Diário de Notícias - Dinheiro Vivo
PORTUGAL CAPTOU 3,5 MIL MILHÕES DE INVESTIMENTO ESTRANGEIRO EM 2023, O VALOR MAIS ALTO DESDE 2016
Há 36 novas decisões de investimento, no valor de 2739 milhões, que permitirão criar 6810 postos de trabalho. Destas, 14 são projetos industriais. Há outros 12 de investimento de empresas já estabelecidas em Portugal e que permitirão criar mais 1500 empre
A AICEP captou, no ano passado, 3,5 mil milhões de euros de investimento, um novo recorde, correspondendo ao maior montante de investimento angariado pela agência desde 2016. Deste valor, mais de 2,7 mil milhões dizem respeito a novo Investimento Direto Estrangeiro (IDE): são 36 leads de IDE decididas e que levarão à criação de 6810 postos de trabalho. Só os projetos industriais são 14 e permitirão criar 3555 novos empregos. Os restantes 3255 são postos de trabalho em centros de serviços.
Ao montante global somam-se, ainda, os mais de 719 milhões de euros provenientes de 12 projetos de reinvestimento por parte de empresas estrangeiras já estabelecidas em Portugal e de empresas nacionais. Comprometem-se a criar mais 1526 postos de trabalho. Os dados foram avançados ao Dinheiro Vivo pelo presidente da AICEP, que considera que o novo recorde de 3,5 mil milhões de investimento angariado “assinala um sólido interesse e compromisso das empresas em investir no nosso pais”. A AICEP –Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal tem ainda em acompanhamento 50 candidaturas de Potencial Interesse Nacional, os chamados PIN, com um volume de investimento de 22 565 milhões de euros e a criação potencial de 22 103 empregos.
Recorde-se, ainda, que, em setembro, na apresentação do seu plano estratégico para 2023-2025, a AICEP identificou um pipeline de 44 projetos de investimento produtivo, sobretudo estrangeiro, no valor total de 32,3 mil milhões de euros.
O relançamento do Regime Contratual de Investimento tem permitido atrair mais investimento produtivo, que “aporta valor acrescentado e produz bens transacionáveis, promovendo as exportações”, refere Filipe Santos Costa. Um aviso que abriu a 2 de novembro de 2023, e só termina a 31 de dezembro de 2024, mas no âmbito do qual foram já recebidos sete projetos, dois dos quais estão já a começar a ser analisados, um na área dos semicondutores e destinado à produção de motores elétricos para veículos híbridos que, serão, tudo o indica, os que primeiro estarão em condições de serem contratualizados este ano.
Reindustrialização
Em termos de áreas principais de aposta, Filipe Santos Costa destaca “o enorme desenvolvimento” na geração de eletricidade de fontes renováveis, mas também ao nível das infraestruturas digitais, com
O relançamento do Regime Contratual de Investimento tem permitido atrair mais projetos produtivos, que aportam mais valor acrescentado e produzem bens exportáveis, diz a AICEP.
vários projetos no terreno, para a amarração de cabos submarinos de telecomunicações, como o Equiano, da Google, ou o 2Africa, do Facebook, que se juntarão ao Ellalink, que já liga Sines a Fortaleza, no Brasil. Projetos para os quais a disponibilidade de eletricidade verde é também vital.
Na mesma lógica da descarbonização, há os projetos de desenvolvimento da indústria dos gases renováveis, seja o hidrogénio verde ou o amoníaco verde, e ao nível das matérias base, destaca o projeto da Repsol Polímeros, que começou em 650 milhões, passou rapidamente a 760 milhões com investimentos complementares em rede de eletricidade, e que pode chegar aos 1395 milhões, com a construção de uma unidade de hidrogénio verde e de uma fábrica de reciclagem de resíduos sólidos para a produção de polietileno e de polipropileno. O impacto direto esperado destas duas fábricas – que vão produzir polímeros de alta e baixa densidade, essenciais para a indústria da mobilidade elétrica – na balança comercial nacional é de mil milhões de euros, ao substituir 400 milhões de importações, promover 200 milhões de atividade industrial adicional e 400 milhões de exportações.
