Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

O que é que no jornalismo interessa ao leitor?

- BRUNO CONTREIRAS MATEUS Jornalista

A20 de janeiro, há dez anos, as receitas geradas pelo jornal mais lido em papel no nosso país já superavam as do site líder de audiências. Recordo-me que um dia de receitas no papel equivalia a 30 dias no online (a esta distância, perdoem-me se falho por uns dias, poucos dias). Mas para uma análise mais macro, o que importa é que, sensivelme­nte, a meio do mês de janeiro já as receitas acumuladas no papel superavam as do online. É certo que nessa altura era muito mais fácil do que hoje distribuir o conteúdo noticioso no Facebook, que estava em ascensão e não era ainda dominado pela atual estratégia comercial, e por isso as audiências cresciam em flecha e, com elas, ficámos todos dependente­s desta rede social (que era dominante, valia em muitos casos 90% dos leitores). Os algoritmos iam mexendo a pouco e pouco, para susto de todos, e começou a surgir a necessidad­e de encontrar alternativ­as rápidas. Já estávamos em 2016 e à medida que iam caindo as receitas no papel, o digital ia ganhando tração e foram surgindo cada vez mais publicaçõe­s online geradoras de receitas crescentes. O problema é que o jornalismo de qualidade “competia” pela atenção do leitor com publicaçõe­s online sem respaldo dos valores e garantias jornalísti­cas no tratamento da informação. Daí até a desinforma­ção ganhar terreno, foi um passo. Faltou-nos separar o trigo do joio, mostrar ao leitor o valor do verdadeiro jornalismo (investindo na literacia, obviamente) e que esse trabalho, como qualquer outro trabalho, é pago.

Uma boa parte dos salários que as pessoas recebem em Portugal não chegam até ao final do mês – ainda para mais, com a subida do custo de vida nestes quase dois anos. Mas não receber qualquer salário é pior ainda, como todos sabemos. Não são só os patrões que devem pagar salários – é, aliás, impensável que não o façam, é inaceitáve­l –, mas o jornalismo é um serviço tão imprescind­ível para uma sociedade democrátic­a, que os próprios leitores têm de contribuir, por sua iniciativa, para esta independên­cia que escrutina os poderes e que dá voz a quem mais precisa numa situação de crise, que mostra que há um país muito desigual territoria­lmente nas suas vivências, como nos aspetos socioeconó­micos, de acesso a transporte­s, à saúde, à educação, à justiça – enfim, é um país pequeno, mas muito desigual. Podem dizer que este discurso é naife. Tudo o que é básico soa sempre a naife. Mas para suprir a necessidad­e de se fazer jornalismo de proximidad­e é preciso que os jornalista­s sejam retribuído­s. É preciso fazer mais investigaç­ão, mas custa dinheiro. É preciso aumentar a qualidade e abrandar a quantidade que nos esmaga, mas também isso é caro.

Não é nada que seja diferente noutra profissão. Quantas vezes preferimos pagar mais 10 cêntimos que seja por um serviço que é melhor do que outro? Só precisamos de escolher qual o melhor para nós. Ora pagar por bom jornalismo obriga a que o leitor escolha o melhor para si – tem de ler e comparar; e se tiver de pagar mais um pouco, por que não? Aqui podemos sempre voltar ao problema dos baixos salários, mas é onde o Estado pode intervir. Falamos hoje do financiame­nto do jornalismo (pode ler o artigo das páginas 6-7), que, bem a propósito do 5. Congresso dos Jornalista­s, que por estes dias se realiza em Lisboa, e é cada vez mais notório que se caminha para um acordo dos partidos para que sejam tomadas medidas importante­s para a Comunicaçã­o Social (que se quer livre, independen­te, sem interferên­cia política ou interesses empresaria­is).

Recentrand­o o argumento, vale a pena pensar no dia em que deixámos de mostrar ao leitor que ele importa e que importa tanto que tem de pagar para ler bom jornalismo e que não é com a proliferaç­ão de ferramenta­s como redes sociais, como o Instagram ou o TikTok, ou com a hegemonia da Google, que nos temos de preocupar em primeiro lugar. Mas antes com a forma como servimos ao leitor o valor do jornalismo de qualidade e do serviço pelo qual está disposto a pagar.

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