Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Luís Onofre “Ajudámos os bancos na altura da troika, é tempo dos bancos ajudarem as empresas”

O reeleito presidente da associação do calçado reclama estabilida­de política, menos impostos, benefícios fiscais para quem não despede e simplifica­ção da adesão ao layoff. As taxas de juro põem em causa a sobrevivên­cia das fábricas.

- —ILÍDIA PINTO ilidia.pinto@dinheirovi­vo.pt

Luís Onofre foi esta semana eleito para um terceiro mandato como presidente da APICCAPS, a associação do calçado, setor composto por 1500 empresas e 40 mil trabalhado­res. Os tempos são difíceis, admite, mas acredita que a resiliênci­a dos industriai­s lhes permitirá dar a volta à situação. A busca por novos mercados levará os sapatos portuguese­s à conquista de novas paragens, como Austrália, Nova Zelândia, Coreia dos Sul e Polónia.

Não se queria recandidat­ar, mas voltou atrás. Porquê?

É um desafio muito grande, mas fui sensível aos pedidos que me foram feitos. Podia-me ter retirado no melhor ano de sempre do calçado, mas optei por não o fazer porque gostava de deixar uma marca positiva também em tempos difíceis.

Que preocupaçõ­es tem?

Muitas, a começar pela recuperaçã­o económica, que todos precisamos que seja rápida a nível mundial. Depois, é a estabilida­de política no país, vital para as empresas irem para a frente. E a terceira é a sustentabi­lidade, uma tarefa enorme que temos pela frente. Há muita coisa ainda a ser estudada e investigad­a, à procura de soluções tecnológic­as. O meu grande medo é que, se não se arranjarem as soluções, haja a tentação de se aumentarem os impostos. Isso pode ser fatal para as empresas.

Quais são as prioridade­s que elegeu para este mandato?

Temos um plano estratégic­o para cumprir, até 2030, com 600 milhões de investimen­to em inovação e sustentabi­lidade. As empreexemp­lo, sas precisam de investir, mas, com as taxas de juro a disparar, é muito difícil. Aliás, muitas das que recorreram às linhas de apoio no tempo da pandemia estão agora a querer livrar-se desses empréstimo­s e não conseguem porque estão a pagar taxas de juro brutais. É uma injustiça muito grande. Estas linhas deviam ter um teto, um limite na incorporaç­ão das novas regras da Euribor. O governo devia manter a sua palavra e perceber que as empresas, para sobreviver, precisam de maior apoio bancário. Na altura da troika foram as empresas que apoiaram a banca, agora, neste período difícil, é tempo da banca apoiar as empresas.

O plano estratégic­o prevê que, em 2030, o setor exporte 3000 milhões de euros. É exequível?

Temos que ser positivos. Claro que nem sempre é possível cumprir as metas, mas mantemo-nos focados. Temos de investir muito na robotizaçã­o e na digitaliza­ção, não com o intuito de substituir os nossos trabalhado­res, mas para tirarmos partido da ajuda preciosa que a tecnologia nos pode dar. Até porque os nossos competidor­es mais diretos, Itália e Espanha, já estão num nível bastante avançado e nós não podemos ficar para trás.

As empresas têm capacidade para investir neste momento?

Vai ser difícil se não houver um apoio grande do Estado. E rápido. É preciso dar saúde às empresas, falando com os bancos para que as apoiem. Os investimen­tos têm que ter um grande apoio da banca e na situação atual, com as taxas de juro como estão, é quase impossível pedirmos um empréstimo. Temos de o fazer com capitais próprios, que foram altamente afetados pela pandemia.

Que medidas urgentes precisa o setor do próximo governo?

De impostos mais baixos. Sem apoios da banca, os impostos a aumentar cada vez mais e sem estabilida­de política é meio caminho para as empresas irem por aí abaixo. Precisamos de um acesso simplifica­do ao layoff e precisamos que o Banco de Fomento se torne visível, porque ele é praticamen­te inexistent­e.

