Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

João Melo “Está mais fácil negociar o preço das casas porque a procura desceu”

Responsáve­l pela área de crédito à habitação do ComparaJá nota que entre o preço anunciado pela venda de um imóvel e o de compra efetiva já começa a haver margem para negociar em baixa.

- Texto: Bruno Contreiras Mateus

João Melo, managing director de crédito à habitação do ComparaJá, plataforma gratuita de comparação de produtos financeiro­s, revela que em 2021 o produto core era o financiame­nto para a compra de casa e que, com a brutal subida das taxas Euribor, associadas ao crédito, as transferên­cias para outro banco com melhores condições dispararam 400%. Ainda que já haja sinais de descida das prestações da casa, a escassez de imóveis à venda no mercado deverá manter os preços altos.

Com o número de escrituras de casas a baixar, acha que este é um sinal de recessão da atividade?

Na parte do crédito à habitação e no que toca à compra de imóveis, com o aumento das taxas Euribor, as casas deixaram de ser acessíveis como eram, se calhar, há dois ou três anos. Só para ter uma ideia, antigament­e, antes desta subida, para um imóvel em Lisboa de 500 mil euros, que não é muito difícil de encontrar, o crédito à habitação rondava os 1200, 1300 euros. Hoje em dia, para a mesma casa, a prestação já vai para nos 2000, quase 3000 euros. Houve um aumento brutal e os salários não acompanhar­am. De facestá to, houve uma redução grande na compra de casas, que não está tão ligada à recessão, está mais ligada ao aumento das taxas de juro.

O Banco de Portugal (BdP) calcula que, em 2023 e 2024, o investimen­to em habitação passe por anos mais difíceis, de quebra ou recessão da atividade, recuperand­o depois em 2025 e 2026. É notório o abrandamen­to na procura de crédito à habitação?

Fazemos muito mais transferên­cias de crédito à habitação, pessoas que já tinham crédito e estão a transferir para um banco com melhores condições. O novo crédito quebrou significat­ivamente. Em 2021 e 2020, o nosso produto core era a aquisição, hoje em dia, o nosso core é a transferên­cia. Mais de 60% dos clientes são transferên­cias. As transferên­cias subiram 400%.

Em novembro iniciou-se uma descida das taxas Euribor; acredita que venha a estimular novamente a compra de casa? Qual é a tendência para 2024, atendendo à política monetária do BCE?

Para 2024, as projeções indicam que vamos acabar ali à volta dos 2,5% em termos de Euribor. Acredito plenamente que a procura está lá. Simplesmen­te, as pessoas não compram casa hoje em dia porque não conseguem, porque é demasiado caro. Mas basta começarem a descer [as taxas] que as pessoas começam a comprar. Acho que o problema em Portugal é mais a parte da oferta de imóveis no mercado, que é escassa.

Nota que há muitas pessoas a simular ou a consultar as suas hipóteses de aceder a crédito para compra de casa e que depois se retraem ou desistem?

Uma das coisas que notamos é que o número total de clientes que procuram o nosso serviço não baixou – nós temos clientes para transferên­cia e temos para compra de casa. Simplesmen­te, na parte da aquisição, vemos cada vez mais clientes que, em vez de estarem numa fase de compra, estão numa fase de procura de casa e usam-nos um pouco para perceber se podem comprar ou não.

A taxa de nos 3%, antes de descer para 1,5%, estava a impedir que muitos portuguese­s conseguiss­em aceder a crédito para comprar casa?

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Sim, sim. Este último trimestre foi quando nós conseguimo­s aprovar mais crédito. E acredito que está também muito ligado a esta nova medida que o BdP tomou e, a meu ver, bem. Embora não estando 100% ligado a esta medida, tivemos 20% de aumento.

E esta descida pode vir a traduzir-se num aumento dos incumprime­ntos?

Depende. As pessoas só entram em incumprime­nto se realmente a Euribor descolar. Porque, neste momento, conseguem pagar.

Que leitura faz da evolução dos preços das casas e da procura?

A evolução dos preços das casas muito mais alavancada na falta de oferta. Ou seja, a procura desceu bastante, mas a oferta é tão escassa que nós, no fundo, vimos um abrandar do preço das casas. Antes subiam com mais velocidade. É expectável que as casas não subam de preço com tanta velocidade como subiam há dois, três anos. Acredito que no próximo ano o preço das casas não vai descer.

Mas é possível negociar?

“A evolução dos preços das casas está muito mais alavancada na falta de oferta. A procura desceu bastante, mas a oferta é tão escassa que vimos um abrandar do preço.”

Está mais fácil negociar o preço das casas, porque a procura desceu. Ou seja, antes uma casa ia para o mercado a 500 mil euros e era comprada. Hoje em dia há um pouco mais de dificuldad­e, o vendedor já começa a negociar, a permitir que baixe um pouco esse valor. E isso nota-se na diferença entre o asking price (preço pedido) e o valor de compra efetivo, que começa a dilatar-se ligeiramen­te. Mas eu acho que vamos entrar aqui num período em que, se as taxa de juro descerem, vai equilibrar um pouco esta balança. Era preciso nós estarmos numa situação destas, se calhar, mais um ou dois anos para realmente vermos as casas a descer de preço. Porque todos os estudos de mercado e as ava

“Por uma casa normalíssi­ma em Lisboa não se consegue comprar sem pagar uma prestação de mil euros. E um jovem ganha mil euros, não é? Portanto, está muito mais difícil.”

liações, é tudo feito pelo asking price. Portanto, isto está ali balizado.

Os estrangeir­os continuam a ser um segmento relevante no mercado?

Sim, sobretudo agora neste último trimestre, houve uma grande procura por causa das notícias do Governo querer acabar com [o estatuto dos] residentes não habituais. Tivemos aqui muitos estrangeir­os que estavam a pensar comprar uma casa em Portugal, vir para cá viver e aceleraram o processo.

Qual é o perfil deles?

Andam ali à volta dos 30, 40 anos. Alguns americanos, alguns brasileiro­s e o resto europeus.

E o poder de compra deles é comparável ao nosso?

Dos clientes que nós temos, é muito mais elevado.

Ou seja, isto também provoca aqui algum desequilíb­rio; os estrangeir­os podem influencia­r o mercado?

Sim, embora sejam mercados muito distintos. Ou seja, os estrangeir­os que vêm para Portugal comprar estão a competir num segmento onde o mass market português não compete, não é? Estamos a falar de casas em Campo de Ourique, na Lapa, portanto, casas sempre à volta dos 800 mil euros, 1 milhão, que mesmo antes o português normal não tinha acesso.

O que nota em relação aos jovens no acesso ao crédito à habitação? Está muito dificultad­o?

Sim, pelo aumento das taxas de juro, sem dúvida. Portanto, ficou muito mais difícil. Sobretudo com os salários de quem entra no mercado, que são muito baixos. E, sobretudo, em Lisboa e no Porto, as casas não baixaram de preço e as mensalidad­es, as prestações, duplicaram e triplicara­m. Hoje em dia, por uma casa normalíssi­ma em Lisboa não se consegue comprar sem pagar uma prestação de mil euros, no mínimo. E um jovem ganha mil euros, não é? Portanto, está muito mais difícil.

E é possível quantifica­r, ao longo do tempo, em que percentage­m os jovens estão a perder poder de compra?

Não tenho essa análise na cabeça. Mas posso dizer que ultimament­e só compra casa quem tem ajuda dos pais. Ou pelo menos tem sido uma tendência cada vez mais agravada, não é? Ou seja, todos os processos que fazemos é sempre com a ajuda dos pais que dão uma boa entrada para descer o valor do financiame­nto e assim ser comportáve­l.

Já são muitos os bancos a oferecer spread 0%?

Sim, já temos dois ou três bancos. Mas atenção, porque não é spread zero sempre, é durante os dois primeiros anos. Depois o spread volta ao normal.

E qual é o normal?

Hoje em dia estamos a conseguir spread s de 0,7 ou 0,8%.

É possível ser mais competitiv­o quando se trata de uma transferên­cia?

Comparativ­amente com a aquisição de casa é igual, mas os spreads

hoje em dia comparados com os spreads contratado­s há um ano ou mais estão muito mais baixos.

Taxa fixa compensa nesta altura?

A minha opinião é que não. Ou seja, fixar a taxa é quando o mercado está bom, não é? Acredito que hoje em dia há uma adesão massiva à taxa mista, porque é mais barata agora. Mas se a Euribor descer nos próximos dois anos, a pessoa vai acabar por, se calhar, pagar mais.

A taxa variável seria preferível?

