Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
AVIAÇÃO Venda da TAP pode arrastar-se por mais dois anos
Especialistas em aviação acreditam que a privatização da empresa pública não estará concluída antes de 2026 e defendem que a venda de uma minoria do capital pode afastar interessados.
O futuro da TAP continua incerto e em stand-by à espera de uma decisão política, que deverá ser tomada pelo novo Governo após as eleições de 10 de março. O calendário de uma possível privatização voltou a derrapar e 2023 encerrou sem novos avanços. Em setembro de 2022, António Costa garantia, no Parlamento, que o objetivo do Governo passava por concluir a venda da companhia até final de 2023. Um ano depois, em setembro último, o Executivo socialista aprovou o diploma que enquadrava o processo de privatização com o objetivo de dar o tiro de partida para a alienação de, pelo menos, 51% do capital da empresa pública. A meta, apontou Fernando Medina na altura, era concluir a venda no primeiro semestre de 2024.
O Presidente da República refreou os ânimos e vetou, em outubro, o decreto pedindo a clarificação sobre a intervenção do Estado, a alienação ou aquisição de ativos e a transparência da operação. A crise política desencadeada pela demissão de Costa, em novembro, deitou por terra o cronograma da venda da empresa e colocou um travão ao dossiê. É preciso esperar agora pelas legislativas para se saber que rota quererá o novo Governo dar à transportadora aérea, mas, acreditam os analistas ouvidos pelo Dinheiro Vivo, a venda não deverá estar concluída antes de 2026.
“Entre a publicação de um caderno de encargos claro, legal e comercialmente viável, seguida de uma análise profunda por parte dos potenciais interessados e pela eventual formalização de uma proposta de compra pelos mesmos, que poderá ser ou não aceite e/ou negociada, faltando depois ainda a aprovação pelas diferentes autoridades da concorrência envolvidas, com a posterior avaliação dos pareceres (“remédios”), seus
e a sua eventual negociação, estamos a falar de um período total de, pelo menos, dois anos até ao dia da assinatura da venda. Falando num processo normal, sem incidentes e contado a partir do momento em que o decreto de privatização claro, legal e comercialmente viável é publicado”, explica Pedro Castro, diretor da SkyExpert, empresa de consultoria de transporte aéreo, aeroportos e turismo.
Também o professor de Aviação e Gestão Aeronáutica do ISEC, Rui Quadros, acredita que é “provável que não haja avanços significativos em 2024” no tema da privatização. “A instabilidade política resultante das mudanças no Governo pode atrasar o processo. A situação do mercado da aviação desempenha, igualmente, um papel crucial. Se a indústria do transporte aéreo enfrentar turbulências significativas, como a redução na procura, aumento dos preços dos combustíveis ou concorrência, os potenciais interessados podem hesitar em adquirir a empresa. Acredito que o poder político dará prioridade aos seus interesses em primeiro lugar, deixando a TAP em segundo plano. É fundamental agir com cautela, considerando que a situação da TAP envolve a sua recuperação e a sua viabilidade financeira.”
Venda da minoria do capital pode afastar compradores
Os próximos passos são desconhecidos e só depois do primeiro trimestre de 2024 é que será vislumbrada alguma luz sobre a privatização. Pedro Nuno Santos, recém-eleito secretário-geral do PS, já fez saber que não tem pressa em vender a companhia, uma vez que a “empresa está saudável do ponto de vista financeiro e operacional”, admitiu em entrevista à CNN. O ex-ministro das Infraestruturas, que quer sentar-se na cadeira deixada por António Costa, é defensor da manutenção da maioria do capital nas mãos do Estado.
Para os analistas, a matemática do candidato a primeiro-ministro pode afastar os interessados na companhia. “É sabido que, para obter maior controlo e influenciar as decisões estratégicas da empresa, é necessário ter a maioria do capital. O que atrai um investidor é ter voz ativa na gestão e na direção estratégica do negócio, especialmente na área comercial. Não acredito em participações minoritárias, especialmente no setor do transporte aéreo. A capacidade de tomar decisões estratégicas é um fator crítico de sucesso para um comprador”, aponta Rui Quadros.
Sérgio Palma Brito, analista de Turismo e Transporte Aéreo, não duvida de que a venda da maioria do capital é a opção mais apelativa para os investidores. “A aquisição pode começar por menos, mas sempre na perspetiva de 100%. Aconteceu com o Grupo Lufthansa na Brussels e na ITA, e com o Grupo Air France/KLM com a SA. Receio que só Pedro Nuno Santos pense que gestores de sociedades anónimas cotadas em bolsa e sujeitas a este escrutínio possam investir no capital da TAP na expectativa da gestão pelo Estado remunerar este investimento acima da taxa de referência”, afirma.
Já Pedro Castro acredita que “qualquer outro modelo” que não seja o da alienação da maior fatia do capital da empresa tem um “enorme risco associado”, com “parcos ganhos” para o investidor, tornando-se num “risco totalmente desnecessário”. E quanto pode valer a TAP? O diretor da SkyExpert
defende que o futuro Governo deveria estipular um valor mínimo de licitação no decreto de privatização, “mas os políticos sabem que, com isso, afugentam os interessados”.
