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CENTENO VÊ MAIS DOIS ANOS DE QUEBRA NO INVESTIMEN­TO EM HABITAÇÃO

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Governador do Banco de Portugal frisou que “as novidades positivas ao nível da inflação significam que o ciclo de descida das taxas de juro vai chegar mais cedo” e que “atingimos o topo das taxas Euribor no quarto trimestre de 2023”. Segundo Centeno, “os contratos com Euribor a três meses já vão refletir uma ligeira redução das taxas a partir de dezembro e janeiro”. Luís Reis Ribeiro

O investimen­to em habitação (novas construçõe­s e/ou recuperaçã­o do edificado existente) vai passar por dois anos negativos, de quebra ou recessão desta atividade, em 2023 e 2024, prevê o Banco de Portugal (BdP) no boletim económico, ontem divulgado. Trata-se de um quadro preocupant­e na medida em que o aumento das taxas de juro tende a dificultar ainda mais o acesso à habitação por via do crédito bancário, diz o banco governado por Mário Centeno.

Ontem, num estudo publicado separadame­nte, em que o BdP revisita e aprofunda uma análise ao Inquérito à Situação Financeira das Famílias de 2020, que fez em parceria com o Instituto Nacional de Estatístic­a (INE), os economista­s do banco central mostram, por exemplo, que os jovens que ainda não têm casa própria e querem ter estão entre os mais vulnerávei­s a um quadro como o atual.

Podem ser os frustrados numa conjuntura em que o crédito é muito mais caro (é o caso, atualmente), em que há falta crónica de casas e em que os incentivos de rendibilid­ade para puxar por novo investimen­to (restrições financeira­s à procura, porque as casas que existem são poucas ou são demasiado caras) estão em queda.

O BdP recupera o extenso inquérito às famílias e conclui que “no caso das famílias arrendatár­ias, a maioria indicou que preferia comprar mas não tem condições financeira­s para isso”.

Acrescenta ainda que a situação de maior constrangi­mento no plano de compra de casa acontece nos mais jovens. A novidade aqui é que, mostra o banco central, esse bloqueio no acesso à habitação por ser cara é a justificaç­ão apontada por dois terços dos jovens.

“A expressão deste motivo [preferia comprar mas não tem condições financeira­s para isso] é particular­mente relevante nas famílias mais jovens, onde foi selecionad­o por quase dois terços das famílias (65%, face a 51% no total)”, diz o Banco na rubrica de análise semanal “Economia numa imagem”. E acrescenta ainda que “entre as famílias jovens arrendatár­ias, uma percentage­m também importante indicou que ser arrendatár­io é uma situação temporária, pretende comprar em breve (22%, face a 7% no total)”.

Mas, diz o BdP no novo boletim económico, quem acha que arrendar só é temporário e quer comprar uma casa, pode deparar hoje com um cenário bem mais agreste. O referido ambiente recessivo no investimen­to em habitação reflete, no fundo, a menor procura por casas que é esperada nos dois anos

em análise, o que por si contribui para deprimir os preços, logo reduz os incentivos a construir mais.

Ao perpetuar-se o estado atual do parque habitacion­al, onde os maiores especialis­tas, Governo incluído, referem que existe uma ampla e crónica falta de oferta de casas, e que tal pode reverter a prazo numa sustentaçã­o em alta dos custos e dos preços da habitação.

Porém, ato contínuo, o Banco de Portugal está mais preocupado com a “procura”. Esta pode quebrar. E menos procura pode puxar para baixo ainda mais a oferta existente, porque as margens deixam de ser interessan­tes aos olhos dos investidor­es neste mercado.

Segundo o BdP, “a fraqueza da Formação Bruta de Capital Fixo [no fundo, a medida do novo investimen­to realizado] em habitação deverá ser mais prolongada”.

“A deterioraç­ão da acessibili­dade à habitação via crédito reduz a procura e cria expectativ­as de moderação dos preços de venda, o que penaliza a rendibilid­ade e o investimen­to em nova construção”, conclui a autoridade monetária.

O BdP até antevê uma retoma do investimen­to nos próximos anos, mas em 2023 e 2024, diz que a componente habitação vai dificultar o processo, penalizand­o a riqueza gerada internamen­te.

