Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Nós e as crises

- Jurista

N“É por estas e por outas que há séculos os políticos vêm fazendo o querem do bom povo português, ou seja, afundá-lo em crise após crise. E a sua bondade, paciência e resistênci­a tem-se revelado de aço. Somos o Ronaldo das crises.”

ós, portuguese­s, somos ases em sobreviver a crises. Fado, Futebol, Fátima e Crise – são os três F e o C português que nos acompanham há séculos. Portugal vive em crise desde, pelo menos, 1820. São gerações e gerações de crianças, famílias, que vivem na expectativ­a do “agora é que vai ser” – e nunca é. Já é altura de assumir que Portugal é uma crise e ver o lado bom da situação.

Ora, o lado bom é que nós sabemos viver em crise melhor do que ninguém, devíamos mesmo pensar em exportar o nosso saber a outros países para os quais a crise é uma novidade, assim como exportamos ovos moles e vinho do Porto.

A única novidade desta nova crise é que o mundo inteiro mergulhou numa, por isso ela parece muito maior. Mas nós, portuguese­s, devíamos rir dela, sacudi-la como pó dos ombros e encarar com sobranceri­a este histerismo global.

Dois milhões de pobres antes de prestações sociais, inflação e taxas de juro a subir: o que é isso para quem vive num país que apenas nos últimos 20 anos já esteve “de tanga”, foi “um pântano”, foi governado por Sócrates, intervenci­onado pela troika e acabou nas mãos do Pedro Nuno Santos? Nada.

Nós sabemos fazer contas de cabeça melhor do que ninguém. Somos os reis dos esquemas, do jeitinho e do paga em dinheiro e deixa aí o envelope na caixa do correio. O povo da hortinha e do desenrasqu­e. Aqui, apesar de tudo, ninguém morre de fome e há sempre quem ajude. É o que é e não se dá nas vistas porque parece mal. Queremos saber quanto se recebe em rendimento líquido e não perdemos tempo a calcular quanto é que o Estado confisca, fazemos contas às prestações e nunca ao preço final e não somos gente de nos preocuparm­os com o amanhã. O amanhã é só amanhã... Também impostos, juros, Euribor, inflação, é tudo gíria de holandês.

É por estas e por outas que há séculos os políticos vêm fazendo o querem do bom povo português, ou seja, afundá-lo em crise após crise. E a sua bondade, paciência e resistênci­a tem-se revelado de aço. Somos o Ronaldo das crises, um bem exportável, um fenómeno.

A minha sugestão é que devíamos enviar os nossos políticos aos palcos mundiais para explicar a estes meninos de coro que são os líderes dos países desenvolvi­dos como se entra de mergulho numa crise, como se vive nela, como se é eleito vezes sem conta depois de as provocar, como se consegue sustentar um país sem produzir riqueza e quais os diferentes tipos de crise (sistémicas, agudas, etc.).

Devíamos ter um gasoduto exclusivo só para lhes ensinarmos a viverem como pobres.

Entretanto, é voltar a comprar margarina e apagar as luzes que não são precisas. Como já sabem.

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PEREIRA
INÊS TEOTÓNIO PEREIRA

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