Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Correr contra a ternura

- ALBERTO CASTRO Economista e professor universitá­rio

Oaumento do número de licenciado­s é o maior sucesso político dos últimos 20 anos e, porventura, o melhor exemplo da incapacida­de política dos últimos 20 anos. Não se trata da diminuição do valor médio das remuneraçõ­es auferidas pelos licenciado­s. A lei da oferta e da procura explica parte dessa dinâmica, quer pelo aumento do número, quer por o “produto” não ser estritamen­te comparável (licenciatu­ras de cinco versus três anos). Também não estou a falar da putativa emigração em massa dos licenciado­s (tão grande que seriam mais do que o total de emigrantes!) que o INE (à míngua de pessoas qualificad­as?) tardou em explicar. Estou a falar disso tudo e mais alguma coisa!

Para haver procura, quem vende tem de oferecer algo a que se reconheça utilidade. Se eu não souber conduzir, não reconheço grande utilidade em ter um automóvel. Uma empresa que não usa, ou usa pouco, trabalho qualificad­o não lhe verá a utilidade suficiente para o remunerar bem. As coisas podem, contudo, mudar. No primeiro caso, posso contratar um motorista. No segundo, recrutar alguém para gerir a empresa que tenha horizontes nos quais caibam gente mais habilitada.

Entretanto, as pessoas vão “escolhendo com os pés”, emigrando, algo muito mais fácil hoje com a livre circulação de pessoas e de informação. Os críticos dirão que andamos a desperdiça­r recursos, treinando os nossos jovens para países terceiros. No curto prazo, é verdade. O desafio é criar condições para que tal deixe de acontecer, pelas boas razões: encontrar cá alternativ­as que reconheçam o valor do que está a ser oferecido. É esse o caminho certo, no longo prazo. No qual, estamos todos mortos!

20 anos começa a ser um período longo. Mudou a oferta, mas pouco mudou a procura. Porque vivemos no curto prazo e o imediato, e o clubismo, imperam na política e nas políticas. Na retórica, as medidas tudo mudam. Na prática, para tudo ficar na mesma. Ao contrário da canção, não há “coragem de correr contra a ternura”. Protege-se, procrastin­a-se. Adia-se o futuro, como se ele não viesse a acontecer. Em pior. O futuro é agora?

“Os críticos dirão que andamos a desperdiça­r recursos, treinando os nossos jovens para países terceiros. No curto prazo, é verdade.”

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