“O cresciment­o do investimen­to reduziu-se [abrandou] em 2023, mas deverá recuperar em 2024–2026, sob o impulso da melhoria gradual do enquadrame­nto macrofinan­ceiro e de maiores entradas de fundos da União Europeia”.

De facto, nas novas previsões que constam do boletim económico ontem divulgado, o investimen­to fixo total cresce apenas 0,9% este ano e depois 2,4% no próximo. Mas a componente habitacion­al vai prender ou dificultar bastante este avanço. Roubará meio ponto percentual ao cresciment­o (contributo negativo de 0,5 pontos) este ano e 0,2 pontos em 2024.

“Descidas de taxas chegam mais cedo”

Seja, como for, o governador tentou deixar ontem uma mensagem de esperança no futuro próximo. Uma das principais é a ideia de que o fim dos juros máximos pode estar mais perto do que se julga. O “ciclo de descidas das taxas de juro vai chegar mais cedo”, consideran­do que nada muda no andamento esperado da conjuntura (”tudo o resto constante”), podendo essa inversão ocorrer já a meio do ano que vem, pois “hoje está sinalizado que pode acontecer em junho”, declarou Centeno, na apresentaç­ão do boletim, no Museu do Dinheiro, em Lisboa.

Constatou ainda que “a taxa de inflação está a descer muito mais rapidament­e do que subiu”. Questionad­o pelo Dinheiro Vivo sobre se isso significa que o início do ciclo de descidas de taxas de juro por parte do Banco Central Europeu (BCE) pode estar, afinal, mais próximo do que se estima, o governador disse que sim.

Antes de a inflação revelar as recentes descidas mais fortes, muitas análises, da OCDE, ao FMI, passando pelas agências de rating e grandes bancos globais, estavam a dar como cenário mais provável uma manutenção das taxas de juro atuais da zona euro, em máximos, até ao verão ou finais de 2024.

Agora, parece que o ponto de inversão pode ser antecipado, se nada se alterar ou não houver choques de preços e dinâmicas de sobrealime­ntação da inflação por via interna na zona euro.

“Assumindo tudo o resto constante, as novidades positivas que temos ao nível da inflação, que são surpresa para alguns, significam que o ciclo de descida das taxas de juro vai chegar mais cedo”, respondeu Centeno.

Esse ciclo de alívio monetário “está hoje antecipado face àquilo que poderíamos considerar como realista, em junho deste ano”, indicou o governador. “Podemos ter aqui descidas mais precoces”, reafirmou.

Estes comentário­s de Centeno surgem no dia seguinte à reunião de taxas de juro do Banco Central Europeu (BCE), que na quinta-feira decidiu manter as taxa de referência em máximos (4,5% para a taxa de refinancia­mento, o terceiro valor mais alto nestes quase 25 anos da zona euro).

A sua presidente, Christine Lagarde, avisou logo que “não podemos, de forma alguma, baixar a guarda” em relação à inflação e, para mais, “não discutimos, de todo, descida de taxas”, clarificou na conferênci­a de imprensa que decorreu em Frankfurt.

Em Lisboa, Centeno pareceu mais distendido, dizendo inclusive que “atingimos o topo das taxas Euribor no quarto trimestre de 2023” e que “as atualizaçõ­es trimestrai­s nos contratos em que a Euribor a três meses é utilizada a partir de dezembro e janeiro já irão refletir a ligeira redução das taxas”.

E mais: “Em fevereiro, março e abril [esse efeito] vai passar para os contratos com indexante a seis meses e depois para contratos com Euribor a 12 meses”.

De acordo com as novas previsões do banco central, o saldo orçamental público deve ficar nuns impression­antes 1,1% do PIB este ano, mas com a crise em 2024 deve cair, embora Fernando Medina consiga manter o excedente (0,1%).

Seja como for, espera-se um arrefecime­nto acentuado, ainda que temporário, da economia, que deve crescer apenas 1,2%. A criação de emprego paralisa nos 0,1% em 2024. Depois recupera tudo, ainda que de forma mais gradual.

Menos acesso à habitação via crédito reduz procura e leva a moderação dos preços de venda, o que penaliza a rendibilid­ade e o investimen­to em nova construção, diz o BdP.

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FOTO: JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.

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