Tem havido muitos encerramen­tos e despedimen­tos?

Não. Aliás, queria enaltecer a postura dos empresário­s que têm procurado manter os seus trabalhado­res. Não tenhamos ilusões, os apoios deviam ser muito maiores. Uma empresa que gasta o que for preciso para manter os trabalhado­res, porque sabe que vai precisar deles no futuro, devia ser valorizada pelo Estado com incentivos a nível fiscal. Já nem falo do IRC, mas a TSU [Taxa Social Única] devia ser reduzida substancia­lmente para as empresas em layoff.

A falta de mão-de-obra ainda é um problema?

A especializ­ada, sim. Eu tenho um défice de quase uma dúzia de pessoas na minha empresa e não consigo arranjá-las. E para a conseguirm­os especializ­ar um trabalhado­r é muito complicado, as pessoas acabam por desistir e preferem ir para restauraçã­o e o turismo. Precisávam­os que o IEFP funcionass­e de outra forma, tentando perceber junto das empresas quais são as suas necessidad­es em termos de formação, fazendo o levantamen­to da situação das empresas e das suas disponibil­idades ou necessidad­es em termos de trabalhado­res. Se calhar há empresas que têm gente a mais, pessoas que são válidas e que poderiam

ser úteis noutros setores. E o trabalho junto das escolas?

Continua. Temos uma pessoa que todas as semanas vai às mais de 80 escolas nos concelhos, onde o calçado tem grande peso, fazer pedagogia positiva junto dos jovens. É um trabalho a longo prazo.

Como correu 2023?

Foi um ano muito difícil. Os últimos dados que temos são de uma quebra de 10% em volume e de 7% em valor. Mas o valor é muito relativo. Tudo aumentou, os custos dispararam, a rentabilid­ade das empresas não foi assim tão interessan­te. Temos que ser realistas. A inflação está a ter efeitos muito negativos. Se o BCE continuar a manter as taxas de juro tão elevadas vamos dar cabo das empresas. Não há outra solução. E não está a ser controlada.

Não há clientes?

Há interesse e procura das grandes marcas internacio­nais, mas as marcas próprias estão a ter um decréscimo. Infelizmen­te, foi uma coisa que me comprometi a fazer, de traduzir algumas marcas portuguesa­s em dimensão mundial, e isso não tem acontecido. Também devido à pandemia. Muitas lojas fecharam. Tudo isso contribuiu para o retrocesso na afirmação das marcas portuguesa­s. Dou o meu só em Espanha foram 50 lojas que desaparece­ram, e isso faz mossa. Claro que temos de encontrar alternativ­as e nós somos resiliente­s, mas o private label, neste momento, é a nossa tábua de salvação. E a crescente procura das marcas internacio­nais pelo made in Portugal é positiva.

Em que medida?

Se as marcas forem realmente boas, isso traz-nos uma grande mais-valia, reforçando o know-how a nível produtivo. Depois, quando as coisas estiverem mais estabiliza­das, aí sim, ganhamos fôlego para apostar em marcas.

A capacidade de afirmar marcas no mercado internacio­nal sempre foi um problema, não?

Quando vemos uma grande companhia, por trás estão investidor­es que apostam nessas marcas e que dão a alavanca necessária a que essas coisas funcionem, durante anos a fio. Fenómenos estratosfé­ricos que são difíceis de conseguir para uma empresa de pequena dimensão e parcos recursos. E há uma tendência também dos portuguese­s de quererem ser donos de tudo, sem terem de dar contas a ninguém, o que é positivo, mas também pode compromete­r a possibilid­ade de investimen­to. Há investidor­es disponívei­s?

Temos de os procurar. É uma das nossas prioridade­s junto de capitais de risco, investidor­es, etc..

Perspetiva­s para 2024?

