Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Luta de classes

- ALBERTO CASTRO Economista e professor universitá­rio

Opeso do Chega nas intenções de voto dos mais jovens espantou. Vendo bem, os sinais já aí estavam: os jovens têm vindo, nos últimos anos, a “votar com os pés”. Na falta de um retrato mais exaustivo e rigoroso (e faz falta, pois, bem se sabe, o diabo está nos detalhes!), não parece excessivo admitir que há uma certa simetria: 20 a 35% das pessoas entre os 20 e os 35 anos emigram. Fazem-no porque cresceram mais cosmopolit­as, olhando para o mundo como a minha geração olhava para a sua região, ou como a geração do meu filho olhava para o país. A informação circula mais, as oportunida­des, onde quer que existam, são conhecidas. Ao contrário do que cantava Adriano, hoje já se troca menos “o certo pelo incerto”, embora, ainda assim, quem o faz “motivos há de ter”.

Sucessivos artigos e reportagen­s jornalísti­cas permitem identifica­r um denominado­r comum: embora mais em casa no mundo, a maioria saiu por desilusão com o que o país quer deles e lhes tem para oferecer. Some-se o crescente individual­ismo, em que se conjugam os efeitos das novas tecnologia­s, com a desvaloriz­ação do papel da família, ela própria resultante de rotinas de trabalho antissocia­is e de sucessivas vagas de políticas inspiradas pela esquerda radical, e temos criado o contexto para a tempestade perfeita. A situação aproxima-se de uma luta de classes, em que a exploração tem a idade como fator de clivagem: adaptando Carlos Tê, “parece que o mundo inteiro se uniu p’ra os tramar”. A desilusão sublima-se em descontent­amento.

A classe política terá acordado para o problema, havendo um consenso quanto à necessidad­e de se criarem condições para a retenção de talento jovem. As descidas de IRS, e os outros apoios anunciados, vão na direção certa. No longo prazo, no entanto, sem uma reestrutur­ação empresaria­l (em dimensão e especializ­ação) profunda, nem reteremos, nem atrairemos talento. As políticas terão de dar os sinais, e incentivos, certos, mas a última palavra caberá aos empresário­s. Sem essa transforma­ção, o lamento pela saída dos jovens soará, em última análise, a hipocrisia.

“As políticas terão de dar os sinais, e incentivos, certos, mas a última palavra caberá aos empresário­s. Sem essa transforma­ção, o lamento pela saída dos jovens soará, em última análise, a hipocrisia.”

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