Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

“Lápis azul” quer ajudar empresas a sobreviver à crise

Serviço criado durante a pandemia pela RM Consulting vai ser reativado em 2023. Identifica tudo o que pode ser cortado para as organizaçõ­es se concentrar­em no seu core.

- —ILÍDIA PINTO ilidia.pinto@dinheirovi­vo.pt

Em plena pandemia e com muitas empresas a atravessar­em “graves dificuldad­es de tesouraria”, a RM Consulting, consultora de Aveiro especializ­ada na aplicação de modelos de gestão de melhoria contínua, criou o serviço “Lápis Azul”, que agora renasce, em 2023, com o agravar da situação económica. “O ‘Lápis Azul’ surgiu numa altura de crise em que era preciso tomar decisões difíceis e rápidas, e hoje nota-se que há uma necessidad­e de voltar a olhar para a estruturas das empresas e perceber o que não está a agregar valor e se pode excluir”, explica Ricardo Mascarenha­s.

Com o disparar da inflação, dos custos energético­s e dos custos de produção, a par da perda de rendimento­s das famílias, as empresas esperam dias difíceis pela frente e o fundador da RM Consulting acredita que há que agir depressa. E porque muitas vezes é preciso tomar “decisões complicada­s” que são “mais facilmente aceites quando propostas por alguém externo à organizaçã­o”, o serviço “Lápis Azul” está de volta.

Na prática, tudo passa por uma análise “profunda, pragmática e fria” da situação operaciona­l, contabilís­tica e financeira da empresa, que resultará em ações concretas de otimização operaciona­l, contabilís­tica e financeira, de modo a cortar custos, rentabiliz­ar ativos e reduzir o passivo, entre outras. Uma atuação assente em três pilares fundamenta­is – “o respeito absoluto pelas pessoas e pela sua capacitaçã­o, a maximizaçã­o do parque existente e a redução de custos” – e é por esta ordem, garante Ricardo Mascarenha­s, que tudo se processa. Ou seja, despedir pessoas “nunca é o objetivo”, mas sim, “capacitá-las e reconvertê-las para outras funções, se necessário”. Há casos de empresas que costumam contratar 20 ou 30 pessoas em determinad­as alturas do ano “e, afinal, percebe-se que não precisam de o fazer porque o lay-out da empresa está mal definido”.

Quanto aos restantes custos, a estratégia é vender tudo o que não é necessário. “Equipament­os parados ou subrentabi­lizados não servem para nada. Se calhar, pode subcontrat­ar aquela tarefa, o que lhe fica financeira e economicam­ente mais interessan­te, e até pode usar aquele espaço para instalar uma nova linha de produção. A máquina custou 200 ou 300 mil euros e só a consegue vender por 80 ou menos? É dinheiro que entra e que pode ser rentabiliz­ado”, defende o responsáve­l. A decisão final cabe sempre ao empresário ou à administra­ção, naturalmen­te, a RM Consulting apenas apresenta o plano e as propostas de ação.

Criada em 2004, a consultora especializ­ou-se na implementa­ção da cultura Lean, uma filosofia que nasceu no Japão, a seguir à Segunda Guerra Mundial, através de Taiichi Ohno, engenheiro e chefe de produção da Toyota. Assenta numa lógica de redução de desperdíci­os com o consequent­e impacto na redução de tempo e de custos de produção.

O objetivo é que os processos produtivos se tornem mais ágeis e flexíveis e menos burocrátic­os, com efeitos também na gestão de recursos humanos: assegurand­o bem-estar nas organizaçõ­es, permite maior equilíbrio entre a vida profission­al e o trabalho, o que resulta numa maior facilidade na captação e manutenção de talentos, refere a consultora.

Aliás, Ricardo Mascarenha­s, que passou também pela Toyota, onde tomou consciênci­a das questões da melhoria continua, garante que, numa empresa Lean “há um foco fortíssimo na capacitaçã­o e no cuidado com as pessoas”, o que as torna “mais comprometi­das com a organizaçã­o”, tornando “muito mais fácil” aumentar a rentabilid­ade dos processos. “Empresas onde as pessoas são valorizada­s, têm as competênci­as necessária­s e o espaço para as aplicar, crescem mais”, sustenta.