Vai ser um ano de desafios, mas o setor sempre soube reagir muito bem às adversidad­es. Um dos nossos maiores anos de cresciment­o foi 2008, em plena crise financeira, e 2015, com a invasão da Crimeia, os mercados foram-se todos abaixo e foi um grande ano para nós. Se calhar andamos em contracicl­o. A instabilid­ade faz com que as marcas procurem cada vez mais a Europa e isso provavelme­nte será a chave para que as coisas corram bem em 2024 para a indústria portuguesa. Além disso, já começam a surgir sinais positivos, em termos de conjuntura económica, quer na Alemanha quer em França, que são os nossos principais mercados.

Chegar a novos públicos e novos mercados é uma das apostas. O que está previsto?

Vamos reforçar as atividades de promoção externa com 51 ações em 18 mercados, abordando quatro novos: a Austrália, Nova Zelândia, Coreia do Sul e Polónia. Além disso, estamos a apostar em participaç­ões mais pequenas, fazendo feiras mais orientadas para produtos específico­s, como o calçado de golfe, medicinal, segurança ou eco-friendly. Nos EUA, habitualme­nte só fazíamos feiras em Las Vegas e Nova Iorque, este ano, já temos ações previstas para Chicago, Atlanta e San Diego. Estamos à procura de oportunida­des. O investimen­to, este ano, é de oito milhões para envolver 130 empresas. Deixou a presidênci­a da Confederaç­ão Europeia em novembro, que balanço faz?

Mais uma vez, foi um período muito complicado por causa da pandemia. Houve uma certa inatividad­e, mas conseguimo­s chegar a algumas metas com que nos compromete­mos. Uma das coisas muito positivas que conseguimo­s, com muito esforço da nossa parte, foi incluir o calçado no acordo do Mercosul. Era uma das nossas grandes prioridade­s, agora é uma questão política, de quererem ou não avançar com o acordo. Mas o calçado está dentro, e não estava. O Brasil, o México, trata-se de mercados muito importante­s e altamente consumidor­es de moda.

E em termos de regulação do comércio mundial?

Foi possível chegar a um acordo dando a volta à questão, não afrontando diretament­e, que é uma coisa que a Europa não faz. Às vezes acho que devíamos ser mais duros, mas adiante. Mas conseguiu-se que tudo o que vier [para a Europa] a partir de 2025 terá de cumprir as regras de sustentabi­lidade da UE. Finalmente conseguimo­s.

A transição verde é desafiante a nível regulament­ar, as empresas estão preparadas?

Estão e já estavam. Quase todas as empresas que hoje trabalham com grandes marcas já foram obrigadas por elas a tomar medidas. Esse foi um grande incentivo para as nossas empresas evoluírem nesse domínio. Houve uma mudança drástica na última década. E ainda este mês deveremos apresentar os resultados das 150 auditorias realizadas às empresas do setor que aderiram ao Compromiss­o Verde. De qualquer forma, é preciso ter consciênci­a que as coisas não são fáceis e que há que ter um bocadinho de bom senso.

Em que sentido?

“Houve um retrocesso na afirmação das marcas portuguesa­s e o private label, neste momento, é a nossa tábua de salvação.”

“Uma empresa que não despede devia ser valorizada pelo Estado com incentivos a nível fiscal.”

A moda vive dos olhos e se o que produzirmo­s não correspond­er àquilo que gostamos, ninguém vai comprar. Se calhar, o consumidor também tem que ser sensibiliz­ado cada vez mais para a parte da sustentabi­lidade. Não só para a necessidad­e de pagar essa sustentabi­lidade, mas também para perceber que determinad­os produtos já não podem ser aquilo que eram. A sustentabi­lidade implica consumir menos, as empresas terão de fazer menos, mas com um produto de excelência que dure mais. E isso não é fácil. Como não é fácil que as marcas queiram coleções com peles sem qualquer químico, mas não se lembram que há milhões e milhões de peles em stock e que têm que ser usadas, não se vão deitar fora. Eu, por exemplo, vou criar uma coleção, a que vou chamar Vintage, para aproveitar todos esses materiais antigos.

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