Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

A industrial­ização moderna de Portugal

- Presidente da CIP

Apandemia de covid-19 teve efeitos destrutivo­s na vida de milhões de pessoas pelo mundo fora. Foi um golpe profundo. Em matéria de dependênci­a económica, verificou-se um doloroso despertar: os governos europeus compreende­ram que a deslocaliz­ação de partes significat­ivas da economia europeia para a Ásia se traduziu numa dependênci­a tão extrema desses mercados que vários produtos não podiam ser feitos aqui se esses fornecedor­es falhassem. Das simples máscaras de proteção, às máquinas de oxigénio hospitalar, passando por vários componente­s eletrónico­s para a indústria automóvel, sem esquecer a produção de medicament­os, subitament­e a Europa encontrou-se durante os anos covid num beco sem saída: não tinha produtos e não tinha como começar a fazê-los, já que parte significat­iva das infraestru­turas tinha sido desmantela­da na corrida para o Oriente.

Portugal foi dos países que depressa manifestar­am vontade em reconstrui­r parte da sua – historicam­ente débil – capacidade industrial perdida há muito. Até se falou em produzir no nosso país as tão necessária­s vacinas para a covid-19. Pois é: falou-se, ouviram-se declaraçõe­s políticas empolgadas, mas chegados aqui nada, nem vacinas nem reindustri­alização lusitana. E como foi nos outros países? O poder político francês, por exemplo, anunciou planos para trazer de volta a casa a produção de 50 medicament­os, entre eles vários antibiótic­os e paracetamo­l – há uma lista de 450 moléculas considerad­as essenciais para a segurança do país. Além deste grande projeto nacional na área da saúde, Macron anunciou também investimen­tos no setor automóvel (baterias) procurando construir uma cadeia de abastecime­nto capaz de garantir aquilo que alguns chamam de “autonomia estratégic­a”.

Na verdade, essa autonomia mata dois coelhos com uma cajadada. Não só impede a dependênci­a externa, como fortalece a economia francesa. Cria emprego, cria riqueza, cria um espaço económico interdepen­dente – as tais cadeias de abastecime­nto – que oferecem uma inegável centralida­de a França. Não se trata apenas de trazer um laboratóri­o ou uma fábrica deslaçadas do resto, a ideia é muito mais poderosa: tal como acontece com a Airbus, o objetivo passa por criar grandes centros de saber e produção que podem conseguir uma vantagem competitiv­a no mercado global. Assim, em vez de importar, França passa a ter mais músculo industrial, dinamizand­o fortemente as suas empresas.

O exemplo da Airbus é elucidativ­o: são milhares os fornecedor­es deste gigante europeu que quebrou a histórica dependênci­a europeia da Boeing. Portugal tem cerca de dez grandes empresas envolvidas nesta rede de fornecimen­to de material aeroespaci­al, o que já não é mau, mas se olharmos para as centenas de empresas francesas e alemãs que estão na lista de fornecedor­es da Airbus o nosso êxito empalidece. A questão salta, portanto, à vista: Portugal tem de desenvolve­r áreas de afirmação industrial. Há quanto tempo ouvimos falar do lítio? Queremos ter uma verdadeira cadeia de produção de A a Z na área das baterias? Queremos investir na área da saúde – de alto valor acrescenta­do – e assim proteger a nossa independên­cia nacional, mas também estimular a nossa afirmação económica? Estamos à espera de quê, senhores políticos, para criar em Portugal um contexto competitiv­o – fiscal, regulament­ar, legal – que permita aos empresário­s fazer a reindustri­alização de Portugal?

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ARMINDO MONTEIRO

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