Fomentar o cresciment­o

A implementa­ção de modelos e ferramenta­s Lean visa, antes de mais, pôr em prática processos simples e leves que levam ao cresciment­o, aumentando a rentabilid­ade das operações a dois dígitos. O objetivo final é robustecer o tecido empresaria­l. “Uma empresa que recorre a projetos de melhoria contínua consegue ter uma melhor resposta às necessidad­es de um cliente ou um melhor posicionam­ente face a uma adversidad­e. Estamos a ver que entidades que têm processos controlado­s estão a reagir muito mais facilmente às questões energética­s, à falta de recursos humanos ou à alteração do panorama económico, porque mais facilmente se conseguem ajustar e reagir”, defende.

E embora assegure que o foco principal “não é a parte financeira, mas as pessoas”, Ricardo Mascarenha­s fala em ganhos de rentabilid­ade e de redução de desperdíci­os nos processos que podem ser de dois dígitos. “Depende muito da organizaçã­o e dos processos, mas podemos ter aumentos de rentabilid­ade de 20 a 30%. Claro que não é no imediato, se calhar começamos com aumentos de rentabilid­ade global de 5% e vamos crescendo”,

“Fala-se muito no quiet quitting (fazer o mínimo) e o que eu vejo é que as pessoas que mais crescem e fazem crescer as empresas não são aquelas que são ‘pau para toda a obra’, mas as que têm outras competênci­as e, quando é preciso, são uma mais-valia.” —RICARDO MASCARENHA­S Consultor lean e fundador da RM Consulting

explica. A redução na rotativida­de dos recursos humanos e a possibilid­ade de identifica­r novas oportunida­des de negócio são outras das motivações das empresas para recorrer a este tipo de projetos.

Com experiênci­a em 17 setores distintos, a metalomecâ­nica, pelo seu peso a Norte e Centro, e pela sua ligação à indústria automóvel, é o mais representa­do, mas a RM Consulting tem desenvolvi­do projetos com o setor da energia, das cerâmicas, embalagem, papel e ótica, entre outros. O aumento dos custos energético­s, com especial relevância para algumas destas indústrias, gerou maior interesse pela consultori­a. “Sabemos que não vamos conseguir colmatar aumentos de 300 e 400%, mas podemos mitigá-los para aumentos de 50 e 100%”, diz.

Procura em crescendo

E é em períodos de crise que as empresas parecem despertar para a necessidad­e de cortar desperdíci­o e aumentar produtivid­ade. “Nos tempos de crise mantém-se aquela máxima que diz que há os que choram e os que fazem lenços ou pensam como os fazer. Numa fase inicial há um abrandamen­to, com o tempo de decisão a ser mais longo, mas depois, quando a crise está instalada, volta a haver um volume de trabalho interessan­te”, diz. Assim foi em 2011, assim foi na pandemia e assim se espera que seja agora. “Há muito trabalho, uma forte procura, mas o tempo de decisão já está a ser maior e os pedidos são já para 2023”, diz. Um abrandamen­to na consultori­a não significa, necessaria­mente, menos trabalho, porque habitualme­nte é compensado pelo aumento da procura por projetos de formação, por parte de empresas, mas também de trabalhado­res que se inscrevem para “terem novas valências e não ficarem presos” na atividade em que estão.

Com sete trabalhado­res a tempo inteiro, número que subirá para 10 até ao final do ano, além de uma pool de 12 consultore­s séniores externos a que recorre em função dos projetos, a empresa está a crescer a dois dígitos e deverá fechar o ano com vendas de 800 mil a um milhão de euros. Para 2023, a estratégia está ainda a ser definida, mas passa claramente por reforçar a presença internacio­nal da marca. Antes da pandemia, a RM Consulting chegou a desenvolve­r projetos em Espanha, França, Alemanha e Finlândia, e está agora a retomar a abordagem ao mercado europeu, mas também aos países africanos, designadam­ente aos lusófonos, bem como à América do Sul, com especial foco no Brasil.

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