Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Vítor Ribeirinho “Quero duplicar a estrutura da KPMG Portugal até 2025”
Presidente da consultora há um ano põe o talento no centro da estratégia que lhe permitiu crescer 13% neste ano. Em tempos de incerteza, investir no país é uma prioridade que assume. Vê com bons olhos as contas certas, mas não a carga fiscal que retira competitividade às empresas. E crê que a solidez da banca aguentará a subida do malparado.
Vítor Ribeirinho é senior partner e há um ano presidente da KPMG Portugal, onde chegou há 30 anos. Formado em Contabilidade e Administração pelo ISCAL, passou pelo departamento financeiro da Jerónimo Martins e é Revisor Oficial de Contas desde 1999, sendo também membro do Conselho Superior da Ordem e perito contabilista em Angola.
Vivemos um cenário de enorme incerteza e já com alguns países em terreno recessivo. Está tão otimista quanto o governo para 2023 ou segue as preocupações de Bruxelas sobre o cenário macro muito marcado pela inflação? Era importante, antes de irmos às projeções para 2023, reter o que aconteceu em 2022 e há três dimensões que gostaria de destacar. A primeira tem que ver com a taxa de crescimento: temos tido capacidade de reagir; há algum arrefecimento ao longo dos trimestres mas vamos acabar em terreno positivo, os 6,7% são um indicador muitíssimo positivo. O segundo é o desemprego: vivemos quase em pleno emprego, com uma taxa de desemprego a apontar 5,8% no final do ano, e isso é também muito positivo. E, por fim, temos o fator de incerteza maior, que é a inflação. O governo é mais otimista, o FMI aponta para mais perto de 8%, mas há definitivamente uma indicação de que a economia em 2022 teve uma performance bastante positiva. Claro que a guerra e o seu impacto nos preços resultou neste arrefecimento, mas não se deve descurar o foco do que as empresas têm vindo a trazer, com aposta na inovação, no investimento. Em 2023, embora vamos crescer menos – é inevitável – é importante acreditar que vamos conseguir crescer, nem que seja um bocadinho, isso será positivo.
Bruxelas e FMI apontam para um crescimento português no próximo ano que é metade dos 1,3% estimados pelo governo... O investimento à boleia do PRR pode dar um empurrão?
Sim, julgo que aquilo que tem sido o motor do crescimento português, nomeadamente no pós-pandemia, já conseguiu repor os valores próximos do ano recorde de 2019, com uma recuperação muito mais rápida do turismo do que se esperava. Nesta semana tivemos mais boas notícias, com o Porto escolhido como destino global e acredito que o comportamento favorável das exportações será o que nos vai aproximar mais da visão otimista do governo. Por outro lado, o tema dos juros e da inflação é em si uma incerteza. Mas há uma verdade definitiva: o PRR e o que pode ser o seu impacto positivo em 2023 sobre a nossa capacidade de executar o programa são fatores competitivos que outros países não têm e que nós temos de capitalizar.
A prioridade do governo são as contas certas, a redução da dívida e a contenção do défice. Faz sentido, tendo em conta que o Pacto de Estabilidade está suspenso?
Há consenso global que o combate ao défice é um fator crítico de sucesso para a economia. É por si um objetivo que é importante continuar a perseguir e terá certamente impacto positivo na redução da dívida. Sobretudo se pensarmos que nos últimos dez anos vivemos, ao nível das taxas de juro – em particular para um país com o nosso nível de endividamento –, num oásis. As taxas que incidiram sobre a dívida permitiram que tivéssemos uma pequena folga. Claro que este aumento vai implicar que, mesmo com um rating favorável da República, mesirmos
mo com condições favoráveis para ao mercado levantar capital, a dívida vai aumentar. Por isso, o rigor das contas públicas terá de ser o fator crítico de sucesso, para que possamos cada vez mais evoluir daquilo a que chamo a terceira divisão da dívida na Europa e passarmos para um patamar em que estejamos mais confortáveis e sejamos vistos como bons alunos na gestão orçamental do país.
Este controlo foi feito com uma mudança na abordagem às con
tas públicas mas também há efeito da inflação. Reduzindo-se a inflação, pode manter-se?
“Temos uma carga fiscal que faz que as nossas empresas possam perder fatores de competitividade relativamente a congéneres internacionais.”
