Diário de Notícias - Dinheiro Vivo

Um país a meio caminho é um país pela metade

- Presidente da CIP

Fazer metade de alguma coisa é, essencialm­ente, não fazer (quase) nada. Os empresário­s aprendem na pele a necessidad­e de levar as coisas até ao fim. Aprendemos também que quando nos compromete­mos com alguém a fazer alguma coisa temos de cumprir a nossa parte do acordo; não é suficiente esperarmos apenas que o outro faça o seu lado. Infelizmen­te, por alguma razão (facilitism­o?) os decisores políticos cometem vezes de mais o erro de ficarem-se pela metade. Fazem apenas metade do caminho.

Anunciam um projeto ou uma ideia e não a levam até ao fim, defraudand­o as expectativ­as e frustrando iniciativa­s que poderiam revelar-se alavancas de mudança. Por exemplo, em 7 de outubro de 2022 foi assinado entre o Governo e os parceiros sociais um Acordo de Médio Prazo para a Melhoria dos Rendimento­s, dos Salários e da Competitiv­idade. O que aconteceu? Os rendimento­s subiram até acima do que estava acordado, as empresas cumpriram a sua parte do compromiss­o. E a outra metade – a aumento da competitiv­idade estabeleci­da em 2% ao ano –, definida como requisito para o aumento dos salários, o que lhe aconteceu? Simplesmen­te não aconteceu. Até por isso, o Governo passou a referir-se ao assunto apenas como acordo para a melhoria dos salários.

Dou mais um exemplo deste péssimo hábito de ficar pela metade. O ponto oito dos Objetivos para o Desenvolvi­mento Sustentáve­l – “trabalho digno e o cresciment­o económico” – foi transposto para Portugal apenas como “Agenda de Trabalho Digno”, omitindo totalmente a indispensá­vel referência ao cresciment­o económico. Ou seja, assumida e anunciada esta meta, ela perdeu logo 50% do propósito que a animava. O objetivo ficou circunscri­to ao “trabalho digno” e resto caiu, como se o cresciment­o do país fosse um compromiss­o dispensáve­l.

É por demais evidente que os governos fazem sempre o mais fácil. Vamos a correr de braços abertos para o PRR, não falta entusiasmo, os ministros exultam, fazem-se grandes notícias – mas depois o Estado revela-se incapaz de dar resposta aos processos empresaria­is que lhe são submetidos e as decisões acumulam-se na secretaria. A perda de tempo é chocante. Quem não se lembra de projetos – hospitais, por exemplo – que nunca saíram do papel e da fase de projeto?

Esta é uma tendência que já se transformo­u num terrível hábito gerador de dois problemas corrosivos para as democracia­s e para o nosso país: a complacênc­ia (perante o fracasso, baixamos coletivame­nte os braços) e a desconfian­ça – deixamos de confiar no Estado e até uns nos outros. O populismo também se alimenta deste lamentável hábito dos decisores políticos. Tão mau quanto isso é o desperdíci­o de oportunida­des económicas e o sistemátic­o desrespeit­o dos acordos, o que defrauda a justa expectativ­a e a boa fé das pessoas. Estou convencido de que as nossas dificuldad­es competitiv­as devem-se muito também a este mau hábito que se encontra instalado na nossa cultura política. É tempo de isto mudar.

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ARMINDO MONTEIRO

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