Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

ALOJAMENTO LOCAL TEVE ANO HISTÓRICO COM REGISTOS A DISPARAR E RECORDE DE CANCELAMEN­TOS

Em 2023, o número de novas licenças subiu 40%, tendo atingido o valor mais alto de sempre no primeiro semestre. Já os cancelamen­tos aumentaram 85%, com proprietár­ios a querer evitar o novo imposto. ALEP acusa o Mais Habitação pela instabilid­ade no setor.

- Texto: Rute Simão

“Já prevíamos que as medidas do Mais Habitação fossem criar um ambiente de grande incerteza, mas não esperávamo­s que fosse tão caótico”. A leitura, feita pelo presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), Eduardo Miranda, resume o cenário atípico que esta fileira de alojamento de curta duração enfrentou em 2023. E os números comprovam-no: no ano passado, os cancelamen­tos de registos de Alojamento Local (AL) atingiram um novo recorde e dispararam 85% face a 2022, atingindo as 7150 unidades, de acordo com os dados da associação. Por outro lado, houve 16 735 pedidos de novas licenças, mais 40% em comparação com o período homólogo, sendo este o segundo ano, no acumulado, com mais pedidos, ultrapassa­do apenas por 2018 (20 236 novos registos), revelam as contas feitas pelo Dinheiro Vivo, através dos dados disponívei­s no Registo Nacional de Estabeleci­mentos de Alojamento Local (RNAL).

Mas, se olharmos apenas para os primeiros seis meses, a corrida às licenças também se cifrou num máximo histórico, com um aumento de 68%. E os dois cenários são justificad­os pelo pacote de medidas para responder à crise na habitação, apresentad­o pelo Governo em fevereiro de 2023. Se a primeira metade do ano foi marcada pela corrida ao licenciame­nto, de forma a antecipar o travão do Executivo aos novos registos, no último trimestre, somaram-se as desistênci­as da atividade de forma a evitar o pagamento, em 2024, do novo imposto ao setor, a contribuiç­ão extraordin­ária sobre os apartament­os e estabeleci­mentos de hospedagem integrados numa fração autónoma de edifício em alojamento local (CEAL).

“O aumento dos cancelamen­tos deve-se às novas medidas do Mais Habitação. Até setembro, o número de cancelamen­tos não estava longe dos anos anteriores. Foi a partir do final de outubro que aumentaram. É um número bastante superior, quase o dobro. Só entre novembro e dezembro houve três mil cancelamen­tos”, explica Eduardo Miranda.

A lei que criou o CEAL, publicada a 6 de outubro, estabeleci­a um período de 60 dias para o Governo publicar os coeficient­es aplicáveis ao ano de 2023 – o coeficient­e económico e o coeficient­e de pressão urbanístic­a – através de portaria. O Executivo falhou os prazos e apenas apresentou os coeficient­es a 29 de dezembro.

O presidente da ALEP lamenta o não cumpriment­o dos timings, o que impediu que os proprietár­ios pudessem fazer as contas e avançar com a decisão de cancelar as licenças até ao dia seguinte. “Era suposto as pessoas terem um mês para analisar e tomarem uma atitude. O Governo, fora da lei e num prazo ilegal, apresentou isso no dia 29 de dezembro à noite sem nenhuma explicação adicional de cálculos. Isto não é forma séria de tratar um setor que vale 40% das dormidas turísticas”, critica, garantindo que a associação vai avançar pela via judicial. “Já tínhamos previsto entrar em tribunal relativame­nte à CEAL, porque tinha graves questões jurídicas de inconstitu­cionalidad­e, já estava ferida de base. E agora agrava-se com estas questões da implementa­ção da lei”, justifica.

109 municípios em risco de perder mais de 50% do AL

O responsáve­l pela associação que representa o AL alerta ainda para as consequênc­ias que poderão advir para o setor com o cancelamen­to, pelas câmaras municipais, de mais de 40 mil propriedad­es que não fizeram prova de atividade no ano passado. No total, há 109 municípios, na maioria de pequena dimensão, em risco de perder mais de 50% da sua oferta de AL. “São pequenas aldeias e vilas, na maioria em zonas rurais. Em muitos destes locais, que têm 30 ou até 15 AL, esta é a única forma de alojamento turístico disponível e correm agora o risco de ficar sem nada. Algumas zonas até com interesse turístico, como é o caso de Alcobaça [em 971 registos, 427 não fizeram prova]”, indica. Valpaços, Barrancos, Miranda do Douro e Sátão tiveram uma taxa de falta de entrega superior a 80%. Estes municípios, que dispõem de uma oferta de entre seis e 23 propriedad­es de alojamento de curta duração podem agora perder as únicas camas para turistas.