Há de facto um acompanhamento do governo relativamente à aplicação da política fiscal que em alguns momentos apelidamos de mais ou menos agressiva; obviamente que ela está sempre condicionada àquilo que é a capacitação do OE para assumir determinadas medidas. Mas a experiência e a informação do survey global anual da KPMG, o CEO Outlook, que vamos lançar nos pró
“O reflexo do malparado para a banca não terá um impacto particularmente negativo.” “Os bancos vão voltar a usar as comissões como fator competitivo para atrair clientes.”
ximos dias, dão-nos uma perspetiva quanto ao otimismo dos CEO portugueses e internacionais no que respeita às perspetivas de crescimento. E será sempre por aí o fator crítico que é o controlo da dívida e do défice. O crescimento que é necessário manter-se, mesmo que baixo, é importante para continuar a combater o flagelo da inflação.
A tributação das nossas empresas é uma dificuldade adicional à nossa competitividade? Relativamente à política fiscal, as preocupações da comunidade internacional com que vamos trabalhando colocam-se em três dimensões: a atração de riqueza, a retenção de talento e a importantíssima capacidade de trazer investimento internacional para cá. E as organizações internacionais, nomeadamente a OCDE, classificam Portugal menos bem em termos de competitividade no IRS e no IRC. De facto, temos uma carga fiscal que em alguns projetos faz que as nossas empresas possam perder fatores de competitividade e ser diferenciadas menos bem relativamente a congéneres internacionais. É uma matéria em que Portugal tem de trabalhar. O governo estará consciente dessa necessidade, de que a capacitação orçamental através do crescimento do PIB será certamente o fator critico de sucesso para nos permitir criar condições, particularmente no momento atual em que tanto se fala de deslocalização de empresas internacionais. Até pela conjuntura, não só económica mas geopolítica. Temos vários contactos com escritórios em outras cidades do mundo que estão a revelar interesse de empresas internacionais globais virem para Portugal, podemos captar investimento e dar mais emprego aos nossos jovens, atrair mais talento e ter mais oportunidades.
Para combater a inflação, o BCE começou a subir juros ao fim de 11 anos e muito mais rapidamente do que se esperava. Teme uma nova onda de malparado?
Muito se tem falado da função do BCE e dos outros bancos centrais, como a FED, e creio que todos concordamos que a função principal do BCE tem de ser essa, proteger o euro, estabilizar os preços e estabelecer uma política económica da UE que permita aos países o equilíbrio das suas contas públicas e o aumento da competitividade. A subida das taxas é inevitável, é o mecanismo dos bancos centrais para combater a inflação. A pressão sobre famílias e empresas vai aumentar, os juros, face ao comportamento atual dos bancos centrais, terão o pico algures em dezembro ou início de 2023, mas depois vem a tal incerteza que os próprios bancos centrais não conseguem resolver. A OCDE prevê que no quarto trimestre de 2023 as taxas de curto e longo prazo estarão entre 1% e 2,12%, o que seria uma boa notícia projetando uma inflação de 2%. Os modelos do Banco de Espanha projetam juros nos 2,25% a 2,5% – e só aí poderemos ter uma estabilização. Isto traz o desafio do malparado. Até agora vivemos com taxas de juro de zero ou até negativas e a banca, naturalmente, não teve nas suas contas quaisquer reflexos dum comportamento adverso de crédito malparado. Agora, há uma perspetiva razoável de o malparado aumentar.
Em 2024, teremos um contexto de juros mais altos e algum malparado, mas não é preocupante?
Acho que não. Tenderia a dizer que vamos estabilizar as taxas num nível equilibrado: 2%/2,5%, com maior equilíbrio ao nível da inflação. E aí teremos capacidade de gerir melhor o nosso orçamento. Há uma substancial diferença entre o momento atual e o que vivemos no pré-troika, porque então a banca tinha critérios de concessão de crédito menos rigorosos num contexto de expansão. O crédito hoje é de qualidade diferente, os critérios mais robustos, os bancos têm rácios de liquidez, de solvabilidade e de transformação dos seus depósitos absolutamente mais favoráveis. Portanto, acredito que o reflexo do malparado para a banca não terá um impacto substancialmente negativo – até porque a banca vive bem com o crescimento das taxas de juro, as margens são mais interessantes e apelativas. Vamos observar em 2023/2024 um voltar atrás, mas a fotografia não tem a mesma cor – ainda assim, trará algum efeito negativo aos preços do imobiliário, nomeadamente no médio e baixo rendimento. Acredito que o comportamento das taxas de juro pode ser adverso no próximo ano e depois estabilizar, mas em níveis que não serão os do primeiro trimestre de 2022.
E as comissões bancárias para onde deviam caminhar?
