Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
PORTUGAL E O CUSTO DE PINTAR DE VERDE A COMPLEXA TELA DA ECONOMIA NACIONAL
Governo projeta 85 mil milhões de euros em investimentos para descarbonizar a economia. Fontes renováveis ganham preponderância e há metas antecipadas, mas efeitos da Lei do Clima tardam. Faltam medidas preventivas, dizem os especialistas.
Planos, estratégias e uma lei de bases. Desde o Acordo de Paris, em vigor há sete anos, diferentes diplomas e incentivos foram criados e ativados em Portugal para acelerar a ação climática e garantir a descarbonização da economia nacional até 2050. Com as eleições legislativas a cerca de um mês de distância, e sem se conhecer o programa de cada um dos partidos para a transição energética, o Dinheiro Vivo (DV) traça um ponto de situação.
Há trabalho feito no uso de energias renováveis e avultados investimentos anunciados, mas a dependência do carro individual, o “desordenamento do território”, a ausência de políticas preventivas para adaptar o país às alterações climáticas e uma Lei de Base do Clima para já pouco consequente, levam especialistas a alertar para “desafios muito grandes” ainda por solucionar.
Projetados 85 mil milhões em investimentos verdes
O Governo em gestão, no entanto, puxa dos galões para defender o caminho já percorrido. Realçando que “antecipou em quatro anos as metas de produção de eletricidade – 80% de incorporação de renováveis já em 2026 e 85% em 2030” –, o gabinete de imprensa do Ministério do Ambiente e da Ação Climática diz ao DV que, em 2023, o país “aumentou em mais de 50% a capacidade instalada de energia de fontes renováveis, face a 2015”. E afiança, exemplificando o efeito daquele aumento, que a produção renovável abasteceu “61% do consumo de energia elétrica, 31,2 TWh [terawatt-hora], o valor mais elevado de sempre”, permitindo “reduzir as emissões de gases poluentes na produção de eletricidade para o nível mais baixo de que há registo”. Outro exemplo referido foi o período de seis dias (149 horas seguidas), entre 31 de outubro e 5 de novembro, em que “o consumo nacional de eletricidade foi abastecido por produção renovável nacional, superando o anterior recorde de 131 horas, em 2019”.
E para o futuro, o que esperar? “Portugal é o sétimo país mais atrativo do mundo para os investimentos na área das energias renováveis”, defende a mesma fonte, lembrando que “estão projetados 85 mil milhões de euros de investimentos verdes, mais de 35% do PIB nacional – 60 mil milhões de euros em diferentes tecnologias associadas à produção de eletricidade renovável e atração de indústrias verdes (hidrogénio verde e lítio), que correspondem a 25 mil milhões de euros e 19 mil empregos diretos”, garante o Ministério.
Estes valores representam uma estimativa sustentada por mani
festações de interesse do setor privado na concretização de projetos verdes que cumprem os diferentes planos e metas para a transição energética, sem esquecer o “efeito multiplicador” dos investimentos projetados, “tanto a montante – por via de novos projetos industriais de fornecimento dos equipamentos e serviços necessários à sua instalação – como a jusante – em resultado das novas indústrias verdes que se instalam no país”, segundo a mesma fonte.
APREN pede celeridade
Contactado, Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), afirma que “apesar dos bons números renováveis que encerraram o ano [de 2023], é necessário colocá-los em contexto com os desenvolvimentos legislativos”. Por exemplo, a atualização de metas a nível europeu, na sequência da guerra entre a Ucrânia e a Rússia, obrigaram à revisão do Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), sendo que a versão final do plano luso só será entregue à Comissão Europeia em junho deste ano.
Pedro Amaral Jorge nota que o setor tem um “impacto socioeconómico comprovado”, mas o último ano trouxe “desenvolvimentos” aos “maiores desafios” acabando por crescer “o nível de incerteza face ao desenvolvimento de novos projetos”.
Conclusão? “Os números favoráveis [na geração de energia a partir de fontes renováveis] resultam sobretudo de um ano hídrico favorável e da entrada de capacidade solar em operação, no entanto, estes valores ficam aquém para atingir, até 2030, o nível de descarbonização e competitividade da economia portuguesa necessárias”, esclarece. “É preciso fazer mais e de forma mais célere”, avisa ainda.
“É urgente a criação de mecanismos de estabilidade”, prossegue o presidente da APREN, indicando que o atual quadro de “inflação elevada e política monetária mais restritiva”, ao mesmo tempo que há um mercado de eletricidade “com previsões de preços com bastante mais volatilidade, cria uma incerteza adicional aos investimentos futuros, principalmente no setor renovável que que se caracteriza por ser de capital intensivo com custos variáveis negligenciáveis”.
Esforços necessários além de investimentos
Apesar da importância dos investimentos nas fontes renováveis, haverá outras ações necessárias para cumprir a descarbonização.
Ao DV, a associação ambientalista ZERO aponta que o setor dos transportes, por exemplo, “segue uma trajetória alarmante que urge inverter”, sendo necessário reduzir as emissões rodoviárias “em pelo menos 5% todos os anos até 2030”. “A forma mais eficaz de o fazer será centrarmo-nos na eletrificação dos veículos com elevadas taxas de utilização”, prossegue a associação, referindo que falta fazer cumprir a Lei de Bases do Clima, bem como as estratégias Industrial e de Armazenamento de Energia.
“Há ainda um extenso trabalho a prosseguir na forma como, em Portugal, se pensa a transição energética, sobretudo na ótica da suficiência energética”, destaca a organização em resposta ao DV.
Para Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), Portugal tem “um percurso muito meritório nas renováveis” No entanto, considera que “há muito por fazer” na adaptação do país às alterações climáticas, especialmente no setor dos recursos hídricos. “A situação de escassez de água no
Sul do país, e especialmente no Algarve, é preocupante e não existem medidas planeadas com a devida antecedência”, afirma.
Outra questão é a Lei do Clima: “O Conselho de Ação Climática deveria ter iniciado as suas funções em 1 de janeiro de 2024, mas com a queda do Governo a designação do seu Presidente pela Assembleia da República foi adiada e só será realizada após as eleições”.
Luísa Schmidt, investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, por sua vez, defende a aposta em “políticas preventivas”, defendendo que “a situação mais preocupante”, a propósito dos investimentos que se fazem na transição energética, “prende-se com o desordenamento do território e com os abusos que constantemente se cometem sobre as paisagens, agravados agora pelo designado Simplex do urbanismo e do território”. “A pretexto de simplificar procedimentos administrativos para o licenciamento de obras, acabamos por escancarar os nossos patrimónios, natural, cultural e paisagístico aos oportunismos, sem que o interesse público seja convenientemente acautelado”, argumenta.