Portugal está, ainda, a procurar angariar um projeto de metalurgia, para a fabricação de aço verde. No segmento da mobilidade elétrica, a aposta é na fileira toda, procurando assegurar para o país não só a exploração, refinação e aplicação de lítio para baterias, mas também de cátodos para as mesmas baterias, o fabrico de motores e de veículos elétricos e, no final do ciclo, a reciclagem das baterias de lítio. O agroalimentar e as ciência da vida, em especial a farmacêutica, são outras das áreas de grande aposta na captação de IDE.
Apesar destes dados, a convicção em Portugal é que os investimentos industriais têm de crescer a um ritmo maior, até para dar resposta à ambição de reindustrializar a Europa. Depois de anos a deslocalizar grande parte da sua indústria para a Ásia, em busca de competitividade assente em baixos salários, a Europa quer fazer o caminho inverso e trazer de volta o que perdeu.
A pandemia de covid-19 deixou a nu as fragilidades de uma economia dependente da China em relação a produtos básicos, e a Comissão Europeia aproveitou o seu roteiro para a neutralidade carbónica para apostar no reforço da sua autonomia estratégica, tendo em vista impulsionar a transição para uma economia “mais sustentável, digital, resiliente e competitiva a nível mundial”. A guerra na Ucrânia veio agravar a situação, no que ao gás russo diz respeito.
Quatro anos depois, avança-se a um ritmo mais lento do que o desejável. “Sendo verdade que vão surgindo alguns projetos de maior dimensão [em Portugal], ainda são muito escassos. Isto porque chocam com um contexto administrativo, regulamentar e fiscal pesado que, e para dificultar mais a situação, está quase sempre rodeado de muita incerteza, indefinição e imprevisibilidade”, diz a CIP.
Rafael Alves Rocha, diretor-geral da confederação, considera que “é fundamental uma revisão administrativa, regulatória e burocrática; é preciso alinhar a aplicação dos enquadramentos legais em todas as regiões (porque hoje há uma enorme disparidade), e é talvez preciso percebermos em conjunto quais os setores onde podemos realmente ser mais competitivos”. Tudo isto a par de “estabilidade na lei laboral”, mas também da redução dos impostos, para pessoas e empresas.
Já a AEP considera que a localização geográfica do país constitui uma “oportunidade única” para Portugal “se destacar como recetor de uma indústria mais próxima do resto da Europa, impulsionando a reindustrialização”. Mas, para que isso aconteça, Luís Miguel Ribeiro advoga, além de políticas públicas que proporcionem um quadro regulatório e fiscal “mais amigo” do investimento, que haja “maior alocação de fundos europeus ao setor empresarial privado, em detrimento do setor público, pela maior reprodutividade do investimento”.
O presidente da AEP considera ainda que o Banco Português de Fomento tem de ter uma “atuação mais adequada às reais necessidades de financiamento e capitalização das empresas”. Quanto aos setores de aposta, Luís Miguel Ribeiro diz que o futuro “é cada vez mais imprevisível”, pelo que, se as energias verdes, o lítio, o hidrogénio e os centros de dados são “de importância capital, não podemos descurar outros setores em que continua a assentar uma grande fatia da base produtiva nacional”. Até porque, frisa, muitos dos setores ditos tradicionais “têm percorrido um caminho notável em matéria de inovação”, com forte ligação ao sistema científico e tecnológico nacional.
E se é verdade que a maior intensidade tecnológica destas indústrias ditas tradicionais, com uma vocação fortemente exportadora, ainda não se reflete, “de forma vincada”, na proporção das exportações de bens de média-alta e alta tecnologia, tal deve-se, acredita, “à própria definição de setores de bens de média-alta e alta tecnologia que estas estatísticas incorporam”.
Automóvel quer metas
Para a Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel, os ataques dos huthis aos navios no Mar Vermelho vieram mostrar que há ainda muito para resolver. “É imperativo e necessário rever toda a cadeia de valor na Europa e repensá-la como uma estratégia industrial europeia de longo prazo. É necessário impor metas para a concretização e avaliar os avanços, de forma a não termos falsas surpresas”, defende o presidente da AFIA, que considera que a Europa “está muito exposta a acontecimentos imprevistos” e que, por isso, “é necessário fortalecer a cadeia de produção no território europeu e diversificar e fortalecer as cadeias de abastecimento”.
