Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Em 2024, os veículos elétricos Made in China já não vão ter incentivos em França
Desde o dia 1 de janeiro, os incentivos à aquisição de elétricos em França excluem modelos fabricados na China, onde a produção assenta na queima do carvão.
O governo francês decidiu alterar as regras e os valores de atribuição de incentivos para a aquisição de viaturas elétricas. As autoridades gaulesas definiram uma lista de veículos abrangidos pelos novos valores e exclui os automóveis elétricos fabricados na China, mesmo que sejam de marcas não chinesas.
Por partes: a lista de veículo elétricos elegíveis para receber subsídio abrange automóveis que custem até 47 mil euros, para os quais estão disponíveis apoios por viatura de 5000 euros (7000 euros para famílias de baixos rendimentos).
No total, 22 marcas de automóveis elétricos fazem parte da lista divulgada pelo Executivo, que inclui grandes fabricantes franceses como Citroën, Peugeot e Renault, mas também outras marcas europeias como BMW, Fiat, Mercedes-Benz, Smart, Volkswagen e Volvo.
Estão disponíveis até 78 modelos diferentes. Entre eles, o Q4 45 e-Tron da Audi, bem como o BMW iX1, BMW iX2 e o ë-C4 da Citroën.
A maioria dos modelos elétricos premium não são elegíveis porque estão acima do limite do preço de 47 mil euros (por exemplo, Audi Q8 e-tron, BMW iX3 ou Mercedes EQE). Juntos, esses modelos representam cerca de 26% dos modelos ou 5% das vendas em França, de acordo com a Transport & Environment.
A razão também para que desta lista de elétricos possíveis de adquirir com a ajuda estatal não façam parte modelos Made in China diz respeito à pegada carbónica da produção. Mais especificamente: as regras que estabelecem quais os carros com direito a subsídios estatais para a sua compra excluem modelos produzidos onde a eletricidade é gerada e transportada através da queima de carvão. Logo, a China é visada.
“Não subsidiaremos mais veículos que emitem muito CO2” no seu ciclo de produção, garante o ministro das Finanças, Bruno Le Maire.
A agência Ademe, que supervisiona o processo, estudou a elegibilidade de quase 500 modelos e suas variantes para inclusão no esquema. De acordo com a agência Reuters, cerca de 65% dos elétricos vendidos em França permaneceram na lista, incluindo 24 produzidos pelo grupo Stellantis e cinco pela Renault. O Model Y da Tesla será elegível (é feito em Berlim), mas não o Model 3 (feito na China).
Ao ficarem excluídos deste bónus ecológico, automóveis como o Tesla Model 3, o Dacia Spring ou o MG4, produzidos na China, serão penalizados em comparação com os concorrentes produzidos na Europa.
A marca de veículos elétricos MG Motors, da chinesa SAIC, afirmou esperar que as novas regras afetem as vendas: “Há automóveis que perderão completamente a sua competitividade”, disse um porta-voz da MG à Reuters, acrescentando que a marca decidiu nem sequer solicitar o esquema de bónus para o seu modelo MG4 porque esse sistema foi “projetado para nos excluir”.
Esta decisão representa um importante sinal que visa forçar à mudança para um fabrico mais sustentável por parte de economias como a chinesa, cuja produção está muito dependente de combustíveis fósseis e da queima de carvão para obter uma vantagem competitiva sobre a França, neste caso.
“A regulamentação na Europa
torna os carros elétricos fabricados na Europa cerca de 40% mais caros do que os veículos equivalentes fabricados na China”, disse o CEO da Stellantis, Carlos Tavares, à Automobilwoche em Las Vegas há cerca de um ano. “Se a União Europeia não mudar a situação atual, a indústria automóvel da região sofrerá o mesmo destino que a indústria europeia de painéis solares”, diz Carlos Tavares, referindo-se a um conflito comercial anterior com Pequim, que viu a China dominar uma indústria de painéis solares que tinha sido largamente desenvolvida na Europa. “Acho que já vimos esse filme antes. É um cenário muito sombrio.”
Ainda que estas novas regras afetem mais duramente os elétricos produzidos na China, onde uma grande parte da produção de eletricidade é baseada na queima de carvão, outros países serão afetados, como a Índia.
Que aumentos irão ter os modelos de fabrico chinês?
O Dacia Spring fabricado na China, que representa um em cada dez carros elétricos vendidos em França, vê o seu preço subir de 15 800 euros para 20 800 euros sem bónus, de acordo com Les Echos. Também excluído da lista está o MG 4, um sedan elétrico da marca britânica de propriedade da SAIC Motor, da China, que detém 61,4% do mercado francês em termos de matrículas e cujo preço antes do bónus é de 30 mil euros.