Antes do euro, a banca vivia essencialmente de duas fontes de rendimento: a margem financeira (créditos tipicamente com taxa de juro elevada) e o nível de serviço prestado. E quando íamos fazer um crédito, o banco, para nos atrair, isentava-nos de comissões, era um fator competitivo. A banca teve de transformar isso porque as margens desapareceram, as operações de venda de moeda também (os bancos ganhavam muito dinheiro antes do euro a comprar e vender divisas), ou seja, as fontes principais de rendimento foram secando. E as comissões acabam por assumir um papel muito importante na rentabilidade. O que acredito é que serão de novo, num futuro próximo, um fator competitivo de atração do cliente. Os bancos vão usar esse mecanismo para compensar o peso que as pessoas passarão a ter no rendimento com o crescimento dos juros – o rendimento voltará a vir da margem.
E como vê a discussão sobre mais uma taxa extraordinária sobre os lucros da banca?
O problema é que elas já são ordinárias, transformaram-se num comportamento regular de taxação dos bancos. Honestamente, neste momento, os bancos têm de continuar a desempenhar um papel a que o governo tem vindo a apelar, construtivo e positivo, de apoio às famílias – mas têm de cobrar pelos serviços, ser rigorosos nos investimentos e nos créditos. Há que ter presente que os bancos, nos anos da troika, viveram uma desnatação da posição natural dos acionistas. Durante muitos anos, a banca teve de fazer sacrifícios, congelar salários e promoções, teve dividendos muito abaixo do padrão. A banca fez o seu percurso, é natural que possa continuar a desempenhar o seu trabalho, mas tenho dificuldade em aceitar que se penalize um setor que vive muitos desafios para ser eficiente. A banca precisa de ter condições para continuar a ajudar-nos a sair desta situação, nomeadamente nos investimentos que as nossas empresas fazem e de que necessitam para serem competitivas.
A KPMG definiu um plano de compromisso global, em direção a um futuro consciente e mais próspero, focado nas pessoas e no planeta. Que plano é esse?
O meu primeiro ano económico como CEO terminou a 30 de setembro e o que planeámos para os próximos cinco anos (o meu mandato) é um foco inabalável em dois fatores inegociáveis na nossa casa: confiança e eficiência, porque é uma atividade que vive da qualidade dos seus trabalhos. A segunda dimensão são as pessoas. É a nossa estratégia integrada ao nível das três áreas de negócio, consultoria, fiscalidade e auditoria. Há uma visão mais integrada e acima de tudo homogénea, consistente entre as três functions. E as pessoas estão no centro da nossa atividade e estratégia. Iniciámos este mandato com cerca de 1100 pessoas, atingimos um ano depois perto de 1450 – tivemos contratações recorde neste ano e conseguimos na maior parte das áreas reter talento. A terceira dimensão tem que ver com o posicionamento no investimento. Fechámos este ano a crescer 13% – duas vezes o crescimento histórico português –, apesar desta maturidade de 45 anos, e crescemos a dois dígitos nas três áreas de negócio.
E esse crescimento vem de onde?
Vem sobretudo do investimento nas pessoas, desta pool de talento de jovens que atraímos todos os anos, mas também do investimento na inovação, incontornável para nós. A Web Summit, a que a KPMG está associada desde a fundação e tem um papel importante, é para nós um momento de afirmação da capacidade nacional de apostar na tecnologia, na inovação, no desenvolvimento de novas ideias, na digitalização da economia. E isso para mim tem sido reflexo de que Portugal está no caminho certo relativamente à sua afirmação em inovação e tecnologia. A minha preocupação vem do CEO Outlook porque os sinais fazem que os CEO considerem que é importante reavaliar a sua vontade de continuar a investir (30%) e entre os que ainda não o ponderam 40% irão fazê-lo nos próximos seis meses. Na KPMG acredito que estamos no caminho certo: estamos a apostar num processo de descentralização de operações – o talento não pode ser só de Lisboa e Porto. Estamos a trabalhar com a KPMG internacional no desenvolvimento de um centro de excelência na área de low code a ser desenvolvido a partir de Portugal e já concluímos que podemos fazê-lo aqui, mas abrangendo todo o país. Estamos a trabalhar na abertura de um hub tecnológico em Évora que permitirá a quem vive na região trabalhar numa multinacional como a KPMG, em projetos à escala global, sem ter de sair dali. Portanto, o nosso foco são as pessoas e acreditamos que é o caminho para continuar a crescer dois dígitos. E temos ambição de, nos próximos três anos, conseguirmos duplicar a estrutura atual.
Estão a recrutar quantas pessoas por mês?
Até 2020, cerca de 200 jovens, mas neste ano foram 450 pessoas. Somos um contribuinte ativo para os níveis de emprego no país e continuaremos a sê-lo. Como disse, tenho a ambição de duplicar a dimensão da KPMG Portugal.