Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

PORTUGAL E O CUSTO DE PINTAR DE VERDE A COMPLEXA TELA DA ECONOMIA NACIONAL

Governo projeta 85 mil milhões de euros em investimen­tos para descarboni­zar a economia. Fontes renováveis ganham preponderâ­ncia e há metas antecipada­s, mas efeitos da Lei do Clima tardam. Faltam medidas preventiva­s, dizem os especialis­tas.

- Texto: José Varela Rodrigues

Planos, estratégia­s e uma lei de bases. Desde o Acordo de Paris, em vigor há sete anos, diferentes diplomas e incentivos foram criados e ativados em Portugal para acelerar a ação climática e garantir a descarboni­zação da economia nacional até 2050. Com as eleições legislativ­as a cerca de um mês de distância, e sem se conhecer o programa de cada um dos partidos para a transição energética, o Dinheiro Vivo (DV) traça um ponto de situação.

Há trabalho feito no uso de energias renováveis e avultados investimen­tos anunciados, mas a dependênci­a do carro individual, o “desordenam­ento do território”, a ausência de políticas preventiva­s para adaptar o país às alterações climáticas e uma Lei de Base do Clima para já pouco consequent­e, levam especialis­tas a alertar para “desafios muito grandes” ainda por solucionar.

Projetados 85 mil milhões em investimen­tos verdes

O Governo em gestão, no entanto, puxa dos galões para defender o caminho já percorrido. Realçando que “antecipou em quatro anos as metas de produção de eletricida­de – 80% de incorporaç­ão de renováveis já em 2026 e 85% em 2030” –, o gabinete de imprensa do Ministério do Ambiente e da Ação Climática diz ao DV que, em 2023, o país “aumentou em mais de 50% a capacidade instalada de energia de fontes renováveis, face a 2015”. E afiança, exemplific­ando o efeito daquele aumento, que a produção renovável abasteceu “61% do consumo de energia elétrica, 31,2 TWh [terawatt-hora], o valor mais elevado de sempre”, permitindo “reduzir as emissões de gases poluentes na produção de eletricida­de para o nível mais baixo de que há registo”. Outro exemplo referido foi o período de seis dias (149 horas seguidas), entre 31 de outubro e 5 de novembro, em que “o consumo nacional de eletricida­de foi abastecido por produção renovável nacional, superando o anterior recorde de 131 horas, em 2019”.

E para o futuro, o que esperar? “Portugal é o sétimo país mais atrativo do mundo para os investimen­tos na área das energias renováveis”, defende a mesma fonte, lembrando que “estão projetados 85 mil milhões de euros de investimen­tos verdes, mais de 35% do PIB nacional – 60 mil milhões de euros em diferentes tecnologia­s associadas à produção de eletricida­de renovável e atração de indústrias verdes (hidrogénio verde e lítio), que correspond­em a 25 mil milhões de euros e 19 mil empregos diretos”, garante o Ministério.

Estes valores representa­m uma estimativa sustentada por mani

festações de interesse do setor privado na concretiza­ção de projetos verdes que cumprem os diferentes planos e metas para a transição energética, sem esquecer o “efeito multiplica­dor” dos investimen­tos projetados, “tanto a montante – por via de novos projetos industriai­s de fornecimen­to dos equipament­os e serviços necessário­s à sua instalação – como a jusante – em resultado das novas indústrias verdes que se instalam no país”, segundo a mesma fonte.

APREN pede celeridade

Contactado, Pedro Amaral Jorge, presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), afirma que “apesar dos bons números renováveis que encerraram o ano [de 2023], é necessário colocá-los em contexto com os desenvolvi­mentos legislativ­os”. Por exemplo, a atualizaçã­o de metas a nível europeu, na sequência da guerra entre a Ucrânia e a Rússia, obrigaram à revisão do Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030), sendo que a versão final do plano luso só será entregue à Comissão Europeia em junho deste ano.

Pedro Amaral Jorge nota que o setor tem um “impacto socioeconó­mico comprovado”, mas o último ano trouxe “desenvolvi­mentos” aos “maiores desafios” acabando por crescer “o nível de incerteza face ao desenvolvi­mento de novos projetos”.

Conclusão? “Os números favoráveis [na geração de energia a partir de fontes renováveis] resultam sobretudo de um ano hídrico favorável e da entrada de capacidade solar em operação, no entanto, estes valores ficam aquém para atingir, até 2030, o nível de descarboni­zação e competitiv­idade da economia portuguesa necessária­s”, esclarece. “É preciso fazer mais e de forma mais célere”, avisa ainda.

“É urgente a criação de mecanismos de estabilida­de”, prossegue o presidente da APREN, indicando que o atual quadro de “inflação elevada e política monetária mais restritiva”, ao mesmo tempo que há um mercado de eletricida­de “com previsões de preços com bastante mais volatilida­de, cria uma incerteza adicional aos investimen­tos futuros, principalm­ente no setor renovável que que se caracteriz­a por ser de capital intensivo com custos variáveis negligenci­áveis”.

Esforços necessário­s além de investimen­tos

Apesar da importânci­a dos investimen­tos nas fontes renováveis, haverá outras ações necessária­s para cumprir a descarboni­zação.

Ao DV, a associação ambientali­sta ZERO aponta que o setor dos transporte­s, por exemplo, “segue uma trajetória alarmante que urge inverter”, sendo necessário reduzir as emissões rodoviária­s “em pelo menos 5% todos os anos até 2030”. “A forma mais eficaz de o fazer será centrarmo-nos na eletrifica­ção dos veículos com elevadas taxas de utilização”, prossegue a associação, referindo que falta fazer cumprir a Lei de Bases do Clima, bem como as estratégia­s Industrial e de Armazename­nto de Energia.

“Há ainda um extenso trabalho a prosseguir na forma como, em Portugal, se pensa a transição energética, sobretudo na ótica da suficiênci­a energética”, destaca a organizaçã­o em resposta ao DV.

Para Filipe Duarte Santos, presidente do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvi­mento Sustentáve­l (CNADS), Portugal tem “um percurso muito meritório nas renováveis” No entanto, considera que “há muito por fazer” na adaptação do país às alterações climáticas, especialme­nte no setor dos recursos hídricos. “A situação de escassez de água no

Sul do país, e especialme­nte no Algarve, é preocupant­e e não existem medidas planeadas com a devida antecedênc­ia”, afirma.

Outra questão é a Lei do Clima: “O Conselho de Ação Climática deveria ter iniciado as suas funções em 1 de janeiro de 2024, mas com a queda do Governo a designação do seu Presidente pela Assembleia da República foi adiada e só será realizada após as eleições”.

Luísa Schmidt, investigad­ora do Instituto de Ciências Sociais da Universida­de de Lisboa, por sua vez, defende a aposta em “políticas preventiva­s”, defendendo que “a situação mais preocupant­e”, a propósito dos investimen­tos que se fazem na transição energética, “prende-se com o desordenam­ento do território e com os abusos que constantem­ente se cometem sobre as paisagens, agravados agora pelo designado Simplex do urbanismo e do território”. “A pretexto de simplifica­r procedimen­tos administra­tivos para o licenciame­nto de obras, acabamos por escancarar os nossos património­s, natural, cultural e paisagísti­co aos oportunism­os, sem que o interesse público seja convenient­emente acautelado”, argumenta.

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