O Model 3 da Tesla, que para a Europa é exportado da fábrica da Tesla em Xangai, também deixa de ser elegível para incentivos fiscais em França. No entanto, o Model Y fez parte da lista, pois a sua montagem é feita na Alemanha.
Outros exemplos: o Atto 3 e Dolphin, da BYD, deixarão de ser elegíveis. O Niro, da Kia (montado na Coreia do Sul), e o Kauai, da Hyundai (fabricado na República Checa), ainda são elegíveis para o bónus.
Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono
Estas novas regras, que entraram em vigor em França a 1 de janeiro, são um exemplo do tipo de medidas que a Europa adotará com a implementação do Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono (CBAM – Carbon Border Adjustment Mechanism), que taxará fortemente a produção industrial importada que emite carbono.
O CBAM começou por ser um mecanismo que afetará principalmente a produção de cimento, ferro e aço, alumínio, fertilizantes, eletricidade e hidrogénio e as suas emissões de carbono. Mas, à medida que for implementado, toda a produção industrial e o seu transporte deverão vir a ser integrados no CBAM, que irá taxar fortemente o carbono emitido. A produção industrial limpa e sem emissões de carbono será isenta de qualquer taxa de carbono.
E se, a partir de 2024, os carros fabricados na China serão os mais penalizados pelas regras antipoluição de França, a partir de 2030, serão todos os tipos de produtos e serviços importados para a Europa que serão penalizados pelas políticas industriais não poluentes da Europa.
O que pode daqui resultar?
O governo francês já oferecia aos compradores de elétricos um incentivo em dinheiro entre 5000 e 7000 euros, com um custo total de mil milhões de euros por ano. No entanto, um terço de todos os incentivos estava a ser canalizado para consumidores que compram elétricos fabricados na China, afirmam autoridades do Ministério francês das Finanças. Essa tendência ajudou a impulsionar um aumento nas importações e uma crescente lacuna competitiva com os produtores domésticos.
Os analistas da Schmidt Automotive Research declaram que esta medida vigorosa de França sobre os preços dos elétricos também pode fazer parte de uma estratégia de Macron, com o objetivo de aumentar os custos de importação de elétricos para forçar os fabricantes de automóveis chineses a estabelecerem a produção no continente.
Na realidade, há fabricantes chineses de automóveis que já estão a fazer compras na Europa para encontrar localizações para as suas fábricas. A Ford, por exemplo, irá vender a sua fábrica de montagem em Saarlouis, Alemanha, e a chinesa BYD é um dos três licitantes.
Outro dado: a China ainda detém uma quota de 76% de toda a capacidade global de produção de baterias, de acordo com um estudo do Tribunal de Contas Europeu, e as suas empresas estão a começar a construir fábricas de células de baterias em toda a Europa.
Esta política de incentivos introduzida por França poderá ser replicada por outros países europeus. A Itália, por exemplo, já manifestou interesse nesta abordagem.
Balanço da medida está por apurar
Além da defesa do normal funcionamento do mercado, sem protecionismos nacionais ou regionais, foram já apontadas algumas críticas significativas a estas medidas. Uma delas está relacionada com o facto de que muitos dos componentes utilizados na produção de veículos elétricos na Europa são provenientes do exterior, sobretudo da China e da Coreia do Sul. Não há, de momento, qualquer ação contra essa situação, que também tem importante impacto ambiental, quer na produção com energia de elevadas emissões quer no seu transporte.
Também não é possível deixar de pensar que, com estas medidas, tenta-se compensar a demora dos construtores europeus em fazer a transição para a produção de veículos elétricos. Um contraste significativo face à iniciativa do governo chinês em promover essa transição e a competitividade da sua indústria.
Também é interessante verificar que, se é um facto que a China e a Índia utilizam, na sua grande maioria, energia produzida em centrais termoelétricas a carvão (61 e 73% respetivamente, nos primeiros dez meses de 2023), também é certo que há países europeus que estão longe de ter um resultado significativo, como é o caso da Polónia, por exemplo (64%, em 2023).
Quanto méritos desta decisão, podemos apontar o facto de que não é um novo imposto ou taxa, mas sim, uma ausência de recompensa. Esta medida é menos agressiva e fica ao abrigo de potenciais represálias dos países de origem. Não é de prever uma guerra de tarifas aduaneiras motivada por esta iniciativa.
Por outro lado, oferece uma momentânea competitividade adicional aos construtores europeus, que estão obrigados a cumprir diversas metas de sustentabilidade, ambiental e social. Vai ser também um teste ao Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono. Espera-se que venha a desempenhar um papel cada vez mais importante na descarbonização da industria a nível global, obrigado os países que querem vender no mercado europeu a adotar métodos de produção mais limpos.