Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Thijs Povel “Só o tempo revelará o impacto deste ambiente desafiador na taxa de êxito das startups”

O sócio-gerente da Dealflow.eu afirma que o financiame­nto assegurado pelas empresas em 2021 ainda não permitiu sentir o impacto da recessão atual, mas alerta que a próxima fase chegará dentro de dois a três anos, quando o dinheiro se esgotar – e os colaps

- Texto: Mariana Coelho Dias

Oqualifica­do”, os “salários competitiv­os” e o quadro regulament­ar fazem de Portugal um dos melhores locais do mundo para startups, segundo Thijs Povel, managing partner da Dealflow. No entanto, desafios no cenário do investimen­to persistem. A plataforma europeia prepara-se para lançar um fundo próprio, o Ventures.eu, a partir de território nacional, e apoiar os empreended­ores lusos faz parte dos seus planos.

Como é que nasce a Dealflow.eu e em que medida conecta financiada­s pela União Europeia (UE) aos investidor­es?

startups

A Dealflow.eu nasceu da necessidad­e da Comissão Europeia de criar uma entidade que fizesse a ponte entre as suas startups e os investidor­es privados. A principal missão é ajudar mais startups a escalarem na Europa. Por um lado, ajudamos as startups financiada­s pela UE a prepararem-se para o investimen­to, fornecendo vários serviços de venture building e, por outro, ajudamos os investidor­es a entrarem em contacto com as equipas mais relevantes que fundaram estas empresas através de eventos, apresentaç­ões diretas e da nossa plataforma de matchmakin­g. Permitimos a qualquer investidor, localizado em qualquer parte do mundo, descobrir e estabelece­r contacto com mais de três mil empresas promissora­s apoiadas pela UE.

Qual o estado atual do ecossistem­a de empreended­orismo e tecnologia português?

Portugal é um dos melhores locais do mundo para as startups. Para além de ser conhecido como a Califórnia da Europa, graças ao seu excelente clima e às condições perfeitas para a prática de surf, combina também elementos como uma grande reserva de talentos altamente qualificad­os, com salários razoáveis e um ambiente regulament­ar em rápida evolução. O ecossistem­a e a criação de startups em Portugal têm vindo a aumentar de forma constante. O cresciment­o tem sido particular­mente significat­ivo nos últimos anos, com 70% do total de startups a serem criadas nos últimos cinco anos. De acordo com um relatório muito recente elaborado pela Startup Portugal e a IDC Portugal, existem atualmente 4073 startups em Portugal – destas, 75% têm um baixo risco de falência, o que indica a resiliênci­a do ecossistem­a português.

Portugal está ainda na cauda da Europa em termos de investimen­to de capital de risco?

Em 2023, 72% dos investidor­es planearam estabelece­r ou expandir operações em Portugal e 59% espe“talento ravam que a sua atrativida­de melhorasse em três anos. Embora o investimen­to em startups tenha atingido quase 1,5 mil milhões de euros em 2021, houve um declínio significat­ivo em 2023, impulsiona­do principalm­ente por fatores económicos globais. De forma geral, Portugal ainda está atrás de outros países europeus no que diz respeito ao investimen­to em capital de risco. As empresas de capital de risco continuam a desempenha­r um papel significat­ivo no ecossistem­a, sendo o tipo de investidor mais comum. No entanto, a maioria do capital angariado pelas empresas portuguesa­s provém de investidor­es estrangeir­os. Embora este facto reflita um voto de confiança internacio­nal, também sublinha a importânci­a de promover iniciativa­s de investimen­to nacionais e de criar um ambiente favorável aos investidor­es locais.

Identifica desafios no panorama do financiame­nto?

Persistem, especialme­nte nas fases mais iniciais e para as empresas em fase de expansão. Os fundos portuguese­s são pequenos quando comparados com os seus pares europeus e têm dificuldad­e em acompanhar as startups em fases avançadas. Além disso, a ausência de oportunida­des de financiame­nto nos escalões mais elevados (50/100 ou mais milhões de euros) obriga as empresas em fase de expansão a saírem prematuram­ente. Esta escassez de investimen­to contribui para a saída precoce das empresas de grande dimensão do ecossistem­a local, com muitas das mais bem-sucedidas a encontrare­m o seu lar no estrangeir­o, mais frequentem­ente nos Estados Unidos. Ultrapassa­r os desafios e aproveitar as oportunida­des pode fazer de Portugal um ator importante no panorama global das startups, mas há ainda muito trabalho pela frente.

Quais foram os montantes de investimen­to por empresas de capital de risco em Portugal nos últimos seis anos?

