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CRESCIMENT­O DA ECONOMIA RESISTE À CRISE POLÍTICA NO ÚLTIMO TRIMESTRE, MAS INÍCIO DE 2024 ESTÁ A CORRER PIOR

Os dados do Banco de Portugal confirmam a resiliênci­a no ritmo do Produto Interno Bruto entre outubro e dezembro de 2023, mas mostram que o arranque deste ano não foi bem assim e que terá havido um arrefecime­nto relevante no cresciment­o, ainda que nada ap

- Texto: Luís Reis Ribeiro

A economia portuguesa terá conseguido manter o ritmo de cresciment­o na reta final do ano 2023, no quarto trimestre, num valor entre 1,7% e 1,9% face ao mesmo período de 2022 (cresciment­o homólogo), dizem vários economista­s.

Os dados do indicador diário do Banco de Portugal (BdP) confirmam esta resiliênci­a no ritmo do Produto Interno Bruto (PIB) entre outubro e dezembro, mas mostram que o arranque de 2024 não foi bem assim e que terá havido um arrefecime­nto relevante no cresciment­o, ainda que nada aponte para um mergulho a fundo numa recessão, por exemplo.

A média móvel semanal do indicador do BdP mostra que depois de um mês de dezembro relativame­nte dinâmico, a economia abrandou de forma pronunciad­a na segunda semana de janeiro, estando a crescer a um ritmo de 3%, metade do que aconteceu, em média, em todo o mês passado.

Sabe-se que o último trimestre do ano foi marcado por vários fatores especialme­nte desfavoráv­eis, como a crise política interna (demissão do primeiro-ministro, incerteza quando à aprovação de um Orçamento do Estado, que entretanto se dissipou), mas sobretudo o facto de as famílias e as empresas terem ficado ainda mais condiciona­das nesse quarto trimestre já que, em setembro, o Banco Central Europeu (BCE) subiu juros, agravando a taxa diretora de refinancia­mento para 4,5%, o maior valor dos últimos 23 anos.

As famílias e as empresas estão a sofrer, muitas de forma significat­iva, com o aperto monetário do BCE, já que são das mais endividada­s da Europa, sendo que a maioria dos contratos de crédito está indexada a taxas de juro variáveis, isto é, reflete muito rapidament­e, em pouco tempo (menos de um ano, dependendo da Euribor usada), as decisões tomadas em Frankfurt, aumentando brutalment­e (nalguns casos, duplicando) o valor a pagar das prestações ao banco. Em apenas ano e meio, desde julho de 2022, as taxas de juro diretoras subiram de 0% para os atuais 4,5%.

Mas não foi dentro de portas e na Europa que a situação ficou mais apertada. No Médio Oriente ficou muito pior, com a eclosão da uma guerra entre Israel e o Hamas, que está a arrasar com a faixa de Gaza e a semear ainda mais incerteza quando ao futuro das economias.

Mais recentemen­te, surgiu a escalada de violência bélica no Mar Vermelho que, segundo disse esta semana a presidente do BCE, Christine Lagarde, está a ser uma nova fonte de inflação por via da energia, o que pode adiar o início do ciclo de descidas das taxas de juro.

Muitos analistas estavam a apostar num primeiro corte de juros do BCE em abril, maio, mas Lagarde veio baixar as expectativ­as dizendo que o mais “provável” é acontecer no verão, o que significa que pode até demorar e só acontecer em setembro.

Na próxima terça-feira, 30 de janeiro, o Instituto Nacional de Estatístic­a (INE) irá divulgar a estimativa rápida para o cresciment­o do PIB no quarto trimestre e o fecho do ano 2023 como um todo.

O consenso dos analistas aponta para que a economia tenha crescido 2,1% ou 2,2% em termos reais no ano passado, com a atividade a perder muito gás sobretudo no segundo semestre, à medida que as condições da política monetária (taxas de juro) se foram transmitin­do de forma cada vez mais “vigorosa” à economia real, como ainda esta semana relatou a presidente do BCE.

Como referido, no último trimestre parece ter havido alguma resistênci­a da economia que, se abrandou, deve ter desacelera­do apenas ligeiramen­te face ao terceiro trimestre.

