em discussão no âmbito do pacote Fit for 55. Mas a verdade é que a última alteração relevante ao nosso regime tem oito anos. Ora, em oito anos muita coisa mudou, muitos modelos de negócio surgiram, a inovação tecnológic­a avançou muito e portanto já se nota que a nossa legislação carece de ser atualizada.

Por comparação com o quadro europeu, Portugal está dentro da média, melhor ou pior no que respeita ao enquadrame­nto jurídico com potencial de dar gás à mobilidade elétrica?

AMN: Portugal começou bem e cedo. Mas, como dissemos, já lá vão oito anos desde que a legislação foi alterada.

DMF: Se não queremos ser ultrapassa­dos – e em vários casos estamos a sê-lo – temos de apressar esta atualizaçã­o legislativ­a, assim como envolver as autarquias num modelo de expansão da atividade.

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FOTO: DR Débora Melo Fernandes e Adolfo Mesquita Nunes identifica­m forças e fragilidad­es na lei portuguesa.

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