Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

“Comprei o meu descanso com os meus filhos”

Entre a consultori­a e a produção de vinhos, João Portugal Ramos totaliza quatro décadas de experiênci­a. Assume que está a passar o testemunho à geração seguinte.

- —FÁTIMA FERRÃO dinheirovi­vo@dinheirovi­vo.pt

Quando rumou ao Alentejo, em 1980, o jovem engenheiro agrónomo, João Portugal Ramos, levava na bagagem o sonho de um dia produzir os seus próprios vinhos e a ambição de deixar a sua marca e legado naquela que é hoje uma das áreas mais competitiv­as do setor agrícola nacional. Escolheu Estremoz, a zona que considera “um Alentejo mais fresco”, pelo potencial que antevia àquele terroir. Na altura, a região tinha uma quota de 2% no mercado de vinhos nacional. Atualmente, tem um peso de mais de 40%. Passaram quatro décadas e o jovem enólogo cumpriu o seu desejo: João Portugal Ramos é hoje um nome incontorná­vel no mundo dos vinhos – há quem lhe chame o pai dos néctares alentejano­s modernos e embaixador da região –, comerciali­za mais de 30 referência­s próprias, divididas por quatro regiões (Alentejo, Douro, Beiras e Verdes), aventurou-se no Vinho do Porto e nos espumantes e, mais recentemen­te, adquiriu a centenária aguardente CR&F.

Com a simpatia e a boa disposição que o caracteriz­a, João Portugal Ramos recebeu o Dinheiro Vivo na Adega Vila Santa, em Estremoz, onde aos poucos começou a construir a sua história. Ali nasceu, em 1992, o primeiro vinho próprio – Vila Santa –, referência que se mantém até hoje no portfólio. Numa conversa que começou no escritório da Adega, e que se prolongou à mesa do almoço, o produtor e enólogo recordou os primeiros tempos, as dificuldad­es que encontrou, os obstáculos que ultrapasso­u, mas garante que voltaria a fazer tudo de novo. Hoje, confessa que está a passar o testemunho à geração seguinte e que se não tivesse continuida­de teria vendido a empresa. “Comprei o meu descanso com os meus filhos”, assume, afirmando-se realizado com o caminho que percorreu nas últimas três décadas. Ainda assim, destaca a vontade de “deixar uma empresa mais limpa

do ponto de vista de rácios financeiro­s, e mais saudável”.

Da consultori­a aos hectares que deram início ao sonho

O trabalho de João Portugal Ramos no Alentejo começou pela consultori­a aos produtores da região de Estremoz que, no início dos anos 80, somavam pouco mais do que os dedos de uma mão. Dedicou-se igualmente a elevar a qualidade dos vinhos produzidos pelas adegas cooperativ­as locais, dando relevo ao papel do enólogo e às castas autóctones da região, e alterando para sempre o paradigma da produção de vinho. Um trabalho de tração que levou anos a consolidar, mas sem nunca perder de vista o objetivo de se lançar como produtor.

Sem terra própria, adquiriu aos poucos os 50 hectares que lhe

eram exigidos para produzir vinho. Os primeiros cinco em 1989 – as vinhas velhas que hoje dão origem a alguns dos seus néctares premium –, e os restantes 45 nos três anos seguintes. “A primeira grande dificuldad­e com que me deparei foi arranjar hectares de vinha que não estivessem debaixo da alçada das adegas cooperativ­as, e que fossem vinhas novas”, revela. Os primeiros vinhos foram produzidos em adegas alugadas até que, em 1997, nasceu a Adega Vila Santa. “Nesse ano recebi 400 toneladas de uva e comecei a perceber que já tinha que crescer”, recorda.

Para trás ficou a consultori­a porque, reconhece, “não queria competir com quem me pagava o ordenado”. Até 1997, o vinho produzido em nome próprio não era, por decisão de João Portugal Ramos, comerciali­zado em Portugal. Começou

por vender no mercado sueco, o seu mais importante destino de exportação até hoje, e, conta-nos com orgulho, “logo no primeiro ano voaram cinco mil garrafas”. No mercado nacional, as suas uvas deram origem, em 1994, à primeira parceria com o Pingo Doce, um desafio a que não conseguiu dizer que não, e uma ligação que mantém “com muito gosto”.

Sustentabi­lidade no ADN

A palavra sustentabi­lidade entrou no léxico dos portuguese­s à medida que as alterações climáticas impunham as suas mudanças. No entanto, para João Portugal Ramos, esta foi sempre uma preocupaçã­o que, acredita, “faz parte do nosso ADN como agrónomos”. Reconhece, apesar disso, que os tempos exigem melhorias, muitas com o apoio da tecnologia. A utilização da água é um dos exemplos que aponta: “Gastávamos cinco ou seis litros de água para produzir um litro de vinho, do campo à adega. Hoje gastamos metade”. Reciclagem e precisão na rega são algumas das mudanças obrigatóri­as com a crescente falta de água, especialme­nte no Alentejo, que afeta inevitavel­mente a produção de uva. “Em 2020/2021 a média que tivemos foi de quatro mil quilos por hectare, e deveria ser o dobro”, diz o enólogo que acrescenta: “A falta de água gera várias deficiênci­as hídricas, os poços secam, e este ano foi dramático”.

Ainda assim, João Portugal Ramos reconhece que a vindima de 2022 foi razoavelme­nte satisfatór­ia. A chuva a meio de setembro veio melhorar o ano agrícola, mas obrigou a acelerar a apanha para evitar uvas menos sãs, e conseguiu superar o ano de 2020, menos positivo do que 2021.

Com o negócio a crescer de forma sustentada, o empresário reconhece a força que o vinho português tem ganho nos últimos anos. “As distribuid­oras internacio­nais estão mais atentas aos vinhos portuguese­s”, assegura. Contudo, defende que o preço continua baixo para a qualidade produzida e acredita que “no futuro será mais fácil vender os vinhos portuguese­s lá fora por valores mais justos”.

Trinta anos depois do primeiro néctar, a paixão do enólogo mantém-se e pensar cada vinho continua a ser um desafio como no primeiro dia. João Portugal Ramos não se imagina a fazer outra coisa e, mesmo com o legado que está a passar aos filhos, quer manter-se por perto. O que lhe falta fazer no vinho? “Acho que já fiz muito. Quero consolidar o negócio e estou atento a oportunida­des, mas agora a decisão já não é só minha.”

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FOTO: RITA CHANTRE/GLOBAL IMAGENS João Portugal Ramos numa das mais emblemátic­as vinhas da região, em Estremoz.

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