Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
Luta de classes
Opeso do Chega nas intenções de voto dos mais jovens espantou. Vendo bem, os sinais já aí estavam: os jovens têm vindo, nos últimos anos, a “votar com os pés”. Na falta de um retrato mais exaustivo e rigoroso (e faz falta, pois, bem se sabe, o diabo está nos detalhes!), não parece excessivo admitir que há uma certa simetria: 20 a 35% das pessoas entre os 20 e os 35 anos emigram. Fazem-no porque cresceram mais cosmopolitas, olhando para o mundo como a minha geração olhava para a sua região, ou como a geração do meu filho olhava para o país. A informação circula mais, as oportunidades, onde quer que existam, são conhecidas. Ao contrário do que cantava Adriano, hoje já se troca menos “o certo pelo incerto”, embora, ainda assim, quem o faz “motivos há de ter”.
Sucessivos artigos e reportagens jornalísticas permitem identificar um denominador comum: embora mais em casa no mundo, a maioria saiu por desilusão com o que o país quer deles e lhes tem para oferecer. Some-se o crescente individualismo, em que se conjugam os efeitos das novas tecnologias, com a desvalorização do papel da família, ela própria resultante de rotinas de trabalho antissociais e de sucessivas vagas de políticas inspiradas pela esquerda radical, e temos criado o contexto para a tempestade perfeita. A situação aproxima-se de uma luta de classes, em que a exploração tem a idade como fator de clivagem: adaptando Carlos Tê, “parece que o mundo inteiro se uniu p’ra os tramar”. A desilusão sublima-se em descontentamento.
A classe política terá acordado para o problema, havendo um consenso quanto à necessidade de se criarem condições para a retenção de talento jovem. As descidas de IRS, e os outros apoios anunciados, vão na direção certa. No longo prazo, no entanto, sem uma reestruturação empresarial (em dimensão e especialização) profunda, nem reteremos, nem atrairemos talento. As políticas terão de dar os sinais, e incentivos, certos, mas a última palavra caberá aos empresários. Sem essa transformação, o lamento pela saída dos jovens soará, em última análise, a hipocrisia.
“As políticas terão de dar os sinais, e incentivos, certos, mas a última palavra caberá aos empresários. Sem essa transformação, o lamento pela saída dos jovens soará, em última análise, a hipocrisia.”