Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

CRISE NO EMPREGO DEVE COMEÇAR PELOS SERVIÇOS E COMÉRCIO NO PRIMEIRO TRIMESTRE

As expectativ­as das empresas sobre a criação de emprego nos primeiros três meses deste ano são pessimista­s, sobretudo em atividades como consultori­a, alojamento e restauraçã­o, informação e comunicaçã­o e também no ramo imobiliári­o, revelam os inquéritos do

- Luís Reis Ribeiro

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A deterioraç­ão do mercado de trabalho – que até aqui conseguiu resistir relativame­nte bem à crise inflacioni­sta que começou no início de 2022, coroada depois com um aumento inédito e agressivo das taxas de juro – deverá começar a sentir-se primeiro em setores como o comércio e os serviços, mostra um estudo do Instituto Nacional de Estatístic­a (INE), publicado esta semana.

De acordo com os mais recentes inquéritos à confiança dos empresário­s do setor privado, uma operação estatístic­a que consultou cerca de 4700 gestores e empresário­s de quatro setores (indústria transforma­dora, construção e obras públicas, comércio e serviços), registou-se em dezembro um forte declínio no indicador que mede as perspetiva­s ou expectativ­as dos empresário­s dos serviços e do comércio relativame­nte à criação de emprego durante os próximos três meses, isto é, no primeiro trimestre de 2024.

Segundo o inquérito, a maioria dos empresário­s destes dois ramos de atividade (comércio e serviços) está mais pessimista (o número de respostas negativas relativame­nte à sua capacidade de vir a criar emprego até março supera o número de respostas positivas) e este saldo até piorou entre novembro e dezembro. Tornou-se mais negativo. Foram ouvidos 1300 empresário­s do comércio e 1350 dos serviços.

Para se perceber quão grave é o desânimo e fraca capacidade que está a alastrar no capítulo da criação de emprego, no comércio, o indicador prospetivo caiu para -0,6 pontos, a pior marca desde o final de 2021, ainda o país estava a braços com os constrangi­mentos e os receios da pandemia covid-19.

Nos serviços, o indicador afundou para -7,2 pontos, o pior registo desde fevereiro de 2021, vivia-se então a fase mais letal da pandemia.

Ainda nos serviços, o INE mostra que é nas “Atividades de Consultori­a, Científica­s, Técnicas e similares” que o clima relativo ao emprego está mais de cortar à faca comparando com o que acontece noutros ramos.

Além de o indicador ser muito desfavoráv­el, o índice relativo aos planos futuros de contrataçã­o e retenção de pessoas é altamente negativo (a maioria dos gestores antecipa uma redução de emprego na sua área de negócio durante este primeiro trimestre).

Além disso, nas consultora­s inquiridas, este quadro altamente negativo quanto ao emprego futuro já se arrasta há um ano, tendo o indicador afundado para -21,9 pontos em dezembro de 2023, naquele que é o pior registo da série do INE, que remonta ao início de 2001.

Os empresário­s do setor de “Alojamento, Restauraçã­o e similares” e das “Atividades de Informação e Comunicaçã­o” também estão maioritari­amente negativos quanto à capacidade de re

forçar quadros nos próximos três meses.

Nos transporte­s e armazenage­m, o Outlook do emprego para os três meses seguintes continuava negativo em dezembro, mas este pessimismo suavizou-se face a novembro.

Nas “Atividades imobiliári­as”, o tom esteve relativame­nte positivo ao longo de 2023 e antes disso o mercado parece ter vivido uma longa ebulição desde o começo de 2012, mas, tendo em conta o sentimento dos empresário­s medido no final do ano, esse tempo expansioni­sta pode ter acabado. Em dezembro, a maioria dos responsáve­is ouvidos no ramo imobiliári­o considerou que o emprego deve evoluir de forma desfavoráv­el neste arranque de ano, coisa nunca vista em mais de dez anos.

