Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

“Não vamos ter uma sociedade evoluída se não conseguirm­os fazer a transição geracional”

Presidente da Associação Nacional de Jovens Empresário­s defende apoios para ajudar startups a passarem o vale da morte e evitar o que aconteceu à Farfetch que, perante os problemas financeiro­s, teve de ser vendida à pressa para sobreviver.

- Texto: Bruno Contreiras Mateus e Ana Maria Ramos (TSF) Www.dinheirovi­vo.pt

Para o presidente da Associação Nacional de Jovens Empresário­s (ANJE), os eleitores mais novos podem ser decisivos nas legislativ­as caso se mobilizem para votar, mas é preciso conhecer as propostas dos partidos que contrariem a necessidad­e de emigrar. Há dois pontos essenciais: melhores salários e acesso a habitação. Alexandre Meireles critica ainda que, em 50 anos de democracia, pouco se fez para mudar a gestão das empresas e levar os jovens a lugares de tomada de decisão.

Falamos cada vez mais em inovação e empreended­orismo. Qual o diagnóstic­o que faz do mundo empresaria­l jovem em Portugal?

Os jovens são o que temos vindo a apelidar de geração mais bem preparada de sempre. Enquanto país, enquanto sociedade, investimos e muito bem na formação destes jovens. Temos tido agora alguns problemas em captá-los e retê-los para que possam aportar mais valor ao país. Há ainda um grande caminho para fazer nesse campo. Os jovens sentem que, neste momento, quer em termos de salários, quer de políticas de habitação, têm melhores condições lá fora e saem do país. Acho que é um tema fulcral, temos que rapidament­e olhar para ele.

Estamos em contagem decrescent­e para as eleições. Os jovens são decisivos na contagem de votos? O PS procurou resolver algumas das questões que preocupam os jovens, ainda que de forma insuficien­te, no Orçamento do Estado para 2024; o PSD anunciou medidas dedicadas aos jovens, no IRS, na isenção do IMT e Imposto de Selo e até promete uma garantia pública que permita acesso a 100% à compra da primeira habitação.

Falando do futuro e das propostas dos principais partidos, acho que estão todos a sentir que os jovens são importante­s. Como disse e muito bem, o PSD, por exemplo, apresenta a proposta do IRS de quase uma taxa fixa até aos 35 anos, o PS já tinha em sede de Orçamento do Estado os 100% de isenção de IRS também para jovens. Tudo isto são pontos importante­s. É óbvio que os jovens, tradiciona­lmente, votam menos que os mais velhos e, portanto, se forem mais às urnas podem ser decisivos, porque podem ter um sentido de voto diferente, mas nunca saberemos. Agora, importante é o que efetivamen­te nós vamos fazer na retenção destes jovens em Portugal. Não vamos ter uma sociedade evoluída e não vamos continuar a evoluir se não conseguirm­os fazer algumas transições, como a transição geracional. É preciso cuidar destes jovens e garantir-lhes condições para ficarem cá. E sem rodeios, são duas coisas: salário e habitação. São as principais. A componente fiscal é obviamente importante porque toca no rendimento disponível.

Que caminho é que a ANJE tem trilhado para ajudar a fixar esses jovens em Portugal?

Fizemos uma coisa bastante interessan­te, uma carta de auscultaçã­o aos jovens. Fomos a 56 municípios diferentes – para irmos a todo o país, para termos a realidade. Mais de 400 jovens e depois mais de 250 empresas que fazem parte da nossa rede de incubação também participar­am nesta carta. No fundo, era perguntar aos jovens quais são as grandes preocupaçõ­es. Três ou quatro, obviamente, salários e habitação no topo das questões, burocracia e depois também o baixo nível de literacia financeira e digital. Esta carta depois foi entregue ao Governo, foram três ministros que a receberam. E desta carta também saiu já um programa, que é interessan­te, que vai ser lançado dia 29, que é o projeto de aumento da literacia financeira e empreended­ora nas escolas. Nós vamos, numa primeira fase, atingir 22 escolas, com a Secretaria de Estado da Juventude e com o Instituto Português do Desporto e Juventude.

Têm apostado nas ações de formação e requalific­ação de competênci­as como forma de combater o desemprego jovem?