“Quem compra é quem manda, sobretudo se o vendedor estiver desesperado – por motivos políticos, ideológicos ou eleitorais. De resto, o valor da TAP depende de muitos fatores fora do seu controlo. Existe um processo de consolidação em curso que envolve os três grupos aéreos europeus e, nesta corrida, a TAP ficou de fora. O IAG está a aguardar a aprovação da compra da Air Europa; o Grupo Lufthansa aguarda o seu processo relativamente à ITA Airways (sucessora da Alitalia) e a Air France-KLM surpreendeu todos com a aquisição em bolsa de 20% da SAS (Escandinávia). As últimas grandes ‘solteiras’ da Europa estão prestes a casar-se e, se correr tudo bem, a TAP torna-se menos importante e os acionistas destes grupos poderão estar menos dispostos a arriscar os seus recursos”, enquadra o especialista. Mas, caso nenhum destes negócios avance, Pedro Castro acredita que a TAP “poderá tornar-se uma alternativa e ganhar valor”.
Para o professor de Gestão Aeronáutica do ISEC, há diversas variáveis que irão ajudar a definir o preço final da companhia: o desempenho financeiro, os ativos da empresa – nos quais se incluem a frota e os slots (faixas horárias de descolagem e aterragem) –, a quota de mercado, o número de passageiros, a concorrência e as rotas. “As rotas para o Brasil, África e Estados Unidos são geografias importantes, especialmente as rotas sul-americanas. O verdadeiro valor da TAP deveria incluir os investimentos já feitos pelo Estado português”, elucida.
Depois de uma injeção de 3,2 mil milhões de euros nos cofres da transportadora, no âmbito do plano de reestruturação aprovado por Bruxelas, e após anos de prejuízos, a TAP lucrou 203,5 milhões nos primeiros nove meses deste ano. Apesar dos sinais de ânimo na tesouraria da companhia, Rui Quadros defende que “a melhoria substancial no desempenho por si só pode não ser suficiente para justificar um aumento no preço da empresa”, relembrando “o histórico de perdas” e o “período desafiador” que a TAP enfrentou.
O hub de Lisboa como localização estratégica para a América do Sul e África, a frota moderna e as vantagens competitivas das rotas no Brasil são os maiores aliciantes da companhia, enumera. Por ouimpactos tro lado, Rui Quadros destaca “o endividamento considerável, os custos operacionais (apesar dos notáveis esforços para reduzi-los), a reputação e o valor da marca, que já estiveram em patamares superiores e não se alteram de um dia para o outro, as decisões conturbadas provenientes do poder político e a dependência em rotas específicas” como os maiores desafios enfrentados pela empresa liderada por Luís Rodrigues.
O especialista do ISEC é cético sobre a possível recuperação da injeção estatal, mas aponta a privatização como a resposta à independência financeira da TAP. “Se a TAP continuar sob a tutela do Estado, o seu futuro financeiro e crescimento podem estar em risco, pois sempre que a empresa não for rentável, injeções de capital vão ser necessárias. Sabemos que o capital intensivo é característico desta indústria”, adianta.
Aeroporto com impacto “significativo” na TAP
A localização do futuro aeroporto da Região de Lisboa é outro dos dossiês que ficará nas mãos do próximo Governo. O relatório preliminar
O futuro da TAP está nas mãos do próximo Governo e só depois das eleições de 10 de março é que se saberá qual será a rota para a companhia aérea. Costa queria vender pelo menos 51% do capital da empresa, mas Pedro Nuno Santos defende que maioria deve ser do Estado.
apresentado pela Comissão Técnica Independente (CTI), que aponta Alcochete+Portela como a melhor opção estratégica, está em consulta pública até dia 26 de janeiro. Findo esse prazo, a coordenadora Maria do Rosário Partidário dará o seu trabalho por terminado e o documento técnico passará para o escrutínio político.
O PSD já avançou com a criação de um grupo de trabalho, liderado pelo vice-presidente do partido, Miguel Pinto Luz, para estudar o tema e apresentar uma decisão “nos primeiros dias” caso venha a ser eleito, referiu Luís Montenegro. Já Pedro Nuno Santos tem endereçado críticas ao seu adversário e garante não querer perder mais tempo com o tema, assumindo-se “de espírito aberto” para as indicações da CTI, garantindo que esta será a primeira decisão a tomar caso forme Governo.
Para Rui Quadros, a decisão sobre o novo aeroporto pode ter um impacto “significativo” na privatização da TAP, principalmente se a decisão estiver pendente quando a venda da companhia arrancar. “A definição clara e favorável sobre o novo aeroporto poderia agregar valor e estabilidade ao setor da aviação como um todo, o que, por sua vez, pode influenciar indiretamente as perspetivas de investimento na TAP. É crucial sublinhar que a decisão sobre a localização do novo aeroporto, sua capacidade e catchment area deve ser cuidadosamente ponderada em relação ao papel que o Governo atribui à TAP e à ANA. Esta escolha pode ter um impacto determinante na estratégia e no futuro desenvolvimento da companhia aérea, afetando diretamente as suas operações, eficiência e expansão”, alerta, acrescentando que acredita que os interessados em comprar a TAP “estarão, provavelmente, mais focados nos ativos e no desempenho da própria companhia do que na decisão sobre o aeroporto”.
Já o especialista Sérgio Palma Brito considera que a TAP ficará prejudicada caso o futuro Executivo escolha a opção na Margem Sul do Tejo. “O Aeroporto Humberto Delgado está no segundo ano de crescimento da procura estrangulado. Se o Governo optar por Alcochete, serão mais 12 anos de burocracia e obras. Lá para 2036, a TAP pode voltar a crescer. Se o Governo tiver o bom senso de recuar a 2019, quando acordou Portela + Montijo com a ANA, o tráfego no Aeroporto Humberto Delgado volta a crescer em 2027. Durante estes anos, a TAP não se desenvolve e vai valer muito menos do que poderia valer”, lamenta.