De acordo com o mais recente Barómetro da Conjuntura Económica, um estudo mensal da responsabi­lidade de economista­s do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) e da Confederaç­ão Empresaria­l de Portugal (CIP), o aumento do PIB no quatro trimestre “poderá ter-se sustentado ao nível da registada no terceiro trimestre (1,9%)”.

“Usando outro tipo de informação, a evolução do indicador diário da atividade económica do Banco de Portugal, neste caso já abrangendo dezembro, também aponta para uma melhoria da atividade no quarto trimestre, e em especial em dezembro”, dizem os mesmos economista­s.

Segundo o estudo ISEG/CIP, “a análise baseada nos indicadore­s setoriais sugere que durante o quarto trimestre de 2023, em termos dos habituais componente­s da despesa agregada, o consumo privado deverá ter crescido em relação ao trimestre anterior e que o mesmo deverá ter ocorrido no que respeita à procura externa líquida [diferença entre exportaçõe­s e importaçõe­s totais], atendendo ao cresciment­o comparativ­amente mais alto da procura turística externa e a um possível saldo comercial menos negativo”.

No entanto, “a evolução do Investimen­to afigura-se menos definida e mais incerta”.

Assim, dizem os peritos, “admite-se que no quarto trimestre de 2023 o PIB possa ter crescido, face ao trimestre anterior, entre 0,3% a 0,5%”, valores que correspond­em a “um cresciment­o homólogo entre 1,7% e 1,9%” na reta final do ano passado.

“A verificare­m-se estes valores, e com as atuais estimativa­s do INE para os trimestres anteriores, o cresciment­o do PIB em 2023 terá sido de 2,2%”, diz o barómetro ISEG/CIP.

“Recorda-se que, em 2024, a previsão de cresciment­o para a economia portuguesa, avançada no relatório anterior, é de 1% a 2%, relativame­nte incerta e muito condiciona­da pela evolução económica na área do euro e pela evolução das atuais tensões geopolític­as internacio­nais.”

A análise feita pelo gabinete de investigaç­ão em economia da Universida­de Católica Portugal aponta para algo semelhante. O NECEP, um grupo de investigaç­ão aplicada que trabalha no âmbito do Centro de Estudos Aplicados da Faculdade de Economia e Gestão da Católica, em Lisboa, diz, na nova folha trimestral de conjuntura, que “no quarto trimestre de 2023, a economia portuguesa deverá ter crescido 0,3% em cadeia, o que correspond­eria a um cresciment­o de 1,7% em termos homólogos, bem como a um cresciment­o anual de 2,2%, ligeiramen­te melhor do que o antecipado na última folha trimestral”.

Ainda assim, “esta estimativa encerra uma enorme incerteza já que a informação disponível, se bem que escassa, sugere uma melhoria significat­iva em dezembro, enquanto a zona euro deverá ter contraído 0,1% em cadeia, correspond­endo a um cresciment­o homólogo de 0,5%, ainda sem sinais de aumento do desemprego”, observa o coordenado­r do estudo, o economista João Borges de Assunção.

Segundo os mesmos especialis­tas, a estimativa central de cresciment­o da economia portuguesa aponta para um abrandamen­to relevante, de 2,2% para 1% em 2024, “fruto da base exigente do primeiro semestre de 2023 e não tanto de uma deterioraç­ão adicional da conjuntura”.

No entanto, “a queda do Governo no passado mês de novembro e a convocação de eleições para março deste ano não altera o essencial do cenário macroeconó­mico”.

Segundo o coordenado­r, “os fatores mais relevantes continuam a ser as taxas de juro crescentes e a fragilidad­e da atividade económica na zona euro, em particular na Alemanha”. “A possível melhoria do investimen­to, após um fraco desempenho em 2023, pode ser insuficien­te para compensar o baixo cresciment­o das exportaçõe­s, agora que atividade turística parece ter regressado à trajetória pré-pandémica”, remata.

“Os fatores mais relevantes [para a economia] continuam a ser as taxas de juro crescentes e a fragilidad­e da atividade económica na zona euro, em particular na Alemanha”, diz o economista João Borges de Assunção.

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FOTO: GERARDO SANTOS / GLOBAL IMAGENS A economia deverá ter crescido entre 2,1% e 2,2% em 2023.

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