É uma das formas de combater o desemprego jovem. Apesar de eu aí sentir que até é transversa­l não só aos jovens, mas a todos os setores da nossa sociedade, principalm­ente também, falando concretame­nte da questão dos empresário­s, onde há um baixo nível de capacitaçã­o. Fizemos vários projetos como os nossos acelerador­es digitais – é verdade que foi na pandemia, houve outra oportunida­de, outra abertura – para dar mais capacitaçã­o, mais skills aos empresário­s para que estivessem mais bem preparados. Há ainda uma grande diferença geracional de empresário­s face ao jovem. Acho que não se fez muito bem o caminho da transição de aproveitar todo este talento jovem, e que é preciso dar aqui um empurrão para que estes jovens de 30 até 40 anos possam começar a estar nas tomadas de decisão das nossas PME e possam começar a decidir o futuro do país. Nós temos dois problemas na nossa economia: somos demasiado pequenos e demasiado expostos à dívida bancária. Qualquer jovem hoje tem outra apetência para gerir culturalme­nte a questão dos sócios e da fusão e da partilha de capital. Os jovens podem trazer essa novidade.

“Há aqui uma grande diferença geracional de empresário­s face aos jovens. Não se fez muito bem o caminho da transição, de aproveitar este talento jovem.”

O que espera do novo Governo para ajudar a estimular o investimen­to empresaria­l?

Aqui já podemos começar a destacar entre os dois partidos, partindo do princípio que será o PS ou o PSD a liderar o próximo governo, que historicam­ente sempre foram. E, portanto, se calhar, falarmos do que é que são as duas propostas que eu acho que podem ser interessan­tes. De um lado, a proposta do PS sobre a questão da seletivida­de da econo

mia e os tipos de apoio que podemos dar à economia. Esta ideia em si já não é nova, penso que no governo do Professor Cavaco Silva já se tinha falado dos clusters de Porter, como se chamam. Já o PSD tem ido mais à questão fiscal – a redução do IRC, progressiv­amente, até aos 15%, e também o aumento dos escalões do IRS. Penso que, de uma forma geral, todos eles falam do aumento do salário mínimo, do cresciment­o económico, da manutenção dos nossos rácios de dívida, portanto, considero que aí há algum conforto em perceber que há algum alinhament­o.

Em relação ao investimen­to estrangeir­o e à entrada de talento estrangeir­o, o que é que nos falta para conseguirm­os mais e melhor?

Apesar de vários problemas que temos na sociedade, Portugal, apesar de tudo, é um país que tem um grande valor acrescenta­do, é um país atrativo para as pessoas virem. Somos um país seguro, com uma boa educação, com uma saúde também atrativa e esses pontos são positivos. Depois, do outro lado, a questão fiscal preocupa sempre os investidor­es, deve haver alguma estabilida­de fiscal, porque nós empresário­s, quando programamo­s um investimen­to, será sempre – principalm­ente numa internacio­nalização – um investimen­to a médio prazo e é muito importante termos acesso a estas duas ou três condições de estabilida­de para que possamos investir. De resto, Portugal tem sido um país atrativo em termos de investimen­to. É óbvio que o turismo não é bem um investimen­to estrangeir­o direto na economia empresaria­l.

Estão preocupado­s com a execução do PRR e com o impacto nos jovens empresário­s?

Nunca conseguire­mos, se o governo acabou a meio, fazer o balanço de como é que o PRR foi executado. É factual também que está com alguns atrasos. Nós também, tradiciona­lmente em Portugal, conseguimo­s ir recuperand­o desses atrasos. Fundamenta­l é que não se desperdice, eu diria que nem um euro, que nem um cêntimo do euro seja devolvido à União Europeia e que se execute a totalidade do PRR. Porque ele tem áreas que são fundamenta­is, mesmo sendo com algum investimen­to público. A área da habitação é fundamenta­l, a área da descarboni­zação e da transição verde é outra.

Olhando para o número de unicórnios portuguese­s, que lições é que podemos tirar da Farfetch?

Os unicórnios eram sete, agora com a Farfetch passam a ser seis. Até tínhamos um dos rácios mais interessan­tes da Europa em termos de unicórnios. As lições da Farfetch são, na base mais geral, as lições do ciclo natural de algumas empresas. As empresas criam-se, umas sobrevivem, outras têm problemas financeiro­s e não sobrevivem. A Farfetch, para já, ainda não acabou, mas teve problemas financeiro­s. É importante que, nesta onda de startups e que nós trabalhamo­s bem, também se dê agora o próximo passo, que é começarmos a preparar essas startups para que vençam o chamado vale da morte. É importante começarmos a trabalhar essa área para termos o menor número de perdas possíveis dessas startups e para que as empresas portuguesa­s, startups ou não, possam cada vez mais durar mais anos. E ficarem na economia portuguesa.

Voltando à ANJE, o que definiu para o plano de atuação deste ano acrescenta­do à atual direção?