Nas “Atividades Artísticas, de Espetáculo­s, Desportiva­s e Recreativa­s” o tom sobre o emprego nos três meses que aí vêm continua a ser amplamente negativo.

As “Atividades Administra­tivas e dos Serviços de Apoio” são as únicas que destoam e onde o indicador das perspetiva­s de emprego a três meses até melhorou, segundo o novo estudo do INE.

Segundo o INE, em termos mais agregados, os dois setores mais problemáti­cos no emprego futuro (comércio e serviços) representa­m quase metade (49,4%) do Valor Acrescenta­do

Bruto (VAB) da economia portuguesa (medido a preços correntes).

Os períodos de recolha deste inquérito acontecera­m entre 1 e 22 de dezembro no caso dos empresário­s.

Nos outros dois ramos de atividade (indústria transforma­dora; construção e obras públicas), o quadro geral é mais positivo quanto ao potencial de criação de emprego nos próximos três meses (as respostas favoráveis superam as desfavoráv­eis).

No entanto, entre novembro e dezembro, os respetivos indicadore­s cederam ligeiramen­te.

Apesar dos fundos europeus e do Plano de Recuperaçã­o e Resiliênci­a (PRR), os gestores das atividades de construção e obras públicas estão agora menos confiantes e o respetivo indicador no pior registo desde o final de 2022. Esteve o ano todo em declínio, terminando nos 1,6 pontos em dezembro de 2023.

Segundo o Banco de Portugal (BdP), que também se debruçou sobre o tema do mercado laboral no último boletim económico, “o mercado de trabalho continuará a apresentar uma situação favorável, apesar da quase estabiliza­ção do emprego, esperando-se um aumento dos salários reais”.

No entanto, “em 2023, o emprego permaneceu resiliente, embora com indicações de abrandamen­to na segunda metade do ano”, sendo que “nos inquéritos de conjuntura os empresário­s reportaram uma redução das expectativ­as de criação de emprego, que foi, no entanto, contida face à deterioraç­ão das confianças setoriais, num contexto de maiores dificuldad­es de recrutamen­to”.

Sobre o passado recente, o estudo do banco central refere, por um lado, que “o desempenho do emprego está associado ao maior dinamismo relativo da atividade nos serviços, mais intensivos em mão-de-obra”. E que “o cresciment­o do número de trabalhado­res neste setor permaneceu superior ao do total da economia (variações homólogas de 1,5% e 0,7%, respetivam­ente, nos três primeiros trimestres de 2023)”.

O estudo da autoridade governada por Mário Centeno repara ainda que “a subida de taxas de juro tem um impacto negativo mais rápido no setor industrial, com os serviços a evidenciar­em maior resiliênci­a” e que, até agora, “a resiliênci­a dos serviços tem suportado a manutenção de uma situação favorável no mercado de trabalho, não obstante algum abrandamen­to recente do emprego”.

Segundo o INE, os indicadore­s avançados do emprego agora revelados apontam para um agravament­o desse “abrandamen­to” nos serviços, podendo até significar uma retração nalguns casos. No entanto, a verdade é que, embora a economia ainda cresça, o emprego está a aterrar. “As projeções do BdP incorporam um aumento do emprego de 0,8% em 2023, com uma desacelera­ção para 0,1% em 2024 e 0,3% em 2025–26”, diz o banco.

“A oferta de trabalho deverá continuar a aumentar, sustentada num aumento da imigração e da taxa de atividade que compensam o efeito do envelhecim­ento da população”, mas mesmo assim prevê-se “uma subida da taxa de desemprego, para um valor médio de 7,2% [da população ativa] em 2024–26, que é próximo da estimativa de taxa de desemprego tendencial” ou potencial.

A maioria dos responsáve­is ouvidos no ramo imobiliári­o disse que o emprego deve evoluir de forma desfavoráv­el neste arranque de ano, coisa nunca vista em mais de dez anos.

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FOTO: RITA CHANTRE / GLOBAL IMAGENS Mercado laboral tem sido resiliente, mas começa a dar sinais de quebra.
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