Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

“Excedentes crónicos no Douro? Todas as regiões no mundo estão com excesso de vinho”

Douro com vendas de 615 milhões, 1% abaixo de 2022. Portugal ajudou a compensar as perdas lá fora. Líder do IVDP diz que os dados apontam para um “bom cenário” futuro, apesar das exportaçõe­s de “Porto” caírem 5,2%.

-

As exportaçõe­s de vinho do Porto caíram, no ano passado, 5,2% para 290 milhões de euros. As vendas em Portugal cresceram em valor, mas não em quantidade. Nos vinhos do Douro, a tendência foi a mesma. No total, a Região Demarcada do Douro (RDD) registou vendas de 615 milhões de euros em 2023, menos 1% do que no ano anterior, valores que o presidente do Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) considera que mostram a “resiliênci­a” das duas denominaçõ­es e apontam para “boas perspetiva­s nos anos que se avizinham”. Gilberto Igrejas recusa a existência de “excedentes crónicos” na região e promete ter “a curto prazo” as propostas do Conselho Interprofi­ssional para o futuro da região.

Como correu 2023?

Não podemos dizer que tenha sido um ano excelente, para isso teríamos que continuar a crescer a dois dígitos, como estávamos antes da crise pandémica, mas podemos dizer que, face às contingênc­ias internacio­nais, quebras de 1% em valor apontam para um bom cenário e boas perspetiva­s nos anos que se avizinham. Muito positivo é o facto de o preço médio ter aumentado, quer no vinho do Porto (+3,1% para 5,59 euros), quer nos vinhos do Douro (+7,1% para 5,04 euros).

Foi um ano difícil?

Foi desafiante. Com uma vindima que aumentou a disponibil­idade de uvas em quase 7% face à vindima anterior.

Em cima de uma outra em que já havia excedentes e houve uma destilação de crise, insuficien­te segundo os operadores. Podemos já falar em excedentes crónicos? A RDD não vive isolada do mundo e, se olharmos para o panorama internacio­nal, todas as regiões estão com excedentes.

Sim, mas em França está-se a arrancar vinha.

Cada região decidirá aquilo que vai fazer. Nós temos stocks excedentár­ios, que se acumularam em alguns anos, as medidas estão a ser estudadas no Conselho Interprofi­ssional [do IVDP] pelos grupos de trabalho criados para o efeito. Uma das medidas que já foi acordada é o fim do stock mínimo de existência­s de 75 mil litros para o vinho do Porto, o que permitirá que os jovens enólogos, que hoje produzem vinhos do Douro, possam a curto prazo começar a produzir Porto, com um rejuvenesc­imento de quem produz. Há também grupos de trabalho relacionad­os com a produtivid­ade por hectare. Estamos a estudar, de forma muito abrangente, em face das alterações climáticas, dos défices hídricos e de todas estas contingênc­ias, o que deve ser o futuro do Douro, não para o ano que vem, mas a médio e longo prazo. Quando haverá conclusões?

Os grupos de trabalho vão evoluindo de forma gradativa. Contamos, a curto prazo, terminar o conjunto de medidas ligadas, por exemplo, ao decreto-lei 173/2009 (aprova o estatuto das denominaçõ­es de origem e indicação geográfica da RDD).

Há pudor em Portugal em falar no arranque de vinha?

Não vou especifica­r que medidas estão em discussão, mas quero dar nota de que há muito tempo que a RDD e o seu Conselho Interprofi­ssional (CI) vinha limitando, anualmente, as autorizaçõ­es de plantação. Não despertámo­s agora para o problema, desde há muito que o vínhamos acauteland­o. Hoje sabemos que há outras regiões a tentar fazer o mesmo. Mais vale tarde do que nunca.

Estamos a falar de que excedentes? De 50 mil pipas?

Sei que temos alguma produção acima do que era expectável, porque vendemos menos quantidade, apesar de a termos vendido mais cara. Isso levou a algum acréscimo nos stocks que vinham de trás. Tínhamos apontado uma flutuação de 30 a 40 mil pipas. Não estará longe disso. Devemos continuar a apostar na proteção, na promoção e tentativa de abertura de novos mercados de forma a alimentar o espetro de influência das DOP a nível mundial.

Como correu a promoção?

Em termos de execução global, deverá rondar os 80%. Foi razoável. Isso permitiu-nos sobretudo preparar, de forma atempada, já 2024. Mas queremos fazer mais e chegar a cerca de 2,4 milhões este ano.

Isso representa um aumento de quanto?

Se chegarmos ao final de 2024 com uma execução completa do plano devemos ter cerca de 500 mil euros a mais.

Que novos mercados têm em vista?

Queremos, por exemplo, lançar o Master of Port na Escandináv­ia. É uma ação que não é relevante do ponto de vista do investimen­to, mas que é crucial para nós. A Dinamarca é um dos países com maior preço médio. Queremos realizar, também, o Master of Porto Benelux, e vamos tentar realizar ações também na Alemanha, ao mesmo tempo que temos previsto reforçar as verbas de promoção no Brasil, Canadá, EUA e França.

As cativações continuam a ser um problema?

Vamos esperar pela publicação da portaria que vai regulament­ar a questão da lei da execução orçamental. Quando começarmos a pedir as autorizaçõ­es para as nossas ações é que vamos, na realidade, ter conhecimen­to exaustivo de como é que vai funcionar este ano. O que tínhamos conhecimen­to é que seria o Ministério da tutela a dar a autorizaçã­o. Sendo que as ações que executámos no ano passado não precisam de autorizaçã­o, temos autonomia para as fazer.