José Couto acredita que a evolução tecnológica do automóvel, como a limitação de emissões, a alteração de motorização, a condução autónoma e o aumento da conectividade, “criam janelas de oportunidade para a indústria automóvel em Portugal”. E o país deveria ter um plano de contacto com todos os construtores de automóveis e com os grandes fornecedores/integradores internacionais de componentes (os “Tier 1”) para captar os seus projetos e investimentos, defende.
“Deveríamos promover a imagem do país no exterior com vista à captação de mais investimento estrangeiro, com particular enfoque na necessidade de atrair um novo construtor automóvel para estabelecimento de uma nova linha de montagem. Que possibilitaria um elevado impacto de alavancagem para toda a indústria de componentes automóveis”, sustenta, lembrando que esta indústria investiu, desde 2015, mais de seis mil milhões de euros, o que representa 16% do investimento total da indústria transformadora. No mesmo período, foram criados mais de 14 500 postos de trabalho, com as 350 empresas da fileira a assegurar, diretamente, mais de 63 mil empregos.
A AFIA reconhece, por outro lado, que o regresso de unidades industriais à Europa “traz consigo o grande desafio de reativar ou promover indústrias-chave, fornecedoras das cadeias de produção, como é o caso do ecossistema da mobilidade”, mas considera que “é crucial incrementar o nível de competitividade do setor e estabelecer políticas europeias que ajudem as empresas, isto porque a mudança constrói uma nova realidade que necessita de um pensamento estratégico global”.
A falta de mão-de-obra
Mas a falta de mão-de-obra é um entrave ao desenvolvimento industrial. Para a AEP, a solução está na implementação de medidas que promovam a atração e retenção de talento, evitando que os jovens abandonem o país. “Também aqui a componente fiscal é absolutamente crítica. Portugal está entre os países da OCDE que mais tributam os custos sobre o trabalho e onde a progressividade do IRS é das mais elevadas, reduzindo drasticamente o rendimento líquido disponível aos trabalhadores, que fica muito aquém da remuneração bruta praticada pelas empresas”, diz Luís Miguel Ribeiro.
O responsável acredita que, uma “envolvente favorável” ao reforço do investimento na indústria e políticas públicas adequadas, “é garantia de um aumento da produtividade, que permitiria às empresas industriais pagar melhores salários, contratar pessoas mais qualificadas e, em última instância, colmatar, em parte, o seu problema de falta de mão-de-obra”.
Já a CIP considera que há trabalhos que os portugueses “não querem fazer mais” e que, nesse sentido, “é muito bem-vinda” a imigração que hoje chega a Portugal. Mas quer a inclusão total desses imigrantes, com “a oferta de um projeto de vida estendido para além da oferta de trabalho, que inclua melhores serviços de saúde, educação, habitação, etc., e um compromisso ético e não apenas salarial”.
No entanto, acredita que é preciso ir mais longe e atrair mão-de-obra cada vez mais qualificada, porque nesse fator reside “a chave do nosso desenvolvimento enquanto nação”. Rafael Alves Rocha considera que “é urgente criarmos mais riqueza para pagarmos salários mais altos”, de modo a reter muitos dos jovens portugueses que emigram, mas também que sejam promovidas “políticas ativas de atração de imigração qualificada”.
Devagar se vai ao longe
O presidente da AICEP reconhece que a reindustrialização leva tempo, mas acredita que o importante é manter o rumo. “Os investimentos estão a acontecer, mas quando falamos de uma indústria de base, uma siderurgia de aço verde, por exemplo, um projeto de dois, três ou quatro mil milhões de euros, estamos a falar de projetos de enorme complexidade, até porque implicam uma mineração responsável, para começar. São projetos de envergadura e não se fazem com a mesma facilidade ou no mesmo espaço de tempo com que se monta uma linha de assemblagem. São coisas que levam tempo, o que é preciso é manter o rumo e que a Europa dê resposta à competitividade dos blocos norte-americano e das várias economias do leste e sudeste asiático”, defende Filipe Santos Costa.
Quanto à indústria mais tradicional, vai tirar partido de toda esta infraestrutura em preparação. “Se formos um país com eletricidade verde mais abundante e mais barata que os nossos competidores, podemos fornecê-la às indústrias mais dependentes da energia, como o vidro e a cerâmica, que assim poderão não só produzir de forma mais barata, mas também apresentar produtos mais sustentáveis, associando estas indústrias mais tradicionais à nossa marca ‘Portugal + sustentável’”, diz.