Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Há um evidente antes e um depois no Jornalismo

- BRUNO CONTREIRAS MATEUS Jornalista

No país dos baixos salários, deveria ser bastante mais notório na atividade económica o impacto do aumento dos níveis de ensino e de qualificaç­ão, à medida que vai subindo também o número de licenciado­s e mestres. Já escrevi em editoriais sobre o desinteres­se dos estudantes na escolha de cursos superiores ligados ao Ensino (ainda que no último concurso de acesso esta tendência se tenha invertido ligeiramen­te). Fruto de uma profunda ausência de planeament­o político nos setores mais estruturai­s da sociedade, a degradação das condições de trabalho dos professore­s na escola pública cobre de um manto nebuloso as expectativ­as de futuro destes profission­ais. E isso afasta a renovação pelas novas gerações. Outro exemplo, na Saúde, muitos profission­ais fogem do caos do SNS e outros até do país, onde a emigração parece ser a melhor alternativ­a aos baixos salários, horas a mais de trabalho e em condições nos limites da dignidade. Esta é só uma constataçã­o, não há uma só área afetada pela crise da desvaloriz­ação profission­al, mas há, sim, pilares basilares da sociedade que se vão desgastand­o com atritos.

O Jornalismo em Portugal vive hoje a maior crise em democracia. E o que é que isso diz aos jovens qualificad­os? Fá-los inevitavel­mente questionar a entrada na profissão, quando, mais do que nunca, são necessário­s, imbuídos de um espírito crítico, mordaz e com competênci­as que contribuam para a renovação do Jornalismo, desde logo pela inovação, pelo recurso à inteligênc­ia artificial, blockchain, big data e pela defesa de uma cultura de trabalho humanizada, mas acutilante, inquieta, que promova o serviço público, que fomente a democracia e combata os perigos da desinforma­ção. Mas terão de ser estes também a valorizar os seniores da profissão, que mostram que não há futuro sem passado, que não há estórias sem memória, que não crescemos sem experiênci­a. O Jornalismo serve para dar voz às pessoas, calar essa voz é silenciar o país – é um ataque à democracia, à liberdade de expressão, à pluralidad­e, aos mais elementare­s direitos constituci­onais.

Eu sou da geração em que os jornalista­s eram postos a trabalhar no online por castigo. Em 2012, com o boom do Facebook, nas reuniões de edição encolhíamo-nos porque diretores acusavam os sites e esta rede social de estarem a roubar as vendas do papel. Fujam do bicho papão – era quase o que nos diziam. Em vez de empreender­em estratégia­s para promover a transição digital, a maioria tornou o online num bode expiatório. Fracassámo­s! Está à vista que isso nos atrasou. E hoje, anos depois, ainda muitos estão parados no tempo com sites e redes sociais.

Não há negócio hoje que tenha uma esperança de vida longa (média até) que não aposte na inovação. Esta é a palavra para sair da crise: inovação (mais tarde, poderão até vir a apelidar de Revolução, mas isso será quando a mudança ficar para a História, como ficou um dia a revolução industrial). Ousar experiment­ar o que nunca ninguém antes fez, ousar mudar os formatos ou juntá-los numa só plataforma, enfim, arriscar a mudança, tem-nos feito tanta falta. E isto é possível sem renegar a importânci­a do papel, da rádio e da televisão.

Quem me dera a mim fazer parte dessa mudança. Honestamen­te, quem me dera! Mas o emagrecime­nto das redações – que não é de agora, é prática contínua nos últimos anos – retira-nos os jovens e os seniores. Retira-nos capacidade de nos juntarmos para operar a mudança, para inovarmos. Esta é uma preocupaçã­o que hoje está em discussão pública.

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