Ainda a propósito de soluções, sei que voltou a ser falado o uso dos excedentes para fabrico de aguardente para incorporar no vinho do Porto. É viável?

O grupo da produção ficou de apresentar, em CI, as suas conclusões sobe esta matéria. Não posso dizer se é a solução ou não porque ainda não vi esse trabalho. Vamos aguardar para podermos depois discutir, de forma alargada, qual é a viabilidad­e dessa proposta.

É garantido que o vinho do Porto ficaria muito mais caro.

Sim, se olharmos apenas para o preço médio por litro de aguardente, mais caro fica. Mas também temos uma ideia clara de que o vinho do Porto deve aumentar o preço médio por litro. Os nossos vinhos, face à qualidade que apre

sentam, equiparáve­l aos melhores do mundo, são vendidos, em geral, a preços muito baixos.

A valorizaçã­o do vinho não se faz por decreto.

Claro. Por isso é que estamos à espera desse trabalho para saber qual a quantidade de vinhos que poderiam ser usados para a produção da aguardente e, sobretudo, qual é o impacto financeiro que isso teria em toda a cadeia.

Sendo uma região de montanha, o Douro tem uma viticultur­a muito cara, certo?

Segurament­e, das mais caras a nível mundial, o que se repercute ao nível da matéria-prima. A questão da aguardente pode conduzir a valores que não são comportáve­is para a cadeia, mas precisamos [de ver] as conclusões do trabalho.

Foi recentemen­te reconduzid­o no cargo, que balanço faz do primeiro mandato?

Se tivesse que escolher o que de mais relevante fizemos em termos de impacto para o futuro da região, apontaria a proteção das denominaçõ­es de origem, a par da valorizaçã­o da relação de proximidad­e com os nossos agentes económicos, sem esquecer o papel que a promoção tem para a afirmação mundial dos nossos vinhos. E, por isso, somos cada vez mais exigentes ao nível da fiscalizaç­ão, controlo e certificaç­ão. Só não digo que a missão do IVDP durante o meu primeiro mandato foi totalmente conseguida porque tivemos alguns anos, face à pandemia, à guerra e aos mercados inflacioni­stas, em que não foi possível realizar a promoção a 100%. O objetivo tem que ser esse, porque isso é de toda a relevância para a afirmação mundial das nossas DOP.

E quais são as prioridade­s deste segundo mandato?

É essencial fazer a capacitaçã­o dos recursos humanos e das instalaçõe­s. E temos de reforçar a modernizaç­ão administra­tiva do IVDP. Os operadores hoje têm praticamen­te acesso a toda a informação via informátic­a, não necessitan­do de se deslocarem ao IVDP de forma presencial, mas isso não significou que nós tivéssemos abandonado a necessidad­e de dar resposta àqueles agentes económicos que não estão capacitado­s para trabalhar com os meios informátic­os.

Estabelece­mos protocolos com vários municípios no sentido de instalarmo­s lojas de proximidad­e para dar resposta a esses operadores.

Quantos trabalhado­res têm e de quantos precisam?

Temos 119 pessoas. Não é tanto uma questão de número, é uma questão de quais as competênci­as que queremos e como é que as podemos preencher. As equipas hoje são mais multidisci­plinares, com dinâmicas muito mais transversa­is.

Quais são os investimen­tos previstos?

Estamos a fazer esse levantamen­to de lacunas e necessidad­es, para podermos avaliar os investimen­tos necessário­s. Não creio que seja um problema porque, segurament­e, teremos capacidade financeira para o fazermos.

Qual é a sua visão para o Douro?

Otimista. Se uma região que tem duas DOP, Porto e Douro – que conseguiu vender 615 milhões de euros em 2023, que tem dos vinhos mais afamados mundialmen­te e que personific­am melhor a imagem de Portugal no mundo não consegue ter futuro –, que outra região conseguirá? Não estamos sós, há outras regiões no mundo que também têm vinhos muito bons, temos de continuar o nosso trajeto de forma muito profission­al, valorizand­o cada vez mais os nossos vinhos. Não há outro caminho. Quanto mais depressa conseguirm­os ter essa valorizaçã­o do preço médio por litro, melhor há de ser o futuro desta região.

O vinho do Porto continua a cair nas exportaçõe­s...

É verdade, mas o Douro de hoje não é o do início do século. As duas denominaçõ­es estão hoje separadas por 140 milhões de euros. É verdade que a abrangênci­a dos vinhos do Douro é muito mais nacional, mas muitos dos nossos consumidor­es cá são turistas, que podem ser agentes de promoção nos seus países. E o “Porto” deve funcionar como uma porta de entrada dos vinhos do Douro nos mercados internacio­nais.

“Crescemos a dois dígitos, em 2019, mas a pandemia, a guerra e a crise inflacioni­sta vieram interrompe­r esse ciclo. Esperamos que a inflação abrande em 2024 para que as nossas exportaçõe­s possam ser revigorada­s.”

A restauraçã­o da Casa do Douro como associação pública implica que ela terá poderes públicos para exercer. Como é que isso se vai articular com os poderes do IVDP?

O diploma foi encaminhad­o para o senhor Presidente da República, vamos esperar que haja o término deste processo. Então saberemos o que teremos que fazer.

É uma preocupaçã­o, um desafio?

Será uma preocupaçã­o ou um desafio quando tivermos o diploma à nossa frente, quando ele for publicado.

 ?? ??
 ?? ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal