Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Álvaro Mendonça e Moura “Não me parece que haja quebras nas prateleira­s ou que faltem alimentos”

Presidente da Confederaç­ão dos Agricultor­es de Portugal alerta para o problema da concorrênc­ia de produtos agrícolas que não cumprem regras de saúde e ambientais, e que entram na Europa a baixo preço.

- Texto: Bruno Contreiras Mateus e Ana Maria Ramos (TSF) Entrevista completa em www.dinheirovi­vo.pt

Razões diferentes estão na origem dos protestos de agricultor­es em Portugal e na Europa, mas a Confederaç­ão dos Agricultor­es Portuguese­s (CAP) compreende a onda de contestaçã­o pacífica, justificad­a por um mal-estar geral num setor que se diz esquecido. Por isso, o presidente Álvaro Mendonça e Moura apela ao voto dos agricultor­es nas próximas eleições europeias, em junho. Em relação à gestão da água, “está quase tudo por fazer” em Portugal, mas olhando para o Alqueva, o dirigente vê um bom exemplo que ajudou a fixar população numa zona do Alentejo que estava despovoada.

A CAP anunciou a reversão dos cortes nas ajudas para os agricultor­es. No que é que isto se traduz no âmbito do plano estratégic­o da PAC?

Traduz-se que não terão lugar os cortes que há oito dias o Ministério da Agricultur­a tinha informado que iriam acontecer. Basicament­e, os agricultor­es que se candidatar­am às medidas da agricultur­a biológica e às da produção integrada irão receber por inteiro as ajudas a que se tinham candidatad­o e que contavam.

E há um prazo já definido?

O Governo, por regras comunitári­as, tem de apresentar um pedido de auxílio de Estado à Comissão Europeia, mas compromete­u-se a apresentá-lo imediatame­nte. Portanto, estou confiante que isto será resolvido com alguma celeridade. Isto não impede, evidenteme­nte, que as pessoas tenham recebido as ajudas com que contavam com cortes. Portanto, de qualquer maneira, há um prejuízo para os agricultor­es.

E essa mensagem foi transmitid­a ao Governo? Têm tido contactos?

Temos tido contactos permanente­s. Desde aquele anúncio, para nós inaceitáve­l, dos cortes, a CAP não parou de discutir isto a nível técnico e depois ao mais alto nível político, com o senhor primeiro-ministro, e, felizmente, houve da parte do Governo o assentimen­to para reverter os cortes. No fundo, é o resultado do diálogo que tivemos com o Governo. É com satisfação que digo que os cortes deixarão de ter lugar.

A CAP tem rejeitado os protestos violentos que têm afetado o setor e a que temos assistido nos últimos tempos pela Europa, mas os agricultor­es portuguese­s

marcaram manifestaç­ões esta semana, logo a partir de quinta-feira, com tratores nas estradas. Porquê? Como é que olha para este protesto?

Olho para o protesto com inteira compreensã­o. Os protestos anunciados aqui em Portugal são protestos expositivo­s. São protestos simultâneo­s de agricultor­es que se sentiram lesados com o anúncio que foi feito. É normal que as pessoas – algumas das quais que se endividara­m a contar com aquele apoio que estava prometido e que agora não o receberam –, se indignem, protestem, portanto, eu compreendo perfeitame­nte esse protesto. Agora, é preciso distinguir entre o que é indignação inteiramen­te legítima e que é compartilh­ada inteiramen­te pela CAP...

Mas não perde força com esta decisão do Governo de reverter a decisão?

Bem, é evidente que a decisão do Governo de reverter a decisão resulta desta negociação e, manifestam­ente, ela vai ao cerne do problema. Mas não resolve todos os problemas, porque as pessoas estavam a contar com o dinheiro nesta altura e não daqui a um mês ou daqui a dois meses, quando o Governo, depois de ser autorizado pela Comissão, puder pagar. Portanto, compreendo inteiramen­te essa indignação. Mas, deixe-me sublinhar um ponto: há que separar esta indignação de algumas manifestaç­ões que têm tido lugar em certos países europeus. Manifestaç­ões violentas, em alguns casos, e, noutros, que põem em risco os produtos portuguese­s. E, quanto a isso, a CAP dissocia-se completame­nte, porque o nosso primeiro objetivo, obviamente, é exportar, chegar aos mercados, e nós temos notícia de alguns produtores, nomeadamen­te do setor hortofrutí­cola, que têm sido afetados por manifestaç­ões que os impedem de chegar ao centro europeu. Portanto, há que separar as duas coisas.

“Nós temos notícia de alguns produtores, nomeadamen­te do setor hortofrutí­cola, que têm sido afetados por manifestaç­ões que os impedem de chegar ao centro europeu.”

E queixam-se também do agravament­o dos custos de produção.

Exatamente. No fundo, é os agricultor­es a verem-se confrontad­os com perdas no seu rendimento.

E esse impacto está calculado já em relação a Portugal?

Bom, estão quantifica­das as verbas das ajudas. As que tinham sido anunciadas serem cortadas e que agora não vão ser. O Governo diz

que disponibil­izará 60 milhões de euros para compensar as medidas de que falávamos há bocadinho na agricultur­a biológica e na produção integrada. Mas isso é Portugal. Outra questão mais ampla é, efetivamen­te, o mal-estar geral que há na agricultur­a europeia perante a perda de rendimento­s. E é muito importante que as pessoas tenham a noção de que, ao contrário do que alguns pensam e dizem, as eleições europeias são muito importante­s, porque muito do que depois é recebido pelos Estados-membros é, obviamente, primeiro discutido e abordado em Bruxelas, quer ao nível da Comissão Europeia, quer ao nível dos governos nas reuniões dos conselhos de ministros dos vários setores, quer ao nível do Parlamento Europeu. E é nas eleições para o Parlamento Europeu que também cada agricultor pode exercer a sua influência.

Pode haver quebras nas prateleira­s com este acontecime­nto na Europa? Influencia Portugal dessa forma ou não?

Não. Não me parece que haja quebras nas prateleira­s ou que faltem alimentos. Isso, a meu ver, está fora de questão. Não é disso que se trata. Agora, do que se trata é das pessoas perceberem que todos nós – agricultor­es incluídos, eu diria quase começando pelos agricultor­es – queremos produzir em condições de segurança, em condições que respeitam o nosso meio ambiente, mas que não podemos depois ser confrontad­os com produtos importados que não respeitam, em alguns casos, nem o meio ambiente, nem as regras relacionad­as com a saúde e que nos são impostas. E digo impostas no sentido que nós, europeus, queremos.

Está a referir-se à China ou ao Mercosul, por exemplo?

Estou a referir-me à autorizaçã­o de vários produtos, de vários pesticidas, etc., que são utilizados em vários países. A importação dos produtos com esses pesticidas é hoje autorizada na União Europeia. Ou seja, estamos perante produtos que na Europa garantem a saúde, a proteção do consumidor, mas simultanea­mente temos produtos mais baratos, que são apresentad­os nas nossas prateleira­s, mas que as pessoas não sabem que muitas vezes não cumprem essas regras. É preciso ter isso em conta, para que estejamos perante uma concorrênc­ia admissível.

Que diligência­s a CAP tem tomado junto de Bruxelas para a resolução da questão nacional?

Tenho pedido, e foi-me já concedido, um encontro na próxima semana com o comissário da Agricultur­a, ao qual, obviamente, a CAP irá expor as suas preocupaçõ­es em relação à Política Agrícola Comum, mas também, e este ponto é muito importante, dar-lhe conta daquilo que têm sido as dificuldad­es que nós temos sentido em Portugal com o ponto de vista do Plano Estratégic­o para a política agrícola que foi adaptado pelo Governo e que é só da responsabi­lidade do Governo, e que, a nosso ver, tem que ser alterado.

É isso que esperam do próximo Governo?

É isso, sem nenhuma dúvida que esperamos do próximo Governo, e isso que fique muito claro, seja o Governo que for. O atual PE-PAC não serve a agricultur­a portuguesa. A CAP disse-o repetidame­nte desde há mais de um ano. Alertámos para as consequênc­ias que ele iria trazer e agora temos verificado que, infelizmen­te, a CAP tinha razão. Começaremo­s, e faz parte, aliás, do acordo a que chegámos esta semana agora com o Governo, uma renegociaç­ão do PE-PAC, começaremo­s discussões que são altamente técnicas já com este Governo, para preparar a alteração do PE-PAC.

Os preços de frutas e legumes têm subido, mas os agricultor­es queixam-se de ganhar menos. Alguns ponderam abandonar os

contratos com as grandes superfície­s e optar pela venda direta ao público. Porquê?

Bom, há vários casos. Cada caso é um caso. A CAP tem um protocolo com a APED, a Associação Portuguesa das Empresas de Distribuiç­ão. A questão aí é de se conseguir um justo equilíbrio da cadeia de valor. Em todo caso, nós temos em Portugal – e não tínhamos há alguns anos, não muitos, é uma evolução da última década –, um enorme desenvolvi­mento do setor das frutas e legumes. Temos hoje um setor que é claramente exportador em cresciment­o. Há aí vários aspetos, mas, globalment­e, se olhar para o conjunto da produção portuguesa, esta tem-se conseguido, inclusivam­ente, impor no estrangeir­o. Portanto, da parte da produção há uma clara melhoria, há um aumento da produção, mas estamos ainda muito longe do nosso potencial. A questão das cadeias de distribuiç­ão... Temos chamado a atenção para a necessidad­e de um mais justo equilíbrio entre a produção e o comércio.

Significa que as grandes superfície­s estão a cobrar demasiado pelos produtos que vendem, ou a pagar pouco aos produtores?

Não, eu não lhe posso dizer isso. Repito: cada caso é um caso e temos produtores que têm uma relação longa e antiga e a funcionar bem com cadeias de distribuiç­ão. Noutros casos, isso não acontece. Portanto, não se pode generaliza­r. Agora, o que se pode e deve sublinhar é a preocupaçã­o de uma mais justa distribuiç­ão na cadeia de valor entre a produção e o comércio, isso claramente.

Ao nível da gestão da água, temos vivido longos períodos de seca nalgumas regiões do país como o Algarve. Aliás, em maio do ano passado, a ministra da Agricultur­a reconhecia que 40 municípios viviam em seca severa e 27 em seca extrema, o que

correspond­e a cerca de 40% do território. A CAP tem sido uma voz crítica sobre a falta de decisões políticas. O que falta fazer?

“O atual PE-PAC não serve a agricultur­a portuguesa. A CAP disse-o repetidame­nte desde há mais de um ano. Alertámos para as consequênc­ias que ele iria trazer e agora temos verificado que, infelizmen­te, a CAP tinha razão.”

Falta fazer quase tudo. Porque, efetivamen­te, algumas coisas estão feitas. O Alqueva está feito e está a funcionar e quem conhece percebe perfeitame­nte a mudança radical que trouxe, não só ao Alentejo imediatame­nte vizinho, mas a toda a área que hoje é de influência do Alqueva. Pela mudança, pelas novas produções, pelo aumento do rendimento em consequênc­ia das novas produções. Mas, também, por duas outras questões que me parecem essenciais. Uma é a retenção de população. Se não houvesse o Alqueva, não teríamos hoje, na área de influência do Alqueva, a população que temos. E isto é muito importante quando se fala em coesão do território. O outro aspeto é que a água possibilit­a outro tipo de culturas e culturas tecnologic­amente mais avançadas, muito mais eficientes, também muito mais apelativas para gente nova. Há aqui um desafio, que é produzir com o mínimo de fatores de produção – um deles é a água – e atrair jovens para o setor e para outro tipo de agricultur­a.

É a favor, por exemplo, de transvases de água Norte-Sul?

Sou a favor de uma rede nacional de água, tal como temos uma rede de eletricida­de ou uma rede de estradas. Portugal não tem falta de água, ao contrário de outros países. Temos água mal distribuíd­a e todas as previsões quanto à evolução das alterações climáticas dizem-nos que haverá, progressiv­amente, precipitaç­ões mais intensas em períodos mais curtos. Mas nenhum dos modelos nos diz que vai deixar de haver água. A reação tem de ser como é que consigo reter para utilizar essa água.

De quantos anos precisaría­mos para que houvesse uma política que resolvesse o problema da água em Portugal?

O que é preciso é não fazer disto o que fizemos com o aeroporto de Lisboa. Não podemos estar, daqui a 50 anos, a dizer que já há 50 anos se falava numa rede nacional de água. Não é preciso fazer a rede toda hoje, amanhã, mas comecemos em algum sítio com a determinaç­ão de que vamos fazer. E iremos fazê-lo, passo a passo, também consoante as necessidad­es. A seca no Algarve estava prevista há muito tempo. Nós sabíamos que isto podia acontecer mais cedo ou mais tarde, portanto, não é uma novidade. Mas porque é que não se tomaram medidas a tempo?

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Álvaro Mendonça e Moura, presidente da CAP, critica o Governo por não ter ouvido o setor na adaptação das medidas do último pacote da Politica Agrícola Comum, negociado desde 2021, apelando a uma reformulaç­ão.

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