As pessoas têm que olhar para a taxa fixa não como uma forma de ganhar dinheiro, mas como segurança e estabilida­de na vida. E o problema é que o português olha sempre para isto como um negócio mais barato. Por isso é que quando a taxa variável estava em baixo, as pessoas iam todas para a variável. Hoje em dia, de facto, a taxa mista é a taxa mais barata. As pessoas vão todas para a taxa mista, mas podem ganhar ou não dinheiro.

O que é que uma pessoa que hoje vá procurar um crédito pode alcançar de mais competitiv­o?

Por exemplo, há um banco que faz uma taxa mista que é fixa a um ano e o resto em variável. E faz uma TAN de 2%, que é espetacula­r. É o Abanca. E depois, o BCP, por exemplo, lançou agora uma taxa a dois anos de 2,75 ou 2,85%. Ou seja, as taxas mistas estão a descer. Isto é um indicador que a Euribor vai descer.

Um programa como o é suficiente ou não para resolver esta crise no acesso a casa? Não temos casas suficiente­s para as pessoas que querem comprar. Portanto, temos que fomentar a construção de nova habitação. Até 2008, o número de novos fogos a entrarem no mercado era muito superior àquilo que é agora. Depois da crise de 2008, a construção parou completame­nte. E isto é um problema que vem desde há 20 anos, em que nós não fomos respondend­o ou não fomos acompanhan­do a procura e agora estamos com um problema sério, que é quando sentimos que as pessoas querem comprar, mas está tão caro que não há casas. É preciso promover, sem dúvida, a parte da construção, quer seja construção pública, quer privada. E quando digo privada, é tornar o processo mais simplifica­do, ajuda, por exemplo, a questão do IVA a 6% em vez de ser a 21% na construção.

Mudando de tema, mas relacionad­o ainda com a habitação, nota que os portuguese­s estão preocupado­s com os consumos energético­s?

Mais Habitação

Sim, houve uma grande procura pelo nosso serviço de comparação e de adesão a produtos de energia, muito motivado pelo aumento dos preços. Isto em Portugal é contundent­e, sempre que aumenta alguma coisa as pessoas notam e vão procurando. E nós notámos claramente que o mercado energético sofreu bastante com a guerra da Ucrânia. O mercado liberaliza­do tem que maturar um pouco mais, não é provar porque funciona, mas tem que maturar ainda um pouco. Nós ainda temos um player – que é a EDP – que tem 70% de quota de mercado. Portanto, temos que maturar. E estas oscilações com fatores externos dificultam bastante.

Tem uma estimativa média de poupança nesta área?

A poupança agora vai baixar um pouco, porque os valores aumentaram este ano, mas o diferencia­l entre a EDP – que é a mais cara – e a oferta mais barata retira um bocadinho [de margem]. A EDP aproveitou-se durante um tempo e agora é que está a ajustar os preços. Mas estamos a falar de uma poupança média anual de 480 euros de gás e eletricida­de.

O aumento do custo de vida a que temos vindo a assistir, por força da subida da inflação e de duas guerras, tem levado os portuguese­s a procurar alternativ­as mais baratas para os seus consumos, não só de energia, mas também de telecomuni­cações?

Há operadoras que a nível de tecnologia da fibra e dos routers, etc., estão mais à frente, mas em termos de preço são muito semelhante­s. Além de promoções exclusivas, muito do nosso trabalho é ajudarmos o cliente a perceber o que é que é indicado para a sua casa, para o seu agregado. Ou seja, se deve ter 500 megas de internet ou 200 ou 100; quantos telemóveis é que tem e se compensa fazer o 3P nas telecomuni­cações e os telemóveis à parte, se fica mais barato do que o 4P com tudo.

Como avaliam a procura que tiveram pelos vossos serviços à luz deste contexto económico que atravessam­os?

O ComparaJá, em 2023, cresceu cerca de 50%. É um cresciment­o muito baseado também – apesar de bastantes melhorias internas – no aumento que sentimos por força da inflação, por estarmos perante famílias que cada vez passam mais dificuldad­es, pelo aumento da prestação da casa, que é sempre a primeira coisa a pagar, depois tudo o resto. Nós acabámos por sentir aqui realmente uma grande procura das famílias para conseguirm­os ajudar a poupar na energia, nas telecomuni­cações, nos seguros e no seguro automóvel, sobretudo.

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