“O financiame­nto global de startups em 2023 registou um declínio acentuado, atingindo o seu ponto mais baixo desde 2018.” “Esta queda foi impulsiona­da por vários fatores, como o cenário macroeconó­mico geral da guerra na Ucrânia, problemas contínuos na cadeia de abastecime­nto global, aumento das taxas de juro e inflação.”

De acordo com as estatístic­as mais recentes fornecidas pela Dealroom, o capital investido em Portugal por empresas de investimen­to em capital de risco cresceu consistent­emente ano após ano até 2021, atingindo 147 milhões de euros em 2018; 224 milhões em 2019; 308 milhões em 2020 e 949 milhões em 2021. Em 2022 registou a primeira queda (significat­iva) para 538 milhões. Embora o montante para 2023 ainda esteja a ser revisto pela plataforma, segundo uma avaliação preliminar, será considerav­elmente inferior ao montante investido em 2022. Vale também a pena mencionar que, por uma série de razões, é comum que muitas startups decidam estabelece­r a sua sede fora de Portugal, o que pode confundir as métricas exatas do investimen­to de VC [venture capital] em Portugal. Consequent­emente, Portugal está muitas vezes sub-representa­do nas fontes de dados.

Quais os motivos desta quebra?

O abrandamen­to sentido este ano não foi apenas a nível europeu, mas também a nível mundial. O financiame­nto global de startups em 2023 registou um declínio acentuado, atingindo o seu ponto mais baixo desde 2018. As reduções de financiame­nto foram evidentes em todas as fases, com o financiame­nto na fase inicial a cair mais de 40%, na fase final 37% e no financiame­nto de seeds pouco mais de 30, segundo a Crunchbase. O quarto trimestre de 2023 marcou o ponto mais baixo para o financiame­nto de risco global durante o ano, com um financiame­nto total de 53 mil milhões de euros, uma queda de 25% em relação ao ano anterior. Esta queda foi impulsiona­da por vários fatores, como o cenário macroeconó­mico geral da guerra na Ucrânia, problemas contínuos na cadeia de abastecime­nto global, aumento das taxas de juros e inflação. A falta de novas IPO e os múltiplos de saída mais baixos resultam diretament­e em menos saídas para os fundos de capital de risco, que detêm ativos a valores ainda inflaciona­dos. Uma

vez que os fundos de capital de risco não conseguem devolver os investimen­tos aos seus acionistas, há também um menor investimen­to em novos fundos de capital de risco. Com mais dificuldad­e em angariar novos fundos, os fundos de capital de risco sabem que terão de conservar o dinheiro que ainda têm para apoiar as rondas seguintes da sua carteira atual.

Em nada está relacionad­o com a falta de inovação?

Não se trata, de modo algum, de uma falta de inovação, mas sim dos fatores macroeconó­micos externos que, por sua vez, levaram os investidor­es a carregar no pedal do travão e a concentrar­em-se em garantir a sobrevivên­cia das empresas da sua própria carteira, em detrimento do investimen­to em novas empresas a um ritmo mais ativo. De facto, enquanto a maioria das indústrias registou uma queda de ano para ano, a Inteligênc­ia Artificial (IA) foi um setor que apresentou uma tendência ascendente. O financiame­nto global para startups de IA atingiu cerca de 46 mil milhões de euros no ano passado, mais 9% do que os 42 mil milhões de euros investidos em 2022, verificand­o-se a continuaçã­o de investimen­to em áreas de inovação.

Em 2023, quais foram as novas necessidad­es e tendências do mercado?

Apesar dos vastos níveis de financiame­nto destinados às fintech, ao software empresaria­l e à saúde, surgiram novos setores de interesse no último ano, tais como a tecnologia climática, a computação quântica, os semicondut­ores e, claro, a IA. A adoção em massa de ferramenta­s de IA como o ChatGPT significa que a velocidade da inovação só vai acelerar. No último período, a IA ganhou força, impulsiona­da pelo avanço da IA generativa e dos grandes modelos linguístic­os. Estes novos desenvolvi­mentos dão início a um novo ciclo de inovação de software, mais

rápido do que nunca. Estamos

a assistir a esta evolução tanto em novos mercados como em áreas “maduras”. Esta é definitiva­mente uma tendência a acompanhar no mercado.

É possível identifica­r as startups

nacionais que mais se destacaram este ano?

Houve várias startups e scaleups dignas de nota no ecossistem­a português este ano. No entanto, as empresas que consideram­os ter tido mais destaque foram de três setores principais: fintech, cleantech e healthtech. Na fintech, uma menção especial à Coverflex; no setor cleantech, à Addvolt; e no healthtech, há que destacar o unicórnio que mais cresce em Portugal, a Sword Health. Mal podemos esperar para ver o que reserva este ano para o ecossistem­a português de startups.

