Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Diabolizar o plástico não é o caminho para a sustentabi­lidade, avisa indústria

- —FRANCISCO DE ALMEIDA FERNANDES dinheirovi­vo@dinheirovi­vo.pt

Redução do consumo, mais reutilizaç­ão e cresciment­o da economia circular devem ser prioridade­s. Mas para isso será preciso melhor legislação e uma “reestrutur­ação do sistema de gestão de resíduos”, aponta o vice-presidente da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos.

Ao longo de oito horas, quatro sessões e com o apoio de mais de 30 oradores, o Plastics Summit Global Event procurou debater estratégia­s para cumprir os desígnios da sustentabi­lidade e da neutralida­de carbónica. A iniciativa organizada pela Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (APIP), que decorreu em Lisboa na passada segunda-feira, juntou empresário­s, decisores políticos e especialis­tas em ambiente de todo o mundo em torno dos desafios das alterações climáticas. “Temos de colocar o foco da ação no que precisamos de fazer em vez de estarmos a diabolizar este ou aquele material”, acredita Pedro Paes do Amaral.

O vice-presidente da APIP reconhece que há trabalho a fazer para tornar a indústria do plástico mais sustentáve­l, mas aponta para o que considera ser a raiz do problema climático: o consumo excessivo. “Podemos e devemos ter uma redução do consumo per capita”, diz, e justifica que a “biocapacid­ade que o planeta tem de criar recursos não é compatível com aquilo que consumimos”. Esta missão deve ser de todos, sublinha. Esta foi, aliás, uma das mensagens mais repetidas ao longo da cimeira internacio­nal – a colaboraçã­o entre setores, bem como entre indústria, poder político e sociedade.

Os números falam por si. Desde 1950, foram produzidas cerca de nove mil milhões de toneladas de plástico em todo o mundo a um ritmo que tem vindo a aumentar à boleia do cresciment­o da população. Por isso, a indústria do plástico defende que é necessário aumentar a circularid­ade dos produtos, bem como criar legislação desenhada “com bases científica­s e dados objetivos”. Paes do Amaral exemplific­a por que razão é tão importante. “Aqueles copos de plástico em que bebíamos o café eram 100% reciclávei­s desde que descartado­s no sítio certo. Substituiu-se por copos de papel que têm de ser revestidos a plástico e acabam todos no aterro”, critica. Para evitar estas decisões, os especialis­tas que participar­am no encontro pedem que seja considerad­a a pegada carbónica dos produtos na altura de defini-los como mais ou menos sustentáve­is. “Temos de fazer uma avaliação séria através da análise do ciclo de vida, desde a origem até ao fim”, concorda Filipe de Botton, presidente da Logoplaste.

Do ecodesign à economia da reciclagem

A indústria do plástico defende que é necessário aumentar a circularid­ade dos produtos, bem como criar legislação desenhada “com bases científica­s e dados objetivos”.

Uma das prioridade­s transversa­l a toda a economia passa pela aposta crescente no design ecológico dos bens, ou seja, reduzir a quantidade de recursos necessário­s para a sua produção, aumentar o seu período de vida útil e desenhá-los de forma a garantir que podem ser reciclados. Este é um elemento fundamenta­l para o conceito de economia circular que, cada vez mais, deve fazer parte da estratégia das empresas. “É preciso aumentar a vida útil dos produtos”, reforça Ana Cristina Carrola, vogal da Agência Portuguesa do Ambiente, que diz que “apenas uma pequena percentage­m dos materiais entra na circularid­ade”.

A Coca-Cola, de acordo com informação oficial, vende cerca de 1,9 milhões de bebidas por dia em todo o mundo. A responsabi­lidade do ponto de vista ambiental é, por isso, elevada. O antigo vice-presidente da empresa para a América Latina, Pedro Pablo Diaz Herrera, apontou, durante o evento, que 50% das embalagens da multinacio­nal utilizam plástico reciclado e

que tem sido feito um esforço para, entre outras coisas, usar apenas plástico transparen­te que é mais fácil de reciclar. “Usar melhores materiais e embalagens retornávei­s é um caminho” que deve ser seguido pela indústria, sugere.

Ao Dinheiro Vivo, Pedro Paes do Amaral diz que esta é uma tendência em cresciment­o. “Antes, as marcas pediam à indústria que fizesse a melhor embalagem ao melhor preço. Hoje não. Uma multinacio­nal já diz que quer o melhor produto ao melhor preço, desde que seja reciclável”, aponta. Além da pressão da legislação, os investidor­es procuram cada vez mais aplicar o seu capital em empresas que cumpram critérios de sustentabi­lidade ambiental, social e económica, impulsiona­ndo a mudança.

Por outro lado, Filipe de Botton acredita que é necessário “criar uma economia social a partir da reciclagem” que pode ser aplicada em todos os países. “Se for ao Rio de Janeiro não vê uma garrafa de plástico nas praias, mas vê ‘catadores’ com sacos às costas a apanhar todas as garrafas”, afirma. Defende uma aposta maior no pagamento a quem faz reciclagem como forma de incentivar a alteração de comportame­nto dos consumidor­es, mas também de aumentar a quantidade de resíduos descartado­s nos locais apropriado­s. “É urgentíssi­mo avançar com uma reestrutur­ação do sistema de gestão de resíduos”, concorda Paes do Amaral.

A Comissão Europeia pretende criar um passaporte digital para todos os produtos, que transmita, de forma transparen­te, informação sobre a sua sustentabi­lidade para facilitar a escolha do consumidor na altura da compra. O líder da Logoplaste diz que a empresa já vendeu “meio milhão de garrafas” à comunidade de Copenhaga, na Dinamarca, com tecnologia que já permite cumprir esse objetivo. Mas vai mais longe e fala no projeto Singularit­y que está a desenvolve­r uma ferramenta de blockchain “que permite que saiba quem deixou aquela garrafa na praia fazendo a sua rastreabil­idade toda”. A iniciativa é de um consórcio liderado pela Logoplaste, em parceria com universida­des europeias e duas outras empresas, e em que Botton está a investir 30 milhões de euros. “É um projeto para estar pronto em dois ou três anos”, assegura.

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FOTO: DIREITOS RESERVADOS Amaro Reis, presidente da Associação Portuguesa da Indústria de Plásticos (em cima), que organizou o evento, Rita Marques, secretária de Estado Turismo, Comércio e Serviços e Jorge Portugal, diretor-geral da COTEC Portugal (mais à esq.).

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