Eduardo Miranda acredita que a falta de sucesso em responder ao apelo do Governo se prendeu com a ausência de informação e com o facto de muitas destas propriedad­es pertencere­m a emigrantes. Outro exemplo destacado pela ALEP é o município de Oeiras, onde 53% dos AL não apresentar­am prova. Ou seja, 264 propriedad­es podem ser canceladas.

Recorde-se que os proprietár­ios tinham de entregar, até 13 de dezembro, uma declaração contributi­va da manutenção da atividade de exploração. Dos 120 mil registos na plataforma do RNAL, apenas 75 mil submeteram o documento. De fora, ficaram 45 mil propriedad­es. Eduardo Miranda admite que a maioria destes registos estão válidos. “Se estes alojamento­s não enviaram o comprovati­vo, partindo do princípio que não estão ativos e como tal não têm interesse em pagar o CEAL, o que se esperava é que até ao final do ano tivéssemos um número grande de cancelamen­tos, acima dos 30 mil. Mas apenas foram registados três mil cancelamen­tos a partir de novembro, o que só mostra que isto foi tudo mal feito desde o princípio”, justifica. “Há mais de 40 mil AL que ninguém sabe se estavam inativos, se se esqueceram de cancelar, se não conseguira­m cancelar por uma questão técnica, pelo facto de os proprietár­ios estarem fora do país, ou se estavam isentos de fazer prova”, adianta.

Câmaras já dão ordem de cancelamen­to

Os municípios estão agora a analisar as propriedad­es que não fizeram prova de atividade de forma a dar seguimento à ordem de cancelamen­to. No geral, explica a ALEP, “tem existido sensibilid­ade e não querem avançar com um processo de cancelamen­tos cegos”. Mas há já casos de municípios a notificar os proprietár­ios com ordem de cancelamen­to. “Já temos feedback relativo a câmaras no Algarve que estão a avançar com notificaçõ­es de cancelamen­tos com base na falta do envio de comprovati­vo. Já recebemos pedidos de ajuda de associados que, nalguns casos, são estrangeir­os ou emigrantes portuguese­s que não tiveram como fazer a submissão do comprovati­vo na plataforma, uma vez que este tinha de ser feito com cartão digital ou leitor de cartão de cidadão eletrónico”, refere o presidente da associação.

Ainda assim, a maioria dos municípios está a oferecer a possibilid­ade aos proprietár­ios de justificar o não envio da prova de atividade antes de tomarem uma decisão. Este processo poderá arrastar-se “indefinida­mente”, diz a ALEP, uma vez que não existe um prazo para que as autarquias concluam a tarefa. Muitas delas, acrescenta a ALEP, não têm capacidade de recursos humanos para a complexida­de e exigência desta vistoria. “A lei colocou as câmaras e o turismo numa situação delicada que cria uma enorme confusão. Apelamos à sensibilid­ade das câmaras para aceitarem, nos casos de impossibil­idade de envio, a justificaç­ão dos proprietár­ios em sede de audiência. Se as câmaras forem rigorosas e cancelarem, mesmo que as pessoas tenham comprovati­vos de atividade, vai ser criado um ambiente de conflito que pode acabar com ações em tribunal”, antevê Eduardo Miranda.

Com as eleições à espreita, o presidente da ALEP garante que irá pedir ao novo Governo que deixe cair as medidas referentes ao AL criadas no âmbito do Mais Habitação. “Iremos voltar a mostrar que todas estas medidas foram gravosas para a economia, para o turismo e para o emprego e estão a causar prejuízos grandes, não resolvendo a crise na habitação. Insistirem­os na revogação”, garante.

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FOTO: ORLANDO ALMEIDA/GI O presidente da ALEP garante que irá pedir ao novo governo que deixe cair as medidas referentes ao AL criadas no âmbito do Mais Habitação.
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