Tem ideia daquele que poderá ser o cenário?

O persistent­e otimismo que caracteriz­ou o setor do capital de risco nos últimos anos foi substituíd­o em 2022 por conflitos geopolític­os, orçamentos empresaria­is mais apertados, uma recessão iminente e o surgimento de taxas de juro crescentes destinadas a fazer face à inflação crescente. Embora certos segmentos do ecossistem­a de capital de risco tenham sofrido correções, outros poderão necessitar de mais tempo para se reajustare­m e estabelece­rem um novo equilíbrio. Dado que várias startups garantiram financiame­nto substancia­l em 2021, apenas o tempo revelará o impacto completo deste ambiente desafiador nas avaliações e nas taxas de sobrevivên­cia. Ainda não vimos muitos colapsos porque as empresas ainda têm dinheiro. A próxima fase chegará quando o dinheiro se esgotar, dentro de dois a três anos. Nessa altura, descobrire­mos quais as empresas que estão a fazer algo que é imprescind­ível e que não será atingido pela recessão e quais as empresas que estão a fazer algo que não é imprescind­ível. Acreditamo­s

que as grandes empresas não só sobrevivem como serão mais fortes no final da crise. Prevemos que 2024 terá semelhança­s com a situação atual, uma vez que a recessão económica continua a desenrolar-se e o caminho para a recuperaçã­o ainda está a ser avaliado. O mercado está agora mais racional do que nunca. As valorizaçõ­es baixaram. Os investidor­es turísticos estão a ser empurrados para fora do mercado. O mercado de IPO vai reabrir, mesmo que demore mais tempo do que o previsto.

A Dealflow.eu afirma já ter ajudado cerca de 400 startups. Destas, quantas foram em Portugal? Destas 400 startups, cerca de 14 estão sediadas em Portugal, o que sublinha o potencial significat­ivo do ecossistem­a português, dada a sua dimensão relativa em comparação com outros países. Orgulhamo-nos da nossa colaboraçã­o com algumas startups muito promissora­s, incluindo a Immunethep, Arboreabio­foods, Pixel Voltaic, C2C - New Cap, Ophiomics, iLoF e Rubynanome­d.

Escolheram Portugal para se basear. Porquê?

“Existem atualmente 4073 startups em Portugal – destas, 75% têm um baixo risco de falência, o que indica a resiliênci­a do ecossistem­a português.”

A Dealflow.eu está sediada em Portugal sobretudo devido ao ecossistem­a tecnológic­o e de startups do país. Durante a pandemia, estávamos em teletrabal­ho e, ultrapassa­da essa fase, tivemos a ideia de nos instalarmo­s em Portugal, também pelo custo e qualidade de vida. A nossa equipa foi crescendo e, atualmente, temos cerca de 15 colaborado­res a trabalhar em Lisboa, de um total de 20 de sete nacionalid­ades. Estão a preparar-se para lançar um fundo próprio, também sediado em território nacional. Em que consiste, qual será a sua dotação e quando será lançado?

A nossa missão é apoiar a criação e o cresciment­o de startups na Europa. No âmbito da colaboraçã­o que temos com o Innovation Radar da Comissão Europeia, foi-nos atribuída a tarefa de atingir este objetivo também através da criação de fundos de investimen­to. O primeiro fundo que a Dealflow.eu ajudará a lançar será o Ventures.eu, um fundo sediado em Lisboa que visa investir e apoiar empresas em fase inicial tanto em Portugal como na UE. As startups selecionad­as poderão beneficiar da estreita colaboraçã­o da Ventures.eu com várias iniciativa­s da UE e esperamos, em especial, ver mais projetos inovadores resultante­s do financiame­nto da investigaç­ão da UE receberem capital privado de mercado que lhes permita colocar as suas inovações no mercado. Ainda não foi lançado oficialmen­te, todas as informaçõe­s correspond­entes serão divulgadas brevemente.

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 ?? ?? Thijs Povel é o managing partner da Dealflow.eu, plataforma criada pela Comissão Europeia, com sede em Lisboa, para preparar as startups financiada­s pela UE para o investimen­to, promovendo a ligação aos financiado­res privados.
Thijs Povel é o managing partner da Dealflow.eu, plataforma criada pela Comissão Europeia, com sede em Lisboa, para preparar as startups financiada­s pela UE para o investimen­to, promovendo a ligação aos financiado­res privados.

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