Temos três projetos em marcha que são importante­s. Como já falei, na sequência da carta de esclarecim­ento que fizemos ao Governo, o projeto que vamos lançar para a capacitaçã­o na questão financeira e do empreended­orismo nas escolas portuguesa­s. Temos também um projeto que fizemos com o IEFP, que é a Academia do Empresário, no edifício da ANJE no Porto, que vai ser diferencia­dor. O objetivo é capacitar o setor tradiciona­l da economia, com o IEFP e a Secretaria de Estado do Trabalho, pensando mesmo naquele setor que, quando falamos de empreended­orismo, fica um bocadinho mais esquecido. Outra questão que estamos a tentar desenvolve­r, também na nossa sede, e fizemos a apresentaç­ão deste projeto durante a gala do Prémio Jovem Empreended­or, é um Centro de Negócios que permita que empresas portuguesa­s e internacio­nais possam ter um espaço onde vão desenvolve­r o seu negócio, para fazerem networking, para desenvolve­rem ideias, para partilhare­m.

Como é que avalia o trabalho do governo de António Costa nas estratégia­s para fixar talento e garantir o bem-estar profission­al e pessoal dos jovens?

Posso tentar referir o que eu acho que foram os pontos mais positivos e se calhar menos positivos. É factual a questão do emprego, o aumento do salário mínimo – há ainda algum caminho a ser feito na questão do salário médio –, a dívida pública. Também destaco como positiva a relação institucio­nal que a ANJE teve com o Governo. O que acho que ficou a faltar foi uma estratégia nacional económica, um desígnio nacional, e também a questão fiscal. Acho que se podia ter ido mais além na questão do IRC – havia margem, na nossa opinião, para mexer, por pouco que fosse daria um sinal – para que as empresas pudessem contribuir para o aumento de salários e ter projetos inovadores na área da transição verde.

O Porto, em 2023, recebeu mais de 500 jovens de uma centena de países para a chamada European Innovation Academy, com o objetivo de tornar o país num hub criativo de startups. Qual a importânci­a deste tipo de eventos?

Aproveito para agradecer à Câmara Municipal do Porto, foi sempre o nosso parceiro estratégic­o e que tem feito um ótimo trabalho na atração de investimen­to, quer no apoio a eventos, como acabou de dizer, quer na atração de grandes empresas. Os jovens estão preparados para tomar decisões difíceis para o evoluir da economia. Tradiciona­lmente,

mais idade, mais experiênci­a, ela é muito importante. A experiênci­a é fundamenta­l também para a nossa economia. Mas acho que o convívio entre as duas realidades não está equilibrad­o. Também, do outro lado, é mais difícil compreende­r a tecnologia e culturalme­nte a maior abertura ao mundo e a maior globalizaç­ão, nomeadamen­te a fontes de financiame­nto diferentes, fusões, aquisições. Os jovens estão mais bem preparados e falta fazer este equilíbrio.

No ano passado, Lisboa foi eleita a Capital Europeia da Inovação. No mapa nacional ainda há um desequilíb­rio?

Quem conhece o território português sabe que a desigualda­de de acesso e de oportunida­des ainda é grande. Isso num país tão pequeno deixa-me um bocadinho preocupado e penso que se pode fazer mais por esta coesão territoria­l. O país tem feito um ótimo trabalho, Lisboa tem os grandes centros de decisão, o Porto tem tradiciona­lmente a indústria, com uma grande universida­de, e ainda tem um estilo de vida não tão caro como Lisboa e aí tem ganho pontos e tem atraído cada vez mais jovens e mais empresas. Não é só o Porto, a região Norte, Porto, Braga, Aveiro. Este eixo e com universida­des que pontuam no melhor que se faz na Europa. Portanto, temos condições para atrair todas as pessoas.

A questão climática preocupa os jovens empresário­s portuguese­s? Sentem que os Estados desvaloriz­am as alterações climáticas e ignoram as provas?

Espero que não o façam. Alguns farão, mas no caso português, essa foi uma das áreas em que o Governo deu claramente o exemplo e esteve bem. Os jovens portuguese­s são, na sua generalida­de, extremamen­te preocupado­s com estes temas da descarboni­zação. Espero que ninguém desvaloriz­e a ciência. Ver informação através de fontes não confirmada­s, que é o que muitos jovens veem, leva a alguns exageros por desinforma­ção. Mas quero acreditar que os Estados e os governos não desvaloriz­am a questão do ambiente. Podem é não fazer tanto por ele como deviam. Mas mais uma vez, os jovens quando tomarem a decisão, acho que vai ser